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A proteção contra a discriminação de que os indivíduos LGBT são vítimas é um problema que inclui diversas vertentes, tais como questões morais, se se deve proteger a conduta sexual ou identidade sexual, diferenças culturais, entre outras.

Pessoas LGBT são seres humanos privados do exercício de direitos, como o desenvolvimento da personalidade, privacidade, autonomia e associação em público ou privado. Enquanto não deixar de lhes ser atribuído o rótulo de pervertidos, eles irão continuar a ser objeto de discriminação, e não haverá possibilidade de inclusão explicita nas normas de direito internacional da orientação sexual como causa de discriminação ilícita nas normas de direito internacional90, da orientação sexual como causa de discriminação ilícita.

Tal como noutras lutas pelos direitos humanos, os principais campos de batalha são locais e nacionais. O patamar internacional de direitos humanos é, em geral, suplementar e complementar às lutas internas; a luta internacional é, por norma, consequência das lutas nacionais, e não o contrário91.

Os Pactos e Convenções Internacionais de Direitos Humanos92 contêm, em essência, princípios que refletem as atitudes de 1940 a 1960, quando em nenhum país, até então, tinha existido um movimento LGBT com substância. Logo, não existem normas relativas às minorias sexuais nestes instrumentos e, ainda que seja possível corrigir os mesmo através de protocolos adicionais, tal é um processo muito complexo, uma vez que o número de signatários atuais é muito superior ao número de signatários originais, assim como são maiores as diferenças sociais, culturais e politicas entre eles, o que impossibilita um consenso generalizado, que é condição necessária para se proceder a alguma alteração a documentos universais.

90 Vide, BALL, Carlos A., “A New Stage for the LGBT… op. cit. p.285. 91

Vide, BALL, Carlos A., “A New Stage for the LGBT… op. cit. p.285.

92 Existem 9 instrumentos internacionais de direitos humanos principais. Cada qual estabelece um comité de especialistas para monitorizar a implementação das normas desses instrumentos por parte dos Estados Membros. De referir: Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 21 de Dezembro de 1965; Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 16 de Dezembro de 1966; Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais de 16 de Dezembro de 1966; Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 18 de Dezembro de 1979; Convenção contra a Tortura e outro Tratamento ou Punição Cruéis, Desumanas e Degradantes de 10 de Dezembro de 1984; Convenção sobre os Direitos das Crianças de 20 de Novembro de 1989; Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de todos os Trabalhadores Migrantes e Membros das suas Famílias de 18 de Dezembro de 1990; Convenção Internacional para a Proteção de todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado de 20 de Dezembro de 2006; Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Debilitações de 13 de Dezembro de 2006. Alguns são complementados por protocolos adicionais.

36 Os instrumentos internacionais que visam a proteção de certos grupos sociais de discriminação arbitrária refletem os sucessos das lutas históricas empreendidas pelos respetivos movimentos (no caso da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, o movimento feminista). A criação desses instrumentos apresenta-se mais como efeito da inclusão desses movimentos do que como sua causa. Só após uma mudança drástica de ideias e de práticas é que o reconhecimento explicito de Direitos será uma possibilidade realista93. Após essa mudança, e no seguimento do que já foi dito no titulo anterior, o reconhecimento formal torna-se noutro instrumento de trabalho para continuar e complementar a luta por uma inclusão total, isto é, de facto.

No caso de minorias sexuais, podemos prever, então, que ainda faltarão alguns anos, talvez décadas, para a criação de uma convenção própria. Isto deve-se essencialmente ao facto de o processo de criação de instrumentos internacionais de direitos humanos ter tido início com o desenvolvimento de consenso entre os Estados Membros. Na situação atual, é impossível chegar a um consenso generalizado no que respeita às minorias sexuais, e consenso é um fator essencial para a eficácia de normas internacionais. O preconceito para com as minorias sexuais ainda está profundamente enraizado nas várias culturas do mundo, e é reforçado pelas religiões mais tradicionais94. O tempo necessário para que um direito possa ser explicitamente reconhecido como lei internacional é mais do que suficiente para que o mesmo possa ser aceite por praticamente todos os Estados de todas as regiões95.

Posto isto, se um tratado, pacto ou convenção não puder ser alterado diretamente, uma das ferramentas alternativas é a interpretação, que deverá acompanhar as alterações sociais, políticas, económicas e culturais que se verificaram desde o momento da elaboração do respetivo tratado ou convenção até ao presente. Não se trata de uma interpretação arbitrária que sirva os interesses de um grupo selecto, mas sim uma interpretação evolutiva que não ignore as mudanças que ocorreram ao longo dos anos, salvaguardando assim o espírito das normas.

Como grande parte das normas referentes a discriminação apresenta um elenco de causas injustificadas de discriminação e termina com “e outro estatuto” ou “outra condição”, a orientação sexual e identidade de género incluem-se nesses termos finais.

93 Vide, BALL, Carlos A., “A New Stage for the LGBT… op. cit. p.285. 94

Vide, HOLZHACKER, Ronald, “Gay Rights are Human Rights…op. cit., p.14. 95 Vide, BALL, Carlos A., “A New Stage for the LGBT… op. cit. pp.285 e 286.

37 Outra alternativa resume-se a uma estratégia de colocar em evidência o sofrimento causado em pessoas LGBT, como forma de cultivar uma atitude de empatia e de tolerância para com as minorias sexuais. Para quem considera esse sofrimento apropriado, o resultado não terá grande impacto. Tal estratégia, contudo, logra obter algum sucesso em determinadas áreas, desde que ligada a outros problemas. Por exemplo, desde 1999, a resolução anual adotada pela Assembleia Geral de UN sobre mortes extrajudiciais inclui a referência a indivíduos mortos em função da sua orientação sexual. O sofrimento vivido pelas minorias sexuais, neste caso, é o mesmo que qualquer outro individuo sente. Quer dizer, por analogia equiparam-se as minorias sexuais a pessoas vitimizadas em função da idade, debilitações físicas ou mentais, ou religião. Note-se que pessoas com deficiência também não mereceram menção nos artigos referentes a discriminação nos primeiros Instrumentos Internacionais de Direitos Humanos. Em conclusão, o elenco de causas ilícitas de discriminação, previsto no artigo 2º da UDHR, não é exaustivo, havendo outras causas de discriminação96.

Outra estratégia derivada de interpretação é a inclusão de orientação sexual no termo “sexo” do artigo 2º da UDHR, o que foi feito pelo Comité dos Direitos Humanos no caso Toonen v. Australia. Não foi a estratégia mais eficaz, admite-se, mas esta questão será devidamente analisada no capítulo relativo ao sistema internacional de proteção de direitos humanos97.

Apesar de as restrições quanto à interpretação serem menos rígidas que o reconhecimento legal e expresso de novas classes de titulares de direitos humanos, tais interpretações continuarão a carecer de peso significativo enquanto não se alcançar um consenso generalizado.

Uma outra fonte principal de interpretação neste sistema internacional descentralizado é constituída pelas leis e tribunais nacionais. Os precedentes verificados em determinados Estados influenciam outros, muitas vezes devido a uma pressão constante no sentido do estabelecimento de boas relações políticas e comerciais com países mais poderosos, diminuindo-se, assim, a resistência à mudança. Quanto à homossexualidade, já se está num contexto em que a maioria dos países a descriminalizou. A tolerância, no sentido de não se impor debilitações legais a grupos minoritários, é uma forma importante de proteção em si mesma. A descriminalização pode ser usada como índice de medida da vontade de um Estado, de apresentar

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Vide, BALL, Carlos A., “A New Stage for the LGBT… op. cit. p.286. 97 Vide, BALL, Carlos A., “A New Stage for the LGBT… op. cit. pp.286 e 287.

38 desenvolvimentos quanto à evolução dos direitos das minorias sexuais98. O mesmo se pode dizer quanto ao casamento entre indivíduos do mesmo sexo. Nos países que o admitem, ou que admitam algum espécie de união civil entre pessoas do mesmo sexo, é provável encontrar um maior nível de compromisso na luta pela igualdade das pessoas LGBT.

Em último lugar existe a arena regional dos direitos humanos. É cada vez maior uma uniformização legal nos países membros de um sistema regional de direitos humanos, como é o caso, em primeiro ligar, do CE, que apresenta até à data os maiores progressos no que à causa LGBT concerne; em segundo lugar, a OAS; e, em último, da AU.

Para concluir, uma última estratégia na defesa da comunidade LGBT, a nível internacional, resume-se no direito à vida privada. O direito à vida privada constitui um fundamento de defesa de homossexuais e transexuais mais eficaz do que o próprio direito à não discriminação. Trata-se de um direito previsto a nível nacional, regional e internacional, como veremos mais à frente, na análise dos trabalhos realizados pela UN e pelos sistemas regionais de Direitos Humanos.

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