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Estrutura de “mundos virtuais”

3 MEIO E CORPO EM AMBIENTES FRONTEIRIÇOS

3.1 Do meio

3.1.1 Estrutura de “mundos virtuais”

São diversas as conceituações que tentam dar conta de “mundos virtuais”. Aqui, elencaremos algumas delas no sentido de clarear a utilização que fazemos deste termo, no presente trabalho. Assim, poderemos ter em mente em que medida – e sob quais condições – este espaço navegável se constitui enquanto mundo propriamente dito, para

39 “Simulation does not simply retain the – generally audiovisual – characteristics of the object but it also includes a model of its behaviors. This model reacts to certain stimuli (input data, pushing buttons, joystick movements), according to a set of conditions”. Tradução nossa.

então abrir espaço aos questionamentos posteriores, que miram contribuir à compreensão das experiências imersivas em “mundos virtuais”40.

De imediato, podemos partir da seguinte premissa: “mundos virtuais dependem da mediação por computadores para existir” (FRAGOSO, 2012, p. 189). A especificidade que diferencia ambientes dessa natureza de demais universos imaginários – como universos ficcionais, religiosos ou míticos – se encontra na questão tecnológica (FRAGOSO, 2012). A postura de Fragoso (2012) se guarnece nos estudos de Bartle (2004), Schroeder (2008) e Bell (2008), acerca dos “mundos virtuais”. Richard Bartle é um dos criadores do primeiro MUD – multi-user dungeon ou calabouços multiusuário –, chamado MUD1. Em sua definição,

mundos virtuais são implementados por um computador (ou rede de computadores) que simula um ambiente. Algumas – mas não todas – as entidades nesse ambiente agem sob controle direto de indivíduos. Porque muitas dessas pessoas podem afetar o mesmo ambiente simultaneamente, diz- se que o mundo é compartilhado, ou multiusuário. O ambiente continua a existir e a desenvolver-se internamente (pelo menos até certo ponto) mesmo quando não há pessoas interagindo com ele; isso quer dizer que ele é persistente (BARTLE apud FRAGOSO, 2012, p. 188).

Ao considerarmos essa posição, ao menos três classificações se dão a ver. Podemos reler da seguinte forma: um “mundo virtual” é: 1) simulado, implementado por um computador; 2) compartilhado, quando vários usuários afetam o ambiente em simultâneo; e 3) persistente, existindo mesmo sem interferência direta do avatar. Similarmente, Mark Bell (2008) defende que “mundo virtual” é “uma rede síncrona e persistente de pessoas representadas por avatares, facilitada por redes de computadores41” (p. 2). Tal abordagem parece elencar alguns traços basilares aos ambientes em questão: a persistência e sincronicidade, o aspecto social e de autoapresentação e, por fim, a dimensão tecnológica. De fato, estas características são imediatamente perceptíveis quando experienciamos um “mundo virtual”. No entando, há gradações destes eixos que merecem maior cuidado, por sua potência em revelar facetas do fenômeno em xeque.

Assim, Bell (2008) apresenta definições mais detalhadas de cada um dos traços supracitados. A sincronicidade alude a um “tempo comum” aos usuários, a um processo

40 Certamente, se nos fosse possível, estenderíamos tal discussão a uma dissertação à parte. No entanto, como nosso foco já está devidamente delimitado, nos propomos a pensar os “mundos virtuais” enquanto receptáculos de avatares, enquanto espaços que sejam cenários de autoapresentação, de práticas sociais e de peculiares formas de comunicação.

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“A synchronous, persistent network of people, represented as avatars, facilitated by networked computers”. Tradução nossa.

de comunicação síncrona – tautologicamente, a partir da etimologia de chronos (Χρόνος), conjugada ao prefixo sin (ζύγ). A persistência do “mundo virtual”, por sua vez, indica que este mesmo tempo é corrente; ou seja, não há como pausar o jogo, o mundo continua a “girar” mesmo quando o usuário não participa efetivamente. Tais condições temporais permitem que uma rede de pessoas habitem este espaço, onde suas ações afetam o ambiente geral – por mais que não haja interação direta entre usuários. Ou seja, a ação nestes ambientes está, muitas vezes, condicionada à presença de um avatar, representação digital do usuário. Enfim, a representação, a ação, as dinâmicas sociais e a sensação geográfica característica a “mundos virtuais” são possíveis graças às redes de computadores. Sem as trocas de dados entre dispositivos computacionais, esta simulação, segundo Bell (2008), não poderia se sustentar.

Acerca disto, outra voz significativa ecoa tais propriedades:

Um mundo virtual é uma representação persistente online que contém a possibilidade de comunicação síncrona entre usuários, assim como entre usuário e mundo, dentro de uma estrutura espacial desenhada como um universo navegável. “Mundos virtuais” são mundos nos quais se pode navegar através de representações persistentes do usuário42 [...] (KLASTRUP, 2003, p. 101. Grifos nossos.).

Em proposta semelhante, Ribeiro e Falcão (2009) apresentam similar compreensão acerca dos “mundos virtuais”. Segundo eles, “mundos virtuais são ambientes multiusuário, navegáveis espacialmente através de um avatar e mediados por computador [...]” (RIBEIRO; FALCÃO, 2009, p. 87). Então, parece haver sentido na apreensão de um MMORPG enquanto dispositivo – conforme Agamben (2009) –, sobretudo se considerarmos a maneira como este objeto se apresenta a nós: um espaço navegável elaborado graficamente a partir do design digital, contendo regras às formas de atuação e inserido em uma esfera lúdica, permitindo que pessoas reais, através de seus computadores, compartilhem a experiência de “estar lá”, juntos. Portanto, a variedade de vozes parece endossar as características dos “mundos virtuais” apresentadas por Bell (2008), Bartle (2008), Fragoso (2012), entre outros pesquisadores voltados a compreensão destes espaços.

No entanto, paralelamente a uma definição mais, digamos, “crua” de “mundos virtuais” (enquanto “representação persistente”), há uma dimensão estética

42 “A virtual world is a persistent online representation, which contains the possibility of synchronous interaction between users and between user and world within the framework of a space designed as a navigable universe. „Virtual worlds‟ are worlds you can move in, through persistent representations of the user”. Tradução nossa.

importantíssima que se revela a cada “habitante”, individualmente. A misteriosa dinâmica entre o observador e a coisa observada nos permite considerar a percepção como algo fundamental à própria experiência de “estar lá”. Assim, o tópico seguinte almeja trazer elementos que se voltem à compreensão da percepção em ambientes simulados, relacionando este tópico à ideia de experiência, imersão – aqui apresentado anteriormente – e presença. O esforço é de tentar compreender como este mundo se apresenta ao jogador/leitor/interator enquanto o revelar-se de algo aos sentidos.