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DESENHO 4 Recorte da árvore genealógica da família Fatum

1.5 ESTRATÉGIAS DE PESQUISA E TÉCNICAS DE COLETA DE DADOS

Durante a pesquisa, de acordo com os padrões de tempo de um mestrado, pude participar de alguns eventos da vida diária do grupo étnico, não acontecendo eventos públicos que permitissem outro olhar sobre conflitos existentes e dinâmicas internas: manifestações, reuniões, seminários, reuniões internas com fins organizativos, entre outras. As situações sociais que pude observar foram momentos da vida cotidiana nas casas: lavouras na roça, práticas de rituais, distribuição de cestas básicas, festividades. A técnica adotada foi a da observação participante.

Durante minha estadia pude presenciar três rituais de Toré, dois na Retomada, conduzidos pelo grupo de São Miguel, e um na Missão Velha, conduzido pelo pajé Antonio Lourenço. Esses eventos, entre outros, de particular importância foram anotados detalhadamente no caderno de campo.

Outra fonte principal de dados foi as entrevistas. A técnica foi de entrevistas semiabertas: dependendo da pessoa a ser entrevistada tinha uma serie de temas a ser tratados, além de perguntas detalhadas sobre eventos e situações específicas. Assim, as entrevistas tinham o „aspecto‟ de uma conversa informal, que pela presença do microfone nunca podem, no conteúdo, ser consideradas como tais.

Em muitas ocasiões foram realizadas entrevistas coletivas. Quando eu chegava às casas, dificilmente participava do evento exclusivamente a pessoa interessada; na maioria dos casos, aqueles que no começo eram simplesmente ouvintes entravam na conversa. Assim, no total de 50 entrevistas realizadas, participaram um total de 60/70 pessoas, considerando também que os pajés e caciques foram entrevistados pelo menos duas vezes. A esse material devemos juntar uma grande quantidade de diálogos informais, alguns dos quais foram anotados no caderno de campo.

IMAGEM 3: O pajé Antonio Lourenço com Dona IMAGEM 4: Entrevista a Dona Marcina Benigna e o filho dela FONTE: O Autor, 2012

FONTE: O Autor, 2012

Uma pequena parte das entrevistas foi feita na última viagem em setembro de 2012 com algumas pessoas Truká que tiveram um papel significativo na história Tumbalalá. Essas entrevistas foram realizadas na Ilha da Assunção e na Ilha das Vacas e foram de extrema utilidade para comparar os dados coletados „do outro lado do rio‟, já que as duas aldeias são situadas uma frente à outra, divididas pelo rio São Francisco.

Os eventos significativos e as entrevistas foram descritos minuciosamente prestando particular atenção ao momento da entrevista (data e situação), aos nomes das pessoas envolvidas, papel desenvolvido, cargo e relação de parentesco. Quase todos os entrevistados foram tomados como ego para a construção de árvores genealógicas. O uso das árvores no texto é limitado ao interesse da dissertação, e somente versões muito restritas aparecem. São salientadas principalmente as relações de parentesco entre possuidores de cargos específicos: antigos e atuais mestres de Toré, pajés, caciques e lideranças.

O material imagético coletado, fotos e vídeos, foi extremamente interessante. O material em vídeo foi coletado pela realização do documentário acima citado e nas seguintes viagens pude coletar material fotográfico. Dois Toré foram gravados com gravador de áudio.

O material de arquivo foi cedido pelo cacique Cícero Marinheiro. Trata-se da documentação sobre a questão do reconhecimento étnico, cartas entre representantes dos Tumbalalá e a FUNAI e um documento interno que registra as lideranças escolhidas na primeira reunião depois do reconhecimento étnico em 2001.

Uma parte importante dos dados de campo é representada pelas anotações feitas por mim sobre diferentes questões. Em primeiro lugar, sobre os eventos observados e sobre as perturbações causadas pela minha presença nessas situações. Em segundo lugar, sobre as perturbações que os eventos provocavam em mim. Todo o saber adquirido durante a pesquisa

de campo passa pelo „corpo‟ do pesquisador. O etnógrafo está fisicamente em situações concretas com outras pessoas. Isto causa continuamente afecções de diferente tipo, como a questão da enclicage que foi citada anteriormente. Isto significa que o etnógrafo em si mesmo é o primeiro objeto de análise de qualquer pesquisa etnográfica.

Existe outro tipo de dados que dificilmente aparecem quantificados em uma etnografia. Esses dados vêm de um momento não metódico, o momento da compreensão (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2000). Cardoso de Oliveira mostra como esse momento deve ser complementar ao momento metódico da explicação, tratando mostrar a integração de distintas correntes de pensamento filosófico.

Segundo Piasere (2008) existe um saber adquirido na pesquisa de campo que vem da capacidade de fazer „empatia‟ com a situação vivenciada. Outro termo que o antropólogo italiano usa é o de „ressonância‟ com um determinado contexto. Nesses momentos o etnógrafo abandona todos os instrumentos de navegação etnográfica (caderno, gravador, diário, entre outros.) para voltar-se a uma dimensão da realidade que pode ser captada através do „sentimento‟. É neste âmbito que ele trata a questão da aprendizagem de esquemas cognitivos novos, em parte lembrando a noção de habitus de Bourdieu (1989). A diferença principal é que a noção de habitus é vinculada a uma aprendizagem inconsciente, a dos esquemas culturais pode ser consciente ou inconsciente.

Esse diálogo consciente/inconsciente entre esquemas culturais do pesquisador e do pesquisado fornece um saber que é presente e plasma a etnografia e que representa por si mesmo uma fonte de dados de extrema importância. Fazendo uma metáfora culinária, poderia dizer que ele representa o sal da etnografia, de alguma forma, permeia todo o texto e lhe confere sabor, além de ser uma fonte de informação quando interrogado. Um saber que vem do etnógrafo como informante baseado na curvatura da experiência.

2 OS GUARDIÕES DA TRADIÇÃO

Aí, quando a gente ia lá pra o rio, se acampava na casa dela [Benigna, avó de Lucilo]. Aí, quando era o dia do Toré, eu acompanhava ela e ela me falava de não dizer nada que a gente fazia escondido, a gente pensava que era uma dança dele, de tradição mas que não era uma coisa de futuro, uma aldeia, mas dançava, era pouca gente, os mais velho.

(LUCILO, 30 mar. 2012)