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AS ESTRATÉGIAS DE MORADIA TRANSITÓRIA NO PIEC: NOVOS OLHARES SOBRE O PONTO DE PARTIDA

2 O TERRITÓRIO HUMANO

4. AS ESTRATÉGIAS DE MORADIA TRANSITÓRIA NO PIEC: NOVOS OLHARES SOBRE O PONTO DE PARTIDA

A humanidade trilha caminhos em busca do conhecimento da verdade, e esse caminho parte da volta à origem, retomando o movimento histórico do fenômeno, para que então seja possível retornar ao presente e libertá-lo de suas limitações, através do processo reflexivo, com novas conexões e significados (PRATES, 2012). Trata-se do esforço humano em busca do conhecimento que supere a superficialidade do mundo como ele se apresenta; o movimento do détour é o único caminho acessível para conhecer os fenômenos em sua essência (KOSIK, 1976).

Neste capítulo, apresentam-se, em seu primeiro subitem, os dados do município de Porto Alegre, como forma de contextualizar o cenário da intervenção habitacional promovida pelo Projeto Integrado Entrada da Cidade (PIEC). A fundamentação teórica acerca do processo de urbanização, das diferenças territoriais, segregação e suas formas de enfrentamento, assume materialidade no processo de conformação e no cotidiano da capital gaúcha. Essa discussão prévia buscou abarcar os elementos fundantes das grandes cidades capitalistas, necessários para a compreensão do objeto de análise desta pesquisa. Nos demais subitens que compõem esse capítulo serão apresentados os achados do processo investigativo, a avaliação dos usuários, lideranças e trabalhadores, e os dados coletados nos registros e documentos do DEMHAB que fazem menção às estratégias de moradia transitória utilizadas no processo migratório das famílias vinculadas ao PIEC.

4.1 UM PORTO (NÃO MUITO) ALEGRE: O DEBATE LOCAL SOBRE DESIGUALDADE SOCIOTERRITORIAL

Porto Alegre possui uma área de 496,1 km², distribuída entre a parte continental de 452,68 km², e um conjunto de ilhas que corresponde a 43,42 km². Divide-se em 352,02 km² de área urbana e 144,08 km² de área rural. Com uma população de 1.409.351 habitantes (IBGE, 2010), Porto Alegre é a décima capital no país em densidade populacional. A cidade é formada por 81 bairros oficiais que

compõem 17 macrorregiões denominadas de Regiões do Orçamento Participativo (OP).

A regionalização da cidade é parte do processo de implantação do OP, que é fruto da ampliação da democratização na gestão de políticas públicas, previsto na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre, conforme já mencionado, implantou esse instrumento de participação popular nas decisões de interesse público em 1989, uma ação pioneira nessa proposta de gestão democrática do orçamento público.

A industrialização da cidade demarcou, nos anos 1950, a dificuldade de acesso da classe trabalhadora à moradia, mas foi o processo de desindustrialização, ocorrido a partir das últimas décadas, que agravou a situação da classe trabalhadora, à medida que também tornou difícil o acesso ao trabalho. O deslocamento industrial para outras regiões, somado ao cenário de reestruturação produtiva, com redução de contratação de mão de obra, flexibilização das relações trabalhistas e a estagnação econômica iniciada na década de 1980, simboliza a restrição da oferta de emprego, especialmente para os segmentos populacionais de baixa escolaridade. Assim, retraída a capacidade de absorção da mão de obra na cidade, a situação de pobreza da classe trabalhadora é profundamente agravada.

Sem indústria, expandem-se simultaneamente as novas ocupações especializadas e um novo proletariado do setor terciário, formado por trabalhadores mal remunerados, expostos às más condições de trabalho e altamente explorados. Esse agravamento da desigualdade de renda impacta os espaços residenciais. Polarizada, a cidade aumenta a tendência de exclusão espacial imposta pelas estruturas intraurbanas, afastando um número cada vez maior de trabalhadores da dita cidade formal, voltada para o mercado, ou seja, exclusiva para aqueles que produzem e consomem (SILVA, 2011).

O impacto do processo de desindustrialização da cidade no acesso ao trabalho vem sendo amenizado nas últimas duas décadas, dado o atual contexto de crescimento econômico do país. A taxa de desemprego de Porto Alegre tem oscilado em torno dos 5% e 6% no último ano. Porém, esse percentual está concentrado nas áreas distantes do centro da cidade. São as regiões com maior dificuldade de acesso à infraestrutura urbana onde se concentram os mais elevados índices de precariedade nas relações de trabalho, as menores rendas e os piores índices de escolaridade.

A partir das análises comparativas intraurbanas disponibilizadas pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre (PMPA)30, identifica-se que a desigualdade

social na cidade é georreferenciada. A espacialização das desigualdades reflete o sucesso ou fracasso das políticas públicas na área da distribuição de renda, em especial as políticas urbanas (Koga, 2011).

Segundo o último senso (2010), Porto Alegre apresenta um déficit habitacional de aproximadamente 42.500 unidades habitacionais, que configuram 8,19% da proporção de domicílios na cidade, embora se observe um decréscimo nesse índice se comparado à pesquisa do ano 2000. Em termos comparativos com outros municípios do país, Porto Alegre assume a 14° posição no ranking de déficit, conforme os dados do IBGE, 2010.

Em se tratando do conceito de déficit habitacional, deve-se considerar a concepção mais ampla de necessidades habitacionais, sendo esta definida como a soma do déficit habitacional — habitação precária, coabitação familiar e domicílios rústicos; inadequação de moradias ou domicílios inadequados — inadequação fundiária, adensamento excessivo, carência de infraestrutura, domicílios sem banheiro. (PORTO ALEGRE, 2009)

Em consonância com os indicadores do país, a queda do índice do déficit habitacional não repercutiu em melhoria na situação de moradia das famílias de baixa renda, pois se identificou, no último senso, o aumento das moradias precárias nos últimos 10 anos no município de Porto Alegre. Esse aumento é da mesma forma georreferenciado, concentrado apenas em algumas regiões do OP.

A divisão social do espaço urbano traduz-se em numerosas áreas sociais, cada uma caracterizada por uma relativa homogeneidade interna e heterogeneidade entre elas. Atributos como renda, instrução, ocupação, faixa etária, fecundidade, etnicidade. Religião, status migratórios e qualidade da habitação definem o conteúdo de cada área. Há um mosaico social na cidade, com distintas formas e conteúdos sociais. O preço da terra, expressão cabal da valorização da propriedade fundiária, e a proximidade dos centros de negócios – área central, subcentros e áreas especializadas -, assim como das áreas de amenidade naturais ou socialmente criadas e das áreas fabris, desempenham papéis fundamentais na estruturação desse mosaico social. (VASCONCELOS; CORRÊA; PINTAUDI, 2013, p. 8).

30 O Observatório da Cidade de Porto Alegre (ObservaPOA) disponibiliza uma ampla base de informações georreferenciadas sobre o município de Porto Alegre contribuindo para a consolidação da participação cidadã na gestão da cidade. O georreferenciamento das informações por regiões e bairros tem um papel pedagógico e político fundamental. Trata-se de reforçar a identidade do local, promovendo o sentido de comunidade nas pessoas e nas famílias.

Em relação às moradias, em 2010 o fator de desigualdade, que estabelece a relação entre o melhor e o pior indicador no município, foi de 440 vezes. Para fins de demonstrar a diferença entre as regiões, ilustra-se, no Gráfico 6, a evolução dos índices em uma década, na relação entre o dado geral do município e as regiões Centro e Humaitá/Navegantes, esta última local onde se desenvolve o PIEC.

Gráfico 6 - Moradias Precárias por Bairros.

11,95 8,51 0,5 17,8 11,01 0,1 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20

Porto Alegre Humaitá/Navegantes Centro