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Apêndice II – Quadro de entrevistados

2. Procedimentos metodológicos 25

4.1 Estudos camponeses contemporâneos 147

Estudando os camponeses nas suas interações com a sociedade contemporânea, Ploeg (2008) afirmou que o campesinato não pode ser explicado através de uma mera referência ao passado, pois ele está enraizado nas realidades de hoje e deve ser explicado através das relações e contradições que caracterizam o presente. Superando as visões que relacionam o campesinato a um fato histórico, a algo que ficou no passado, Ploeg (2008) dedicou-se a compreender os camponeses como inseridos na dinâmica do desenvolvimento agrícola de países desenvolvidos e com forte expressão nos países em desenvolvimento. Para o autor citado, o dualismo clássico (camponês versus proletário e camponês versus agricultor capitalista) tornou-se inadequado para refletir a situação do campo.

No entanto, ressalta ele, é estratégico que existam mecanismos de diferenciação para que se possa observar as condições em que se encontram os camponeses a serem estudados e distingui-los dos empresários capitalistas. Os camponeses não devem mais ser observados como “vítimas passivas”, mas sim como atores que, ativamente, criam e fortalecem interrelações com a sociedade em geral. Eles moldam e desenvolvem seus recursos, tanto materiais como sociais, de modos distintos. Através das atividades que garantem a reprodução de suas formas de vida, dão grande contribuição para a manutenção das paisagens, contribuem para a conservação da biodiversidade, além da produzirem alimentos com qualidade (PLOEG, 2008).

Segundo o referido autor,

os camponeses, onde quer que vivam, relacionam-se com a natureza em formas que diferem radicalmente das relações implícitas noutros modos de fazer agricultura. Da mesma forma, os camponeses formulam e reformulam os processos de produção agrícola em realidades que contrastam significativamente com aquelas criadas por agricultores empresariais capitalistas. Finalmente, eles moldam e desenvolvem seus recursos, tanto materiais como sociais, de modos bem distintos (PLOEG, 2008, p.37).

Os estudos camponeses precisam ir além da divisão criada entre a abordagem socioeconômica e a abordagem agronômica; os conceitos precisam ser elaborados de forma que seja viável a realização de análises comparativas, com o reconhecimento da existência da agricultura materialmente reestruturada em todos os lugares; os conceitos devem ser baseados em definições positivas e substantivas, independentemente do grupo a que se refere (PLOEG, 2008).

Aceitando a argumentação de Van Der Ploeg (2008), para os estudos camponeses, é necessário observar os diferentes contextos onde os camponeses se encontram e estar atento para o processo histórico da sua formação e da sua estruturação enquanto categoria social. A condição camponesa em diferentes países pode ser compreendida pelas diferentes tendências e prioridades que conduziram às escolhas políticas e seus processos de desenvolvimento.

Em nosso estudo, por exemplo, ficou evidente a situação de carência econômica que predomina entre os camponeses pesquisados. Contrastando com essa situação, a riqueza que caracteriza esse grupo como de grande interesse para o estudo se evidenciou pelas estratégias de sobrevivência associadas à manutenção e uso dos recursos naturais existentes. A incerteza quanto ao regime de chuvas, os solos, as pequenas propriedades e a busca por alternativas que diminuíssem os riscos de passarem sede ou fome foram as condições reais e simbólicas nas quais se desenvolveu uma enorme variedade de conhecimentos sobre o meio natural e seus recursos.

Assim, a presença da agricultura, as lavouras consorciadas, as cisternas para armazenamento de água da chuva, as barragens subterrâneas, os tanques de pedra e os bancos de sementes, são ações que, ao permitirem conviver com a semiaridez, possibilitam melhorar as condições de existência nesse ambiente à medida que também contribui para a conservação dos recursos naturais locais. Desta forma, para além da produção agrícola, a manutenção das tradições e costumes camponeses está associada à manutenção de outras formas de vida e ao estabelecimento de relações sociais e ambientais benéficas para toda a sociedade.

Para compreensão das mudanças e das novas dinâmicas do meio rural, Wanderlei (2000) ressaltou a necessidade de novos enfoques que dêem conta dessa diversidade de situações. Para ela, as sociedades modernas assistem a um processo de recomposição do rural e da emergência de uma “nova ruralidade” sendo necessário o desenvolvimento de novas abordagens que consigam repensar a realidade rural nos seus modos contemporâneos.Segundo a autora:

o meio rural espelha hoje o perfil social de cada uma das sociedades modernas avançadas, nele predominando, conforme o caso, a classe média, os operários, ou ainda certas categorias especiais, tais como os aposentados. Se as relações com a vida urbana não permitem que se fale mais em situações de isolamento e oposição, parece evidente que a residência no meio rural expressa cada vez mais uma escolha que não é outra senão, como afirma Mendras, uma escolha por um certo modo de vida (WANDERLEY, 2000, p.130).

A noção de ruralidade permite observar o rural em suas novas configurações, não mais caracterizado como área de produção agrícola. As novas demandas rurais geram novas necessidades e a aquisição de novas habilidades visa atender a uma demanda crescente por serviços rurais, não necessariamente agrícolas. Mesmo sem deixar de ser agricultor camponês, novas atividades produtivas e novas fontes de obtenção de recursos passam a ser observadas, em maior ou menor intensidade, nas diversas regiões do país e também no Curimataú paraibano.

O estudo das ruralidades alerta para a observação da diversidade de fontes de recursos financeiros que compõe a renda familiar. Não essencialmente agrícola, aparecem como importantes fontes de renda: a aposentadoria, o pequeno comércio, o programa bolsa família e a venda da força de trabalho para atividades agrícolas e não agrícolas. A pluralidade de atividades e de fontes de renda encontradas evidencia um novo perfil desse campesinato, no qual os recursos oriundos de programas governamentais demonstram-se necessários à manutenção familiar e em algumas situações aumentam a capacidade produtiva da propriedade pela possibilidade de investimento e custeio das atividades agrícolas. Como demonstrado no capítulo 1, a presença da renda de origem agrícola representa média inferior a 30% da renda obtida entre as famílias pesquisadas.

Esse novo rural requer novas relações com o Estado. À medida que se observa as mudanças no mundo rural e se compreende a importância camponesa na sociedade contemporânea, tornam-se evidentes novas demandas, novas políticas públicas e, portanto, outra forma de intervenção estatal que não se oriente apenas pela promoção de políticas agrícolas. Torna-se evidente a necessidade de uma política de desenvolvimento rural, onde a agricultura deve estar presente, mas não ser o único meio de intervenção. Reconhecer a diversidade de situações do rural orienta a uma revalorização das tradições, que deixam de figurar apenas como estratégias de sobrevivência e se apresenta como estratégias de conservação da vida, da biodiversidade ou, como se prefere observar nesse trabalho, representa uma nova possibilidade de pensar o desenvolvimento rural a partir da revalorização camponesa e suas relações benéficas à conservação do ambiente e das tradições.

Essa revalorização, em grande medida, já vem sendo cobrada pela organização social dos camponeses quando, por exemplo, conseguem se articular, propor e coordenar uma política pública ampla e voltada para o atendimento de uma situação específica do semiárido brasileiro, como tem sido o programa para a construção de cisternas e a cogestão desse programa entre o governo e a sociedade civil. Quando se organizam em defesa das sementes e cobram a presença do estado na realização de políticas de apoio a essa iniciativa, como a compra e distribuição das sementes locais, a instalação de campos de produção e de unidades de pesquisas com tais variedades, esses camponeses nos apresentam uma proposta viável e efetiva para conservação de um imenso potencial natural deixado à margem das políticas agrícolas cuja opção foi pelas tecnologias importadas e as sementes comerciais.

A luta por incentivos financeiros para investimento em práticas agroecológicas e a ampliação das bolsas famílias e dos benefícios previdenciários são necessidades que se evidenciam nesse novo ambiente onde a agricultura é uma prática estratégica para a manutenção familiar, mas não necessariamente a principal. Essas condições orientam a reformulação da concepção do rural como lugar da produção agrícola para um lugar “socialmente ocupado” (CARNEIRO 1998) que deve ser manejado e conservado, não apenas pelos seus recursos naturais, mas por todas as relações sociais que permitem a coexistência entre esta parcela da sociedade e o ambiente. Neste novo rural, as políticas de desenvolvimento devem enfocar o fortalecimento dessas relações e apoiar estratégias de manejo sustentável dos recursos existentes.

4.2 Revalorização econômica da agricultura camponesa: a participação das