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7. Modelos de Direitos Civis Gays

7.2. Modelo Transformativo

Na sequência do que já foi dito relativamente ao fracasso do modelo substitutivo em abranger todas as identidades sexuais, e por ser discriminatório quanto aos indivíduos que não se revêm nas categorizações oferecidas, há ainda a questão dos transexuais. Para algumas culturas a homossexualidade é definida como uma transgressão às normas de género, em vez de ser considerada uma tendência ou preferência por condutas homossexuais. A forma mais conhecida de transgressão das normas do género é a transexualidade118.

Portanto, para o modelo transformativo, homossexualidade e transexualidade são praticamente a mesma coisa. O modelo substitutivo, erroneamente, estabelece formas de se ser homossexual nos tempos atuais, as quais ameaçam as formas tradicionais de homossexualidade, nomeadamente aquelas centradas na não conformidade com as normas de género e travestismo119. E é aqui que o modelo transformativo se apresenta como uma alternativa adequada a abranger os indivíduos excluídos do modelo anterior.

Transgressões do género enquanto definições de homossexualidade, que fazem do individuo um ser transsexual, verificam-se em várias partes de África, Ásia e América Latina. Em contraste com as relações homossexuais que se verificam há séculos, o que sugere uma aceitação generalizada do erotismo homossexual, identidades transexuais, como um homem que se comporta como mulher, tendem a ser encaradas com censura, pois elas retiram masculinidade ao indivíduo (mais uma vez, estas questões não eram encaradas na perspetiva da mulher). Neste modelo, a homossexualidade não é “atribuída” com base no género do parceiro sexual, mas sim com referência a um conjunto de atos e comportamentos, normalmente associados ao sexo oposto120. É uma questão de identidade sexual ou de género, distinta de orientação sexual. Um transexual abandona o género com que nasce, optando por outro,

117 Vide, KATYAL, Sonia, “Exporting Identity…op. cit., pp.131 e 132; e, NEEDHAM, Jayesh, “After the Arab Spring: A New Opportunity for LGBT Human Rights Advocacy?”, in Duke Journal of Gender Law

& Policy, Vol20, 2013, disponível em http://scholarship.law.duke.edu/djglp/vol20/iss2/3/, consultado

pela última vez a 9 de Setembro de 2017, pp.309 e 310. 118 Vide, KATYAL, Sonia, “Exporting Identity…op. cit., p.133. 119

Vide, KATYAL, Sonia, “Exporting Identity…op. cit., p.134. 120 Vide, KATYAL, Sonia, “Exporting Identity…op. cit., p.134.

45 normalmente o oposto ou, de acordo com algumas ideias sobre a transexualidade, por um terceiro género. É comum uma preferência por um parceiro sexual do sexo com que nasceram, mas nem sempre é o caso. Mais uma vez, distingue-se entre identidade do género, que é o que está aqui em causa, e conduta sexual ou expressão121.

Em contraste com o Ocidente, onde o discurso dos direitos humanos LGBT se tem baseado numa distinção entre tipos de géneros e de sexualidades, noutras partes do mundo a homossexualidade é equiparada e definida por transgressão do género. Por outras palavras, contrariamente ao modelo substitutivo de homossexualidade, para o qual a homossexualidade é entendida como uma expressão do comportamento sexual preferido, o modelo transformativo apresenta um novo fator que “transforma” a relação substitutiva entre identidade e conduta – a identidade de género – demonstrando, assim, que esta última transpõe as diferenças entre os dois primeiros122.

O significado social de homossexualidade, nas comunidades agora consideradas, reflete a transformação referida ao igualar homossexualidade e transsexualidade, em vez de se referir apenas a comportamento homossexual. Portanto, em vez de homens que se identificam como gays que normalmente escolhem homens gays como parceiros sexuais, num modelo transformativo/transsexual, há apenas dois tipos de indivíduos: heterossexuais e transexuais. Isto porque a homossexualidade enquanto identidade, neste caso, é caracterizada por transgressões do género, que são normalmente públicas, e não pelos aspetos mais privados do comportamento homossexual, ou seja, relações sexuais123.

Este modelo, com o seu conceito de “homossexualidade transexual”, está profundamente enraizado em culturas que atribuem um peso significativo à masculinidade, estigmatizando homens efeminados, comparativamente a sexo com pessoas do mesmo género. Como esclarecimento, na mesma categoria em que estaria vestir-se como mulher, e agir como mulher, está o papel de passivo no ato sexual, como característica efeminada do individuo124. Este modelo claramente privilegia aqueles indivíduos que não apresentam características femininas e mesmo assim têm relações sexuais com outros homens. A este nível, apresenta-se também como excludente de certos indivíduos, nem que seja pelo simples facto de que um homem que transgride os

121

Vide, GREENBERG, David F., “Transformations of Homossexuality-Based Classifications”, in The

Gender/Sexuality Reader, apud KATYAL, Sonia, “Exporting Identity…op. cit., p.133.

122 Vide, KATYAL, Sonia, “Exporting Identity…op. cit., p.135. 123

Vide, KATYAL, Sonia, “Exporting Identity…op. cit., p.136. 124 Vide, KATYAL, Sonia, “Exporting Identity…op. cit., p.136.

46 papéis de género cultural e socialmente estabelecidos não se revê necessariamente como uma mulher, nem quererá ser tratado como tal.

O modelo substitutivo exclui homossexualidades transexuais, o que é visível especialmente em locais onde uma comunidade auto-identificada como gay emerge e colide com significados transexuais de homossexualidade pré-existentes. Por exemplo, o sistema de identidades sexuais da Tailândia, que antecede o surgimento da identidade gay, compreende três géneros: masculino, feminino e kathoey. Este termo, originalmente relativo a uma pessoa, seja homem ou mulher, que apresentava características hermafroditas ou exibia comportamento considerado inapropriado para o seu género, é atualmente usado como referência a homens que exibem, quase exclusivamente, comportamentos femininos125.

Gay na Tailândia atual é uma identidade representada por um homem exemplar de masculinidade, grandes músculos, corpo definido e com barba, em contraste com

kathoey, que, à primeira vista, pensaríamos como equivalente ao que é “gay” para

muitos de nós. Os homens que se consideram gay usam esse termo como forma de se diferenciarem da conotação efeminada e negativa de kathoey, aumentando o estigma social sobre este último126. Este é meramente um exemplo das consequências da introdução de um modelo substitutivo num contexto social onde já existem outras conceções de homossexualidade, neste caso aquelas as defendidas por um modelo transformativo.