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CAPÍTULO I – UMA PESQUISA SOBRE A PESQUISA EM EDUCAÇÃO ESPECIAL: PROPOSTAS E EXPERIÊNCIAS

1.3. Estratégias de pesquisa

Com o objetivo de desenvolver um conhecimento sistematizado (metódico) sobre o objeto em análise, ao mesmo tempo em que procuramos aprimorar o método de análise das “investigações epistemológicas” na pesquisa educacional, assimilando as experiências anteriores e considerando a contribuição de outras pesquisas na área da epistemologia da pesquisa científica, foi necessário determinar um caminho que nos permitisse avançar no conhecimento da realidade escolhida para nosso estudo e, concomitantemente, poder contribuir para a discussão sobre a produção científica dos programas de pós-graduação em Educação e Educação Física. A contribuição seria, principalmente, para a problemática epistemológica e ontológica acerca da pesquisa científica voltada para as pessoas com necessidades especiais. Acreditamos que essa discussão adquira importância singular na atual fase de desenvolvimento científico, social e educacional do Brasil.

Assim sendo, a necessidade de definir esse caminho levou-nos a procurar uma maneira que, caracterizando-se como estudo epistemológico, pudesse abordar uma produção variada e complexa como as teses de diferentes programas e áreas de conhecimento. Como questionara Sánchez Gamboa (1996, p. 41):

Como definir uma porta de entrada para esse complexo mundo de diversidade de técnicas, métodos, teorias, maneiras de fazer ciência, de organizar processos e

25 Optamos por apresentar, neste capítulo, os principais procedimentos desenvolvidos na elaboração desta tese,

com o objetivo de sistematizar determinados passos e realizarmos, ao mesmo tempo, uma "vigilância epistemológica" sobre os métodos, conforme proposto por Bachelard (1989).

construir conhecimentos; modos diversos de objetivar interesses, de desenvolver propostas, de expressar visões de mundo?

Ao mesmo tempo em que a definição desse caminho aumenta sua complexidade, quando partimos do pressuposto que

[...] no percurso de todo processo de pesquisa científica se articulam problemas de índole epistemológica, problemas teóricos, problemas metodológicos e problemas técnicos. No entanto, a ordem na qual esses problemas se apresentam não é casual. Os problemas epistemológicos condicionam a direção das soluções aos problemas teóricos e as soluções dos problemas teóricos determinam os problemas metodológicos a serem resolvidos e assim sucessivamente (LADRÓN DE GUEVARA, 1979, p. 100).

Em síntese, em qualquer tipo de pesquisa, teremos uma base epistemológica, uma base teórica, uma base metodológica e uma base técnica (SÁNCHEZ GAMBOA, 1998), as quais, não obstante possuam uma autonomia relativa no sistema científico, constituem uma totalidade, como observa Ladrón de Guevara (1979, p.103):

A estrutura formal de uma ciência, precisamente, compreende estes quatro níveis: o epistemológico, o teórico, o metodológico e o técnico. Cada um deles tem uma autonomia relativa no sistema científico embora sejam níveis somente se aceitamos a totalidade. [...] A aceitação da totalidade científica nos quatro níveis antes indicados conduz à aceitação da noção de processo de produção do conhecimento e, por outra parte, conduzirá à concepção da realidade como realidade concreta constituída por múltiplos sistemas dotados de especificidade.

Assim, as primeiras propostas de “investigações epistemológicas” no Brasil, pelo menos das que temos conhecimento, foram apresentadas nas pesquisas de Sánchez Gamboa (1982; 1987) e Silva (1990; 1997), que, a partir delas, apropriamos e aperfeiçoamos, conforme os interesses da nossa pesquisa de mestrado (SILVA, 2006).

Desse modo, consubstanciado nas experiências anteriores dos pesquisadores supracitados, no mestrado reconstruímos a epistemologia implícita nas pesquisas em análise, a partir dos métodos utilizados. Naquela oportunidade, assim como Sánchez Gamboa (1987), constatamos que, apesar de os métodos muitas vezes apresentarem-se pouco definidos e misturados, eles eram uma boa “porta de entrada”. Isso porque eles se apresentavam fundamentalmente relacionados, por um lado, com determinadas técnicas que lhe são afins e, por outro lado, com construções teóricas e fundamentos epistemológicos que implicam pressupostos lógico-gnosiológicos e ontológicos, formando uma unidade específica ou um todo determinado.

Não obstante, observamos que as concepções de deficiência e/ou diferença prevaleciam sobre as de ciência e na definição dos próprios procedimentos metodológicos. Muitos estudos, embora não fossem de caráter experimental, coletavam dados com o intuito de confirmar o entendimento que o pesquisador, antecipadamente, possuía sobre a problemática em investigação.

Assim, para este estudo, resolvemos optar pelo início da análise do nosso objeto pelas concepções de deficiência e/ou diferença, as quais, com o auxílio da literatura da área, possibilitou-nos desenvolver como hipótese de trabalho três tendências teórico-filosóficas de deficiência e/ou diferença, que guardam relação com as técnicas de pesquisa, seus contextos teóricos e seus fundamentos epistemológicos e ontológicos.

Além disso, para desenvolvimento da pesquisa, como a que propomos nesta tese, faz-se necessário ir mais longe, buscar quem sabe algo “novo”. Então, partimos das experiências de outros pesquisadores, bem como da nossa experiência anterior no mestrado e dos esforços realizados durante o doutorado para propormos, na sequência, um instrumental de análise da pesquisa em Educação Especial que articule elementos lógicos e histórico- sociais. Essa matriz de análise, que denominamos de “matriz epistemológica”, será apresentada, com maiores detalhes, na sequência.

1.4. “Matriz Epistemológica”: um instrumental de análise da pesquisa em Educação Especial

Um estudo que pretenda analisar a própria pesquisa, sob uma perspectiva histórico-filosófica, necessita partir e desenvolver um instrumento de pesquisa que nos forneça diretrizes norteadoras e abrangentes acerca dos diversos níveis (metodológico, técnico, teórico e epistemológico), pressupostos (lógico-gnosiológicos e ontológicos) e articule com aspectos histórico-sociais da pesquisa.

Como dissemos anteriormente, compreendemos a pesquisa científica como uma atividade socialmente condicionada que, no seu processo de desenvolvimento, apresentará problemas de natureza epistemológica, teórica, metodológica e técnica (SÁNCHEZ GAMBOA, 1998).

base teórica, uma base metodológica e uma base técnica, embora cada uma delas apresente uma autonomia relativa no sistema científico, constituindo níveis de uma mesma totalidade26.

Assim, entendemos que esses elementos, expressos nas pesquisas, são resultantes de opções feitas pelo investigador, como sujeito histórico, vivendo numa sociedade e época concretas e condicionado na sua perspectiva intelectual por uma determinada concepção de mundo, compreendida como uma expressão da prática social do investigador, desenvolvida em condições históricas específicas, em um determinado contexto sócio-político-cultural.

Pois, como assinala Goldman (1979), o caráter individual expresso em um texto não pode ser explicado de modo isolado, porque qualquer obra literária, artística ou científica, é a expressão de uma concepção de mundo, um fenômeno de consciência coletiva que atinge um grau determinado de clareza conceitual, sensível ou prática, na consciência do artista, filósofo ou cientista. Assim sendo, uma concepção de mundo manifesta um conjunto de aspirações, ideias e sentimentos de uma determinada classe social, o que possibilitará a identificação dos membros dessa classe ao mesmo tempo em que se diferenciará das outras. Esses sentimentos, aspirações e pensamentos se desenvolvem a partir de condições econômicas e sociais específicas que determinam, em última instância, formas de ações e maneiras de apreensões da realidade em que se manifestam, por exemplo, na pesquisa científica.

Assim, a estrutura lógico-gnosiológica deste estudo envolveu a leitura do texto, reflexão e crítica a respeito dos elementos que compõem a produção científica, abrangendo não somente aspectos lógicos, históricos, mas buscando entender, entre outros pontos, como o conhecimento voltado para as pessoas com necessidades especiais é constituído, como os critérios de validação científica, as concepções de ciência, homem/sociedade, história/realidade, educação/educação especial e deficiência/diferença são tratados.

Ressaltamos que outros estudos já foram realizados sobre a epistemologia da pesquisa científica na perspectiva que aqui propomos. Entretanto, a constituição do instrumento proposto por nós, neste estudo, e denominado de “Matriz Epistemológica”, surgiu

26 A forma de identificação e articulação desses níveis foi denominada de “esquema paradigmático”

depois de conhecermos as sugestões indicadas por Bengoechea, Cortes, Zemelman (1978), Ladrón de Guevara (1979); Vielle (1981); Sánchez Gamboa (1982; 1987; 2003b) e Silva (1990; 1997).

Então, antes de apresentarmos a “Matriz Epistemológica”, precisamos fazer uma breve recuperação da sua constituição, a partir das contribuições do “Esquema Paradigmático” e da “Matriz Paradigmática”.

O “Esquema Paradigmático”, que pressupõe o conceito de paradigma, entendido na sua forma mais dinâmica e criadora como uma lógica reconstituída27 que organiza os níveis técnicos, metodológicos, teóricos e epistemológicos presentes no ato de produção do conhecimento, foi inicialmente elaborado por Bengoechea, Cortes e Zemelman (1978) e por Ladrón de Guevara (1979). Posteriormente, foi desenvolvido por Sánchez Gamboa (1982; 1987; 2003b), quando este autor integrou elementos lógico-gnosiológicos nos níveis localizados no Esquema Paradigmático, como os pressupostos que envolvem a relação entre sujeito e objeto (gnosiológicos) e as concepções de mundo do pesquisador (ontológicos), nomeando este instrumento de “Matriz Paradigmática”.

Desse modo, na tentativa de articular não apenas os elementos lógicos (técnicas, metodologias, teorias e epistemologias), mas também os pressupostos gnosiológicos e ontológicos (concepções de mundo), procuramos aperfeiçoar o instrumento já elaborado em estudo anterior (ver SILVA, 2006). Sendo assim, desenvolvemos algumas alterações na “Matriz Paradigmática”, buscando, também, articular a dimensão histórica (as condições sociais e históricas que determinam a produção do conhecimento), assim, em uma mesma matriz (Matriz Epistemológica), articulamos elementos lógicos e histórico-sociais.

Na sequência, apresentamos então uma visão geral da Matriz Epistemológica que nos serviu de referência para a análise epistemológica e ontológica das teses em Educação Especial.

27 Não podemos perder de vista que as concepções de estruturação e de lógica reconstituídas supõem

fundamentalmente um entendimento de totalidade, enquanto totalidade concreta que, segundo Kosik (1976), já está implícita, na mesma concepção de realidade, como algo que existe independente da nossa consciência, de forma dinâmica, em constante transformação ou como um todo estruturado que se desenvolve e se cria ao expressar diferentes tipos de contradições e que significa a síntese de múltiplas relações.

MATRIZ EPISTEMOLÓGICA