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Sabe-se que o Teatro de Rua abarca uma multiplicidade de formas, conceitos e possibilidades, algo já apresentado anteriormente por Pavis (1999), Carreira (2007, 2016), Telles (2008) e Turle e Trindade (2016), que tornam a tarefa de delimitar aspectos que sejam abrangentes por completo inviável. Fabrizio Cruciani e Clelia Falletti (1999) delimitam como sendo aquele teatro que nasce como teatro e se organiza pelas ruas, deixam de fora trabalhos que consideram espetáculos de mercado e aqueles que apenas levam para fora o teatro montado

para a sala. O que pretendi no curso desta pesquisa foi delimitar aspectos e conceitos que tornassem viável uma proposta de trabalho com Teatro de Rua na graduação em Artes Cênicas da UFGD.

Bim Mason (1992), em sua obra Street theatre and other outdoor performance, procura delimitar os artistas de rua conforme seus objetivos em: entertainers31, animadores, provocadores, comunicadores e artistas performáticos. Ele os analisa de acordo com o que chamou de performances estacionárias e móveis. Ainda que, segundo ele, seja difícil classificar artistas e obras em apenas um dos tipos, muitas vezes as apresentações são estacionárias e móveis, além de não serem todos os que se utilizam de artifícios para compensação financeira ao final de suas práticas.

Carreira (2007) define o Teatro de Rua como uma modalidade teatral, e não um gênero teatral, por se tratar de um teatro que se firma pela sua relação com a cena teatral e utilização do espaço e não pelas estruturas de criação dramatúrgica. Ele elabora parâmetros que possam permitir delimitar o conceito de Teatro de Rua: “a) a relação entre as linguagens do espetáculo e o espaço cênico; b) as características de convocação e do tipo de público concorrente.” (CARREIRA, 2007, p.44) O autor considera esses aspectos não exclusivos, pois servem de maneira instrumental no estudo da modalidade e não podem desconsiderar o Teatro de Rua como fenômeno multifacético e mutante.

O mesmo autor, alguns anos após as afirmações anteriores ao tentar delimitar características fundamentais ao Teatro de Rua, afirmou existirem quatro pontos:

a) a existência de múltiplas interferências acidentais próprias da rua como condicionante do tempo teatral que impõem um uso específico das linguagens do espetáculo; b) um espaço cênico que é o próprio âmbito urbano resignificado; c) a existência de um público flutuante e acidental que é consequência da mesma porosidade que multiplica a significação do espaço cênico; d) o espaço vivo da rua é múltiplo e é penetrado pelo espetáculo, e ao mesmo tempo penetra o espetáculo. (CARREIRA, 2016)

No primeiro ponto, temos as interferências naturais das ruas em relação ao fazer artístico, as formas encontradas para se trabalhar nas condições impostas pelo estar na rua, em espaço público. O segundo apresenta a ideia de que o espaço cênico se utiliza e cria o seu ambiente a partir do que se apresenta nos locais escolhidos para a representação. Os pontos

31 A tradução do termo se confunde com a tradução do termo seguinte, entertainers é a classificação de Mason

seguintes se complementam, o público flutuante e acidental e a sua conexão com a obra teatral, que, nas ruas, significa um cruzamento entre as partes.

Tom Conceição (2016) considera que o Teatro de Rua tem como principal característica a apropriação da rua como um espaço adequado para a concretização da encenação. Esta precisa ser impulsionada pela relação com o público e ter interação criativa com o espaço da rua. Sigo nesta linha e avanço um pouco até a ideia apresentada por Turle e Trindade (2016) de que a cidade se torna o elemento definidor da teatralidade, de que na cidade do século XXI não existe apenas um, mas, vários teatros de rua:

Além dos teatros das performances culturais, somam-se muitas outras propostas que estabelecem diferentes diálogos com o espaço urbano. Nessa perspectiva a cidade ora é negociada, ora assaltada, mesclando distintos modos de relacionamento: seja pela adesão ou pela invasão; por meio do apelo a estética popular ou ao imaginário contemporâneo; apresentando-se com respaldo social ou de forma amadorística. (TURLE & TRINDADE, 2016, p.20, grifos dos autores)

As afirmações de Turle e Trindade (2016), ao não proporem uma delimitação direcionada, ampliam o conceito de Teatro de Rua para uma modalidade mais aberta e em constante transformação, pois a própria rua, sua utilização, sua disposição arquitetônica, se alteram conforme a sociedade se modifica. Com isso, tentativas de delimitações, que poderiam reduzir o Teatro de Rua a este ou àquele tipo e excluir os demais, surgem como possibilidade de pesquisa e aprofundamento em aspectos não muito observados, ou antes, desconsiderados do que se avalia como Teatro de Rua.

Com isso, cheguei a uma pequena delimitação, destacada na Figura 20, para fins de criar um plano de ensino abrangente e com elementos que destaquem o Teatro de Rua das demais formas teatrais em suas especificidades.

Figura 20 – Teatro(s) de rua, dramaturgia, público e espaço

Figura elaborada pelo autor.

Teatro(s) de rua Dramaturgias Como trabalham suas narrativas? Público Como se relacionam com seus públicos?

Espaço

Como utilizam o espaço de representação?

Chego à seguinte variação em um movimento de superação das ideias anteriores. Utilizo o termo Teatro(s) de rua conforme os conceitos citados acima, pois as variadas teatralidades de rua não apresentam um, mas vários teatros de rua. Em sua abrangência considero aqui desde pequenas intervenções aos suntuosos32 espetáculos de grupos como La Fura dels Baus e Royal

de Luxe.

Como parte fundamental dos teatros de rua, considerei fundamentos que permeiam essas variadas formas, com isso chego até a variada gama de tratamentos dados à maneira como artistas se comportam em relação ao público e os espaços de representação. No que diz respeito à interação com o público, os classifiquei em quatro tipos, assim configurados na Figura 21:

Figura 21 - Público

Figura elaborada pelo autor.

Não apresento aqui a condição de não interação como algo possível, considero que qualquer tipo de relação exista sempre, ainda que exista uma parcela de artistas que não tem nenhuma intenção em dirigir-se diretamente ao público, pois ao colocar-se em espaços públicos, em algum momento haverá alguma relação entre artistas e público. O que trato como quarta parede, segundo Pavis (2008), são aqueles espaços de representação em que artistas e público encontram-se separados por uma parede imaginária, características de um teatro ilusionista, que situa o público como voyeur da cena. São aquelas obras em que artistas não procuram nenhum tipo de relação de interação com seu público, de um modo geral se trata de uma prática cênica realizada em teatros de caixa, não são muitos os e as artistas de rua que se colocam desta forma em cena.

32O Fura dels Baus é um grupo teatral de Barcelona e Royal de Luxe é um grupo da França, os dois são expoentes

de um teatro que se utiliza se efeitos de grandiosidade em suas obras, seja com elencos grandes, utilização de espaços verticais, maquinários ou marionetes gigantes.

Público Como se relacionam com seus públicos? Interação indireta Interação direta Interação transformadora Quarta parede

As definições que extraio, dentro do universo de minha pesquisa, servem para que eu possa escolher aqueles elementos que de alguma forma podem ser necessários na construção de uma metodologia que experimente uma variedade abrangente de técnicas para o trabalho com Teatro de Rua.

O segundo item trata da interação indireta. A relação de cumplicidade presente, por exemplo, em trabalhos com técnicas de palhaço, é uma qualidade de interação fundada na triangulação, o artista realiza uma ação, imediatamente ele procura o olhar de alguém do público para compartilhar e legitimar seu ato, ou ainda, quando profere falas e textos diretamente ao público, porém, de forma igual, não interessa resposta. No caso, não há preocupação com o retorno, a ação serve para efetivar a cumplicidade e potencializar o riso. Em contraste, temos a interação direta, uma variedade de ações em que se busca a resposta da plateia. O debate e o improviso são características exploradas com este tipo de interação, porém o roteiro preestabelecido não se altera. Por último, aquela que denominei interação transformadora se trata de obras em que a resposta da plateia transforma a encenação, modifica a sequência das ações, sejam elas imprevistas ou previamente exploradas. Em diálogo com a ideia de poéticas transformadoras, o grau de interação aqui faz parte da criação artística, o evento se faz na transformação do público em agente compositor. Segundo Margie Rauen (2011), o conceito de participação é muito amplo e envolve o estudo de abordagens estéticas históricas em que o público transcendeu sua condição.

Procuro, com as pequenas divisões, abarcar a totalidade do que posso compreender e compartilhar sobre interatividade nos variados teatros de rua.Outro fator que julguei importante considerar e destacar foi a relação com o espaço de representação. Os dividi então inicialmente em experimentações dos tipos: frontal, semi-arena, arena e com deslocamentos. Ao observar a separação e relembrar as afirmações de Mason (1992) percebi que algumas características se preservam ou se opõem, temos formatos estáticos em relação a outros com ideia de movimento espacial, com isso chego à seguinte configuração observada na Figura 22:

Figura 22 - Espaço

Figura elaborada pelo autor.

Espaço Como utilizam o espaço de representação? Fixos frontal, semi-arena e arena Móveis cortejo, procissão, deslocamentos

A nova configuração me permitiu pensar a utilização do espaço cênico de acordo com a mobilidade dos variados teatros de rua. Logo após separar em dois enquadramentos, pude refletir sobre quais formas representam um trabalho fixo e quais são as consideradas móveis.

As formas que considerei fixas são aquelas em que a configuração do espaço de representação não se altera ao longo da obra. Aponto aqui as utilizações frontais, em semi-arena e em arena. Como definição de utilização em espaço frontal, temos espetáculos em que atores e atrizes se colocam frente ao público para realizar sua arte. Em semi-arena, temos uma pequena variação do frontal, com as laterais do espaço cênico ocupadas pelo público. O espaço em arena ou a roda, como é conhecida para os fazedores de Teatro de Rua, talvez seja a forma mais utilizada por artistas de rua, com público circundando a cena.

Os que se utilizam do espaço móvel caracterizam-se por realizar deslocamentos e por não haver um espaço fechado em si, também conhecidos como espetáculos itinerantes. O espaço se constrói na medida em que artistas e público transitam. Como exemplos de utilização móvel do espaço de representação, temos desde o teatro com características de procissão e cortejo, oriundos das tradições de manifestações populares, até os espetáculos que mapeiam e definem uma sequência de deslocamentos que ajudam a contar a história e envolver o público como parte integrante do teatro.

Discutir o Teatro de Rua no Ensino Superior envolve pensar em suas características essenciais. Após essas breves definições de pontos que poderiam ser úteis, passei a refletir que a utilização do espaço e a interação de atores, atrizes e público não seriam suficientes para o que pretendia no componente curricular eletivo de Teatro de Rua, outros aspectos que se encaixam na totalidade, aspectos que envolvem compromissos e escolhas, propostas estéticas comprometidas me interessam no pensar a arte de rua. Com isso, retornei à afirmação de Telles (2008) em que o autor propõe três variações na dramaturgia de Teatro de Rua do Brasil, aqueles oriundos ou com influências da cultura popular, os que tomaram como referência a obra de Bertolt Brecht e os que se propõem a relacionar obra e espaço urbano.

As estruturas aqui comentadas dizem respeito a aspectos estéticos, características de dramaturgia e encenação, utilização do espaço e relações com o público. No que tange à atuação estruturada a partir das dramaturgias, posso abordar a relação com o público e interação e acrescentar outro aspecto: a capacidade de resposta aos estímulos externos, ou prontidão cênica:

Figura 23 – Atuação II

Figura elaborada pelo autor.

A Figura 23 sintetiza os três pontos que me interessaram analisar e abordar nesta Tese quando trato de atuação e Teatro de Rua. O estado de prontidão é um componente destacado na atuação para esta modalidade teatral, ele compreende uma relação de agilidade cênica, de rápidas respostas ante a dinâmica da rua. Um ambiente imprevisível carece de técnicas para envolvimento maior com o público, que abarcam a chegada no espaço, a convocação do público ao evento teatral, a manutenção da atenção e disposição do público durante a representação, ação, intervenção. Logo, se trata de uma característica de artistas de rua essa constante de especificidades, o que torna o lugar da rua um ambiente que exige uma maior atenção de atores e atrizes, respostas rápidas, verbais e/ou físicas.

Uma fusão entre artista e rua, compreender-se naquele espaço e colocar-se disposto a jogar, estar atento aos fatores externos como possibilidades de conexão com o público, estar em alerta para desvios de percurso e proposição de soluções imediatas, o estado de prontidão envolve esses fatores, envolve o treinamento e a experiência desafiadora constante de se manter atuante na rua.

A questão das formas dramatúrgicas e estéticas, além dos processos coletivizados, se tornou grandes áreas na pesquisa, com o foco na atuação, relações de prontidão, utilização do espaço e interação com o público para cada variação dramatúrgica trabalhada. Chego então à seguinte estrutura de trabalho para desenvolver no componente curricular de Teatro de Rua:

Dramaturgias Atuação

Figura 24 – Delimitação da estrutura de trabalho

Figura elaborada pelo autor.

A Figura 24 demonstra um atravessamento dos temas. Considero, então, que Coletividades é o elemento que abarca a totalidade do trabalho, pois as diferentes dramaturgias são utilizadas durante o processo de desenvolvimento das práticas que envolvem atuação. Nos próximos tópicos, descrevo todos os aspectos apresentados na Figura 24 e relato aquilo que me serviu para a condução do processo.