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11. Vias, regimes de administração e posologia

11.2. Administração em dose única

11.2.6. Estudos

A administração de aminoglicosidos em dose única diária tem sido largamente estudada mas apesar disso foi sendo mantida ao longo do tempo alguma controvérsia em relação aos estudos publicados (18, 64, 84, 122, 142, 160, 173, 179).

• Grande parte das infecções incluídas inicialmente nos estudos eram infecções urinárias onde a eficácia dos aminoglicosidos está praticamente garantida qualquer que seja o regime de administração (13, 160, 173).

• As concentrações máximas e a relação Cmáx/CIM foram obtidas para o regime convencional, ficando por demonstrar se os mesmos valores são adequados no caso da dose única diária (27, 93, 113, 118, 160, 173).

• A avaliação clínica dos regimes de administração de aminoglicosidos é dificultada por uma deficiente definição de parâmetros clínicos e pela associação com outros antimicrobianos (10, 18, 22, 43, 64, 75, 77, 93, 122, 157, 160, 173, 196).

• Dificuldade de avaliar a nefrotoxidade em ensaios clínicos/meta-análises porque nem sempre são considerados outros factores de nefrotoxicidade e a definição de nefrotoxicidade é variável (10, 18, 22, 27, 73, 122, 160, 173, 196).

• A definição do intervalo de 24 horas é também uma abordagem empírica: as concentrações observadas continuam a variar em função das características

farmacocinéticas verificadas em cada doente, pelo que continua a ser necessária a individualização do regime posológico (10, 22, 64, 122, 173).

• Em doentes com semi-vidas superiores a 4 horas não é possível obter um período livre de aminoglicosido se o intervalo for de 24 horas. Por outro lado, o período de tempo máximo admissível para que a concentração chegue a ser nula não é conhecido (75, 173).

• A duração do efeito pós-antibiótico é variável com o microrganismo, associação de outros antimicrobianos, e é maior in vivo, mas desconhece-se o tempo máximo que deve ser considerado (27, 84, 173). Existe ainda a possibilidade de tolerância após administrações múltiplas (101, 173).

Vários estudos demonstraram eficácia e toxicidade pelo menos equivalentes entre os dois regimes de administração in vitro e in vivo, em animais e em humanos (Tabela 5). Os estudos realizados em modelos animais podem ter a dificuldade de extrapolação para humanos (2, 24, 48, 78, 199), os realizados em humanos podem apresentar diferenças de metodologia (diferentes tempos de perfusão e colheita de amostras para os dois regimes de administração – 82, 177, administração única diária comparada com administração contínua – 159) ou pequeno número de doentes (92, 145, 162, 167, 177, 182, 185, 188), no entanto, existe já extensa literatura documentando pelo menos igual eficácia e toxicidade com a administração única diária.

Foram publicados diversos estudos comparativos em diversas situações de infecção em humanos (92, 145, 159, 161, 167, 177, 182, 185, 188), meta-análises (3, 8, 16, 72, 76, 89, 90, 139), revisões (10, 18, 22, 32, 43, 49, 59, 64, 67, 70, 73, 75, 84, 113, 114, 122, 124, 144, 150, 157, 160, 169), cartas (23, 30, 108, 117, 152, 196), editoriais (79, 83, 151, 157, 173) e artigos diversos (10, 31, 49, 52, 77, 93, 154, 206) onde se expõem as razões para a utilização do regime de administração em dose única diária e onde a maioria dos autores concorda que, com excepção de situações particulares onde não foi demonstrada a sua efectividade, este é o melhor regime a considerar.

Encontra-se igualmente publicada abundante literatura sobre a utilização clínica de aminoglicosidos em regime de dose única com idênticas conclusões (12, 20, 38, 44, 45, 107, 138, 142, 162, 163, 164, 174, 200, 201).

A administração em regime de dose única apresenta melhores condições para obter melhor eficácia: concentrações máximas mais elevadas mais cedo, maior relação Cmáx/CIM, maior efeito pós-antibiótico, maior taxa de redução bacteriana (10, 100, 103, 113, 141, 157). Vários estudos mostraram que o regime convencional produz concentrações máximas terapêuticas em menos de 50% dos doentes, podendo demorar vários dias para serem alcançadas concentrações adequadas (150, 152, 157).

A optimização das condições terapêuticas possibilita uma resposta clínica precoce, com evidentes benefícios para o doente e para a instituição hospitalar (redução do tempo total de antibioterapia, conversão para administração oral, diminuição do tempo de internamento) (102, 138).

Vários estudos farmacocinéticos demonstraram que, para qualquer AUC cumulativa total, o risco de nefrotoxicidade é menor com a administração em dose única diária do que com a administração convencional (13, 141, 174, 176). A explicação reside no processo saturável de transporte através das células do túbulo renal, anteriormente exposto. Por outro lado, concluem que a obtenção precoce de concentrações elevadas conduz à erradicação mais rápida do microrganismo, redução do tempo de terapêutica com aminoglicosido e da AUC cumulativa, e consequente diminuição da toxicidade (141).

Em alguns estudos foi demonstrada menor nefrotoxicidade com o regime de administração única diária (161, 185, 188). Por outro lado, a administração única diária atrasa o tempo para o aparecimento de nefrotoxicidade; o risco de nefrotoxicidade não é eliminado, mas aumenta o tempo diponível para tratamento com aminoglicosidos sem que se observe este efeito adverso (28, 75, 94, 161, 169, 185, 188).

Tabela 5 – Estudos em humanos comparando administração em regime de dose única diária com administração convencional Concentrações (µµµµg/mL) Resultados Tipo de estudo Nº doentes

Tipo infecção Aminoglicosido Regime (duração média, dias)

Cmáx Cmín Eficácia Toxicidade a

Ref.

R, NC 31 Fibrose quística Tobramicina 9 mg/kg IV DU (11)

11 mg/kg IV PC (11) 4,10 4,04 - - = = 159

R, NC 132 Infecções graves b Netilmicina (+ceftriaxone) 3,9 mg/kg IV DU (8,6)

3,9 mg/kg/dia 2-3x (8,1) 15,2 8,0 1,3 2,5 = = 185 R, NC 70 Bacteriémia Netilmicina 6 mg/kg IV DU (5,4) 2mg/kg IV 3x (5,3) 19,2 7,5 1,1 1,3 = = 182

R, NC 123 Infecções graves c Gentamicina 4 mg/kg IV DU (7,0)

1,33 mg/kg 3x (7,4) 14,2 7,0 0,9 2,5 = p=0,016 161 R, NC 100 Várias d Gentamicina 4,5 mg/kg IV DU (5,6) 1,5 mg/kg 3x (5,7) 8,7 4,6 0,7 1,1 p<0,05 = 167

R, NC 43 Infecções graves Tobramicina 4 mg/ kg IV DU (9)

2 mg/kg 2x (9) 11,01 6,53 0,54 0,50 = = 177

R, NC 677 Neutropénia febril e Amicacina (+ ceftazidima

ou ceftriaxone) 20 mg/kg IV DU (18) 6,5 mg/kg 3x (18) 45,6 21,0 0,9 2,0 = = 94 R, CG 114 Infecções intra- abdominais Netilmicina (+ metronidazol) 4,5 mg/kg IV DU (8,7) 1,5 mg/kg 3x (8,8) 12,45 5,06 1,22 1,17 = = 92 R, C 78 Doença inflamatória pélvica Amicacina Netilmicina 14,5 mg/kg IV DU (7) 7,2 mg/kg IV 2x (7) 6,5 mg/kg IV DU (7,1) 2,2 mg/kg IV 3x (7,3) 53,8 26,4 20,3 6,2 < 5 < 5 < 2 < 2 = = 188

R, C 56 Infecções graves f Gentamicina/ Netilmicina

(+ penicilina, cloxacilina ou metronidazol) 4,5 mg/kg IV DU (9/10) 1,5 mg/kg 3x (11/9) 13,0/13,3 4,0/6,9 - - = = 145

a Inclui nefro e ototoxicidade; DU menos tóxica do que 3x excepto se indicado.

b Infecção grave definida como infecções intra-abdominais bacteriologicamente comprovadas incluindo abcessos e contaminação perioperatória de conteúdo intestinal. c Infecções respiratórias, urinárias, intra-abdominais, da pele e tecidos moles, endocardite e bacteriémia.

d Infecções urinárias, do tracto biliar, pneumonias, doença inflamatória pélvica. e Imunodeprimidos.

f Infecções urinárias altas graves, sepsis, infecções ósseas ou articulares, da pele e tecidos moles, intra-abdominais, endocardite.

Em cinco meta-análises ficou determinado que a eficácia do regime de dose única é significativamente maior do que com o regime convencional. Em três meta-análises a nefrotoxicidade é menor, mas a ototoxicidade não difere significativamente (Tabela 6). Em duas meta-análises realizadas pelos mesmos autores (89, 90) em doentes imunocompetentes e imunodeprimidos os resultados foram semelhantes. Os resultados não são iguais nas diversas meta-análises, mas em nenhum caso se verificou superioridade do regime convencional. No entanto, as diferenças de resultados poderão ser explicadas pelo uso de diferentes métodos estatísticos e diferentes critérios de selecção dos estudos.

Tabela 6 – Meta-análises comparando administração em regime de dose única diária com administração convencional

Eficácia Toxicidade

Nº de estudos

Nº de

doentes Clínica Bacteriológica Total Nefrotoxicidade Ototoxicidade

Ref.

21 3091 DU>DC DU<DC a DU=DC 16

18 2317 DU>DC DU<DC DU<DC (NS) 72

13 1200 DU>DC (NS) DU=DC DU<DC (NS) DU<DC (NS) 89

20 2881 DU>DC DU>DC (NS) DU>DC DU<DC (NS) DU=DC 139

15 2933 DU>DC a DU<DC 76

26 2035 DU>DC (NS) DU>DC (NS) DU>DC DU=DC DU=DC 3

22 2849 DU>DC DU>DC (NS) DU<DC (NS) DU=DC 8

4 422 b DU=DC DU=DC DU<DC (NS) DU=DC 90

24 3181 DU>DC DU>DC DU<DC (NS) DU<DC (NS) 32

DU – administração em regime de dose única diária; DC – administração em regime de dose convencional; NS – estatisticamente não significativo

> melhor eficácia; < menor toxicidade

a Significância dependente do método de análise. b Doentes imunocomprometidos.

O regime de administração em dose única apresenta vantagens práticas que não devem ser subestimadas (79, 150, 152):

• Simplificação da determinação da dose

• Maior probabilidade de primeira concentração máxima terapêutica • Potencial redução do tempo de terapêutica

• Menor número de determinações de gentamicinémia

• Redução do tempo de preparação, administração, monitorização • Redução de material utilizado

• Redução de manipulação de acessos IV

• Mais adequado a administração em ambulatório

Os métodos propostos para administração em regime de dose única diária diferem na correcção a fazer de acordo com a função renal. Enquanto alguns autores mantêm a mesma dose e aumentam o intervalo (142, 200, 201), outros preferem reduzir a dose mantendo o mesmo intervalo (20, 162, 163, 164). A primeira opção parece mais de acordo com os princípios da dose única, ou seja, optimizar a relação Cmáx/CIM permitindo um período livre de fármaco que reduza a probabilidade de acumulação (75).

Alguns autores referem como vantagem a eliminação da monitorização de duas concentrações (142, 151, 163, 164). Estes métodos baseiam-se geralmente em nomogramas, simplificações que não têm condições para ser aplicadas a todos os doentes devido à grande variabilidade farmacocinética (106, 122, 160, 179). O nomograma de Hartford (142), por exemplo, utiliza uma dose de 7 mg/kg para todos os doentes de forma a garantir valores eficazes de concentração máxima sobre microrganismos com CIM mais elevadas (como Pseudomonas aeruginosa) eliminando a necessidade de determinações séricas. No entanto, esta dose é em muitos casos excessiva como acontece em infecções urinárias, conduzindo a uma exposição

desnecessária ao aminoglicosido e a um aumento dos custos associados. Wallace et al realizaram um estudo em que foi avaliada a exactidão de 4 nomogramas (Hartford, Barnes-Jewish, Rochester e Sanford) e que continua a recomendar a individualização posológica através da monitorização farmacocinética (191). Esta é a única forma de conseguir doses e intervalos adequados a cada doente, de modo a maximizar a probabilidade de resposta clínica e minimizar a toxicidade e os custos como já anteriormente demonstrado (10, 14, 30, 62, 64, 77, 106, 122, 138, 141, 173, 181, 185, 189).

A determinação de uma única concentração traz problemas de interpretação quando os valores estiverem alterados: pode haver uma alteração farmacocinética mas também pode ter ocorrido um erro de laboratório ou uma alteração no horário de colheita ou administração (27, 36, 151). A monitorização farmacocinética de duas concentrações séricas continua a ser o método de referência na individualização posológica dos aminoglicosidos (27). No entanto, o conceito tradicional de monitorização de pico e vale necessita de ser revisto (10, 22, 31, 97, 108, 113, 154). Se por um lado é necessário continuar a prevenir a toxicidade associada aos aminoglicosidos, doentes com função renal normal apresentarão vales indetectáveis (10, 12, 13, 20, 21, 22, 25, 77, 106, 122, 154, 160). De igual modo condições que levem ao aumento do volume de distribuição podem comprometer a eficácia da terapêutica, mantendo-se a necessidade de determinar a concentração máxima. Por outro lado, CIM mais altas actualmente confirmam a necessidade de garantir concentrações máximas elevadas (65).

A estreita margem terapêutica e a grande variabilidade inter e intraindividual no comportamento farmacocinético dos aminoglicosidos conduzem à necessidade de uma cuidadosa avaliação da situação de cada doente ao longo do tratamento. A individualização da terapêutica com aminoglicosidos permite um melhor resultado em termos de eficácia e toxicidade do que uma abordagem empírica que aplica a todos os doentes o mesmo regime posológico como acontece com a maioria dos nomogramas. Estes devem ser encarados como indicativos, por exemplo para início de terapêutica, e o regime deve ser individualizado logo que possível mediante o recurso à monitorização farmacocinética de concentrações séricas, tendo em conta o local de infecção e a concentração nesse local, a CIM do microrganismo em causa, a função renal e os diversos factores que podem afectar a farmacocinética dos aminoglicosidos. Uma vez que o comportamento dos aminoglicosidos se mantém independentemente do regime de

administração, esta continua a ser a opção defendida por diversos autores (10, 21, 22, 23, 25, 27, 77, 105, 106, 130, 138, 170, 180, 189, 191).

Enquanto não existirem estudos, a utilização do regime de dose única diária deve ser criteriosamente avaliada em subpopulações específicas devido a variabilidade farmacocinética (neonatologia, queimados, sépsis) ou por uma diferente filosofia de utilização dos aminoglicosidos (endocardite) (8, 67, 73, 75, 179, 196).

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