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1.2 Enquadramento teórico: nasalidade e NRH

1.2.5 Estudos acerca da NRH

A NRH tem sido mais estudada em PB e é tratada por muitos autores como um fenómeno de assimilação fonético ou alofónico (Câmara Jr., 1970; Moraes e Wetzels, 1992; Battisti, 1997; Botelho, 2007), no qual um ataque silábico, em posição intervocálica, permite que a nasalidade se propague, regressivamente, para a esquerda ao núcleo da sílaba anterior (Moraes, 2013:12). Assim, esses estudos separam claramente a nasalidade fonológica e a nasalidade fonética.

Todavia, se se olhar para isto da perspetiva diacrónica, os dois tipos de nasalidade não se distanciam tanto como pode parecer. Pimenta (2019:137) indica que os núcleos nasais sincrónicos do português resultam de três estruturas do latim: #NV, VNV e coda nasal. A coda nasal pode ser dividida em dois tipos de estruturas, VNC (ex. CAMPU >

campo) e VN# (normalmente dando origem a ditongo nasal, ex. BEN(E) > bem), que

está marcada em ortografia atual. A estrutura VNV é mais complicada do que as outras duas porque tanto dá origem ao ditongo nasal (em bem) como dá origem a vogal ou ditongo nasalizados na estrutura da NRH. O fenómeno da NRH parece atuar regressivamente na estrutura em espelho daquilo a que Rodrigues e Gomes (2018:366) chamam uma nasalização progressiva quando a nasal na posição do ataque se mantém no caso das palavras muito e mãe.

Sampson (1999:14-15) propõe que os núcleos nasais surgem devido à coarticulação no contexto de uma vogal adjacente a uma consoante nasal na fala espontânea – uma nasalização alofónica, que pode reforçar-se ou enfraquecer-se. Contudo, mesmo que a nasalização alofónica seja muito forte e até influencie o timbre da vogal precedente, a nasalização distintiva só pode formar-se quando a consoante nasal desaparecer (Pimenta, 2019:110). A queda de -n- intervocálico do latim é um fenómeno relevante na história do português que surgiu no século XII, como referido por Teyssier (1997:16) nos seguintes termos: “[…] todos os n intervocálicos desapareceram depois de terem nasalizado a vogal precedente”. Para sintetizar, a formação das vogais nasais sincrónicas satisfaz duas condições na evolução da língua,

15 a acumulação da NRH e a síncope da consoante nasal que resulta de nuclearização e vocalização do N do latim (Pimenta, 2019:185)

Muitas estruturas atuais são oriundas de evolução da sequência V1NV2# do latim (V1 acentuada), com os dois processos referidos, apesar de poderem perder a nasalidade: i) ex. lana > lãa > lã (manutenção de nasalidade e monotongação quando as duas vogais têm timbres parecidos); ii) ex. manu > mão (manutenção de nasalidade e ditongação quando duas vogais não são parecidas); iii) ex. corona > corõa > coroa,

senu > sẽo > seio (perda da nasalidade, formação dum hiato no primeiro caso e

semivocalização no segundo) (Pimenta, 2014; Pimenta, 2019:118-120). Quando a V1 é

[u] e [i], os resultads são um pouco diferentes. No primeiro caso, além da aplicação da nasalização e da queda de -n- intervocálico, a nasalização pode desaparecer, ex. luna >

lũa > lua, mas também pode inserir-se uma consoante labial [m], ex. una > ũa > uma

(do artigo indefinido e das suas derivadas). No segundo caso, há sempre uma consoante epentética – a palatal [ɲ], ex. vinu > vĩo > vinho. Curiosamente, a consoante palatal epentética pode ocorrer em determinados casos mesmo que a forma do latim não tem o

-n- intervocálico, ex. MEA > minha; NIDO > ninho (Pimenta, 2019:121). Assim, é fácil

notar a estreita relação da NRH e da nasalidade tautossilábica existente em português (nomeadamente na variedade padrão). Parece que não é necessário distinguir a nasalização fonética e a nasalização fonológica, já que ambas vêm da assimilação de uma consoante nasal para a vogal3 (Pimenta, 2019:52).

Quanto às propriedades da NRH, há três fatores relevantes que influenciam o desempenho deste tipo de nasalidade, de acordo com os estudos sobre o PB que, não obstante, a consideram puramente fonética ou alofónica. Eles são: i) o contexto acentual, ii) a existência de variação dialetal e iii) a consoante palatal /ɲ/.

Primeiro, a NRH é ainda designada por “stress-induced nasalization” (nasalização induzida pelo acento), uma vez que a NRH não existe nas palavras derivadas em que a vogal se encontra em sílaba átona, ex. fĩno vs. afinado, pẽna vs. penacho, fũmo vs.

fumaça, gõma vs. gomado, grãma vs. gramado; e, por isso, o processo é tido como não

cíclico, ou seja não se aplica nos derivados (Quicoli, 1995, apud Goodin-Mayeda, 2016:60). No entanto, segundo Moraes e Wetzels (1992:155); Wetzels (2000:8-9), mesmo que as sílabas tónicas, ex. cãma, cãno, sejam mais nasalizáveis do que as átonas,

3 A citação original em francês: “Dans ce cas on n’aurait plus besoin de distinguer entre une nasalisation

phonétique et une nasalisation phonologique, puisque dans les deux cas il s’agirait d’une simple assimilation de la nasalité de la consonne par la voyelle”.

16 observa-se a NRH também em algumas átonas, ex. cãninho, átõna, mas não em

camada.

O contexto acentual em que ocorre a NRH também se relaciona com o segundo fator, a variação dialetal. Por exemplo, regista-se a NRH nas tónicas e pretónicas no Nordeste do Brasil, só nas tónicas no Rio de Janeiro, e a inexistência até nas tónicas em São Paulo (Moraes e Wetzels, 1992:155). Na posição tónica, a duração média das nasalizadas do dialeto de São Paulo é semelhante à das vogais orais, segundo Moraes e Wetzels (1992:155), enquanto a do falar florianopolitano é quase igual à das vogais nasais (Mendonça e Seara, 2015:101-102).

Outra caraterística saliente é que a consoante /ɲ/ nasaliza mais facilmente a vogal anterior do que as outras consoantes, ex. em cunhado, mas não em cúmulo (Moraes e Wetzels, 1992:155). Abaurre e Pagotto (1996:24, apud Wetzels, 2000:10) observa que a NRH com a consoante /ɲ/ atinge a 100%, independentemente do núcleo em posição tónica ou átona. No trabalho de Mendonça e Seara (2015:101-102), verifica-se que, pela análise aerodinâmica da nasalidade coarticulatória em sequências como papanha – panhapa, papema – pemapa, papana – panapa, a consoante [ɲ] apresenta uma maior antecipação da nasalidade sobre a vogal precedente, indicando que a palatal influencia mais o segmento vocálico à sua esquerda.

Mesmo que não faça parte do padrão, o fenómeno da NRH é uma tendência geral no desenvolvimento da língua portuguesa. Diariamente, o fenómeno e a sua variação são geralmente captados por diversos falantes em Portugal. É um facto que ela é mais facilmente percebida na pronúncia de um alentejano do que na de um lisboeta, ex. cana [‘kɐ̃nɐ] (Rodrigues e Gomes, 2018:358), mas pode ser percebida por exemplo por falantes estrangeiros. Embora ainda não esteja bem estudada a NRH em PE, esta foi mencionada muitas vezes nas investigações dialetológicas ao longo do tempo, o que será revisto na Secção 1.3.3 (cf. NRH e outros fenómenos relacionados em estudos anteriores).