• Nenhum resultado encontrado

3.3 Sistematização global de fenómenos fonológicos

3.3.1 Modificação de qualidade vocálica

Nesta pesquisa, encontramos abundantes formas fonéticas variantes em relação ao padrão, cujos diversos timbres, umas vezes se aproximam e outras se afastam nitidamente desse mesmo padrão. As semelhanças ou diferenças são marcadas, de modo diferente, com recurso ao alfabeto fonético próprio de ALEPG. Este sistema também serve para as variantes das consoantes, embora isso não tivesse sido observado no que se refere às nasais selecionadas na nossa amostra. Deixando-se o til que anota a nasalização, são apresentadas no Quadro 2 as variantes com símbolos específicos que se encontram na nossa base de dados do ALEPG referentes às vogais e as suas explicações. Para facilitar a compreensão, estabelece-se o esquema articulatório respetivo na Figura 45.

Variantes Explicações

[S] Realização ligeiramente avançada de uma vogal central [ȯ], [u̇] Realização ligeiramente centralizada de uma vogal posterior [Ú], [|], [i̦] Realização ligeiramente centralizada de uma vogal anterior [X], [N] Realização ligeiramente recuada de uma vogal central [ß] Realização fortemente recuada de uma vogal central [Q], [ƒ], [Š] Realização mais aberta

[U], [H], [Ÿ] Realização mais fechada [N:], [e:], [u:] Alongamento

106 Figura 45 – Esquema articulatório dos timbres do ALEPG

Em seguida, sistematizar-se-ão em tabelas os valores das variantes por ordem das sete vogais fonológicas (VF) seguidas das distintas consoantes nasais. Antes de apresentar as tabelas, chamamos atenção que, por um lado, não se atribui o til às formas variantes na tabela, cuja ocorrência da NRH é assinalada separadamente por S ou N, estas duas abreviaturas sendo também utilizadas na descrição de distribuição, que correspondem respetivamente à maior ou menor intensidade da NRH – possuindo mais pontos a cores quentes (com o valor percentual maior ou igual a 50%) ou frias (inferior a 50%). Por outro lado, as variantes que partilham traços relativamente próximos serão discutidas em conjunto e, se possuírem quantidade de dados consideráveis, terão mapas em anexo. O nosso foco incide na distribuição regional destas variantes, por observação de mapas que desenhamos de acordo com os parâmetros referidos no Capítulo 2 (cf. Metodologia). É dessas variantes que faremos uma descrição breve, mas que consideramos segura. Para além disso, separam-se as tabelas relativas à categoria não verbal das formas flexionadas dos verbos. Salienta-se que, na segunda categoria, não nos interessam as variantes provavelmente relacionadas com a diferente aplicação da desinência, ex. a abertura de /a/ da 1ª pessoa do plural -mos dos tempos Pres.Ind. e P.P. que já discutimos em 3.2.3.

107

VF /a/

fone [e] [ƒ] [ɛ] [a] [X] [Q] [S] [ɐ] [U] [N:] [N] [ß] [ɔ] [H] [o] total

C /m/ S 1 16 2 108 6 393 66 592 N 1 3 20 1 43 4 358 6 435 /n/ S 1 22 1 142 6 672 1 129 3 1 9 986 N 2 40 1 66 7 534 2 25 1 1 2 680 /ɲ/ S 1 26 188 9 682 101 1 1007 N 1 14 61 13 583 9 14 1 695 total 5 2 3 138 5 608 45 3222 2 1 336 4 15 2 12 4395 Tabela 6 – Apresentação das variantes fonéticas de /a/ de fnv.

VF /a/

fone [a] [X] [S] [ɐ] [Q] [N] total

C /m/ S 12 7 227 103 67 416 N 339 2 2 227 37 2 609 /ɲ/ S 4 21 11 5 41 N 134 8 13 4 1 160 total 489 10 9 488 155 75 1226

Tabela 7 – Apresentação das variantes fonéticas de /a/ de ffv.

Na primeira tabela, observa-se que as modificações da qualidade de /a/ ocorrem de modo semelhante na estrutura alvo com as três consoantes, abrangendo o eixo de abertura-fechamento e o eixo de avanço-recuo do dorso da língua (palatalização- velarização), dentro dos quais ainda há diferentes graus de alteração:

i. Eixo de abertura:

[Q] – Norte (mas mais frequência no Noroeste) e Castelo Branco (S) (Anexo 22); [a], [X] – Noroeste (S no centro, N nos confins) (Anexo 23);

ii. Eixo de avanço: [ɐ̇] – em Vila Real (N) e Viseu (S);

[ɛ], [e], [ƒ] – Alentejo (a NRH só na terceira forma); iii. Eixo de recuo: [O], [P] – Centro-Interior e Algarve (S) (Anexo 24);

108 A modificação para variantes coronais [ɛ], [e], [ƒ] surge em conceitos de chama,

exame, tutano, pestana, gadanha. No terceiro eixo, as variantes labiais [o], [ɔ], [ɔ ̣]

ocorrem só com as consoantes coronais /n/ e /ɲ/, a maioria das quais resulta da fusão de duas vogais em conceitos coanha e o ano passado, que serão discutidas na Secção 3.3.3. A modificação simples da qualidade vocálica ocorre na palavra roldana.

Na segunda tabela, a grande quantidade de [a] é devida à flexão da 1ª pessoa do plural do P.P., que não nos importa aqui discutir. Destaca-se a forma ligeiramente recuada [N] que também se encontra no Centro-Interior e Algarve, com alta frequência da NRH, tal como acontece na outra categoria estudada.

2) /e/

VF /e/

Fone [Š] [e] [ƒ] [|] [ɛ] [Ú] [S] [ɐ] [Q] [N] [a] total

C /m/ S 60 31 1 8 100 N 1 184 31 1 2 1 220 /n/ S 88 76 4 9 12 4 1 194 N 120 19 2 5 1 2 2 151 /ɲ/ S 94 20 1 57 32 11 2 1 218 N 123 18 1 4 24 26 196 total 1 669 195 9 19 1 105 65 11 3 1 1079 Tabela 8 – Apresentação das variantes fonéticas de /e/ de fnv.

VF /e/

fone [e:] [e] [ƒ] [|] [S] [ɐ] [Q] total C /m/ S 80 26 1 107 N 1 260 25 2 288 /ɲ/ S 27 12 1 9 16 1 66 N 46 5 2 1 54 total 1 413 68 4 11 17 1 515

Tabela 9 – Apresentação das variantes fonéticas de /e/ de ffv.

Observa-se que, na Tabela 15, o eixo de abertura e o eixo de recuo do dorso da língua (centralização) são os que geram alterações:

109 [ƒ] – Centro-Interior e Algarve (S) (Anexo 25) (mais dados de /e.n/);

[ɛ] – Vila Real (S) e Viseu (N); ii. Eixo de recuo: [S], [ɐ], [Q], [N], [a]:

– em /e.m/ e /e.n/, mais no Sul que no Norte (S);

– em /e.ɲ/, Noroeste, Beira e Estremadura (principalmente com S, fora os casos não nasalizados que se concentram na Beira Litoral e Estremadura).

A centralização na estrutura /e.ɲ/ inclui frequentemente a ditongação, ou seja, a vogal /e/ passado para aj ou aʲ. Este fenómeno também é observado na categoria dos verbos nos conceitos venho e venha. Para a forma [|], ligeiramente mais recuada do que [e], todos os casos se encontram principalmente em Viseu (S) nas duas categorias de palavras estudadas. No caso das formas flexionadas dos verbos, o comportamento das variantes é tal como o das formas não verbais.

3) /o/

VF /o/

Fone [ɐ] [Q] [N] [ß] [H] [ɔ] [Ÿ] [o] [u] total

C /m/ S 2 1 3 3 7 1 6 120 143 N 1 26 6 9 160 5 207 /n/ S 1 18 2 7 246 274 N 10 1 2 313 1 327 /ɲ/ S 1 15 11 295 2 324 N 1 21 1 244 267 total 4 1 4 4 97 10 36 1378 8 1542

Tabela 10 – Apresentação das variantes fonéticas de /o/ de fnv.

VF /o/

fone [H] [ɔ] [Ÿ] [o] [u] total

C /m/ S 8 4 77 1 90 N 15 8 6 160 189 /ɲ/ S 43 3 3 212 1 262 N 40 6 120 1 167 total 106 17 13 569 3 708

110 Além da forma [o], observa-se que as variantes seguem os eixos de alteração abaixo, e que a sua distribuição se regista de modo semelhante nas duas categorias de palavras observadas.

i. Eixo de abertura: [ɔ], [H] – Viseu (N) e Algarve (S);

ii. Eixo de fechamento: [Ÿ] – principalmente no Centro-Interior (S),

[u] – Norte (Viseu, Bragança, Aveiro, Coimbra) (N); iii. Eixo do avanço: [ß], [N], [ɐ], [Q] – Centro-Interior e Sudoeste (S).

No caso das flexões verbais, as formas [ɔ] e [H], com uma quantidade de dados relativamente elevada, relacionam-se com os conceitos como, comas, coma, comam do verbo “comer”, e com as formas flexionadas do verbo “sonhar”, em que a harmonia vocálica não acontece no Algarve neste caso, contrariamente ao que sucede no padrão.

4) /i/

VF Vogal /i/

fone [i] [Š] [ü] [i̦] [u̇] [u] [o] [Ÿ] [S] [ɐ] [ɨ] [e] total

C /m/ S 287 8 6 301 N 601 4 605 /n/ S 399 5 1 1 406 N 1025 2 1027 /ɲ/ S 2552 111 5 94 1 1 1 5 2770 N 3347 26 1 1 55 1 1 1 3433 total 8211 156 1 1 6 149 2 1 1 1 21 1 8542 Tabela 12 – Apresentação das variantes fonéticas de /i/ de fnv.

VF Vogal /i/

fone [i] [Š] total

C /m/ S 5 1 6

N 4 4

total 9 1 10

111 A vogal /i/ apresenta em destaque as seguintes modificações:

i. Eixo de abertura: [Š] – Noroeste (até a Aveiro), centro da Beira (S) (Anexo 26); ii. Eixo de centralização: [ɨ] – Bragança (área do mirandês), sempre com inserção

cumulativa de [j] ou [ʲ] (S);

iii. Fusão: [ü], [i̦], [u̇], [u], [o], [Ÿ] – Douro Litoral (em particular a região do Porto), zonas periféricas de Braga e de Coimbra (S).

A modificação de /i/ para vogais labiais resulta da fusão de duas vogais nas ocorrências de moinho, moinha, “remoinho”, “derremoinho” que merecem ser discutidas depois (em Secção 3.3.3). Para a categoria verbal, há poucas ocorrências de

-imos no no P.P. em Bragança que substituam a forma do padrão -ámos, existindo ainda

algumas em Beja no verbo fazer.

5) /u/

VF Vogal /u/

fone [i] [ü] [u̇] [u] [u:] [Ÿ] [o] [H] total

C /m/ S 8 54 371 1 434 N 1 11 87 675 2 776 /n/ S 0 N 8 8 /ɲ/ S 5 3 38 330 1 377 N 8 10 55 465 2 1 541 total 14 32 234 1849 2 3 1 1 2138

Tabela 13 – Apresentação das variantes fonéticas de /u/ de fnv.

No que se refere a /u/, sobressai:

i. Eixo de centralização: [u̇] – Centro-Interior e Sudoeste (N) (Anexo 27); ii. Eixo de avanço:

112 [i] – distribuição dispersa, principalmente do conceito cunha (por exemplo, [w'iɲ]), abrunho – brunho, estrume (N).

6) /ɛ/ VF /ɛ/ fone [e] [ƒ] [ɛ] [ӕ] total C /m/ S 3 6 1 10 N 9 14 60 2 85 total 12 20 61 2 95

Tabela 14 – Apresentação das variantes fonéticas de /ɛ/ de fnv.

VF /ɛ/

fone [ɛ] [ӕ] total

C /m/ S 3 3

N 83 4 87

total 86 4 90

Tabela 15 – Apresentação das variantes fonéticas de /ɛ/ de ffv.

A vogal /ɛ/ não tem tipos abundantes de variantes fonéticas nem quantidade de dados considerável. As suas ocorrências são quase todas não nasalizadas, pertencendo todas ao conceito gémeos (em Tabela 22 e 23). Destaca-se que:

i. Fechamento: (não havendo um continuum dialetal neste fenómeno) [ƒ] – Algarve, [e] – Norte;

ii. Labialização: [ӕ] – Sudoeste.

7) /ɔ/

VF /ɔ/

fone [ɔ] [H] [o] [u] total

/m/ S 1 1 2

N 343 42 1 1 387

C /n/ S 1 1 2

N 32 5 37

113 Tabela 16 – Apresentação das variantes fonéticas de /ɔ/ de fnv.

VF /ɔ/

fone [ɔ] [H] [Ÿ] [o] total

C /m/ S 1 1

N 257 50 1 4 312

total 257 51 1 4 313

Tabela 17 – Apresentação das variantes fonéticas de /ɔ/ de ffv.

Nas duas tabelas, salienta-se o eixo de fechamento do /ɔ/ com as ocorrências das vogais [H], [o], [Ÿ] e [u]. Destaca-se a forma ligeiramente fechada [H], que, nas formas não verbais e nas verbais flexionadas, mostra mais concentração da sua distribuição no Algarve do que nas outras regiões.