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Estudos da cultura visual: novos olhares para as visualidades do cotidiano

Figura 7: Anúncio GAP / agosto 2016 Fonte: www.meioemensagem.com.br

A marca de roupas GAP29, em agosto de 2016, promoveu o retorno às aulas com a representação (Figura 7) de um menino e uma menina, prontos para iniciar o ano letivo. O menino recebe o título de “pequeno estudioso” e sua camiseta apresenta a figura do renomado físico Albert Einstein, uma personalidade simbólica da ciência que remete à superioridade intelectual. A postura do garoto abrindo a camiseta transmite atitude e irreverência como se estivesse reafirmando a sua inteligência através do gestual e do sorriso. O anúncio também apresenta uma menina denominada “borboleta social”, sua postura é mais tímida, seu olhar perdido vagueia sem foco definido. Ela usa uma tiara com duas inocentes orelhinhas que remetem a qual animal? Seria a uma borboleta conforme a denominação recebida?

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Informação disponível em: <http://www.meioemensagem.com.br/home/comunicacao/gap-e- acusada-de-sexismo-em-campanha.html> Acesso em 25/08/2016.

A propaganda provocou polêmica nas redes sociais no Reino Unido, mobilizou pais e mães que a criticaram por empregar juízo de valor na representação de gêneros ao rotular a menina como sociável e o menino como estudioso. Como essas representações reverberam no imaginário das meninas? Que papéis sociais são reafirmados? Que características foram sutilmente atribuídas às meninas? As meninas foram desqualificadas em relação aos meninos?

Tais questionamentos causam inquietações, provocações para redirecionar um olhar mais crítico, mais atento para as visualidades da propaganda tão presentes em nosso cotidiano. Isso porque, as imagens não são inofensivas nem destituídas de significados e interesses, pelo contrário, carregam consigo discursos e representações que transmitem crenças e valores. Conforme explica Cunha (2010):

Nas observações e reflexões sobre as produções visuais infantis, o que chamava nossa atenção, é que marcadores visuais, muitas vezes encontrados nas produções culturais dirigidos as crianças, eram transpostos em suas representações. Ou seja, há uma estética infantil generificada, produzida pelos diferentes artefatos visuais que, de muitas maneiras, reverbera no imaginário (CUNHA, 2010, p.149).

Dessa maneira, as visualidades que inundam a sociedade de consumo pós-moderna, em sua maioria, operam com discursos generificados e dialogam com jovens e crianças de forma prazerosa, lúdica, envolvente. Em especial, a publicidade, apresenta o prazer e a satisfação como resultado de uma combinação de ações, comportamentos e acima de tudo, do consumo de produtos, como se a possibilidade de ser feliz e obter aceitação social estivesse diretamente vinculada à reprodução de modelos e padrões. Essas representações reproduzem e validam comportamentos tidos como femininos e masculinos, ao mesmo tempo em que fiscalizam e desaprovam os que demonstram um estilo de vida diferente.

A partir desta problemática vislumbro um entrelaçamento das rotas teóricas desta navegação com os estudos da cultura visual. Cabe assinalar que os EC constituem a base para a emergência do campo de estudos da cultura visual, que de acordo com Pegoraro (2011, p.45), “questionam como e por que as práticas de

ver (visualidade e visibilidade) têm transformado nosso universo de compreensão simbólica, nossas práticas de olhar, nossas maneiras de ver e fazer”.

Algumas contribuições dos EC aos estudos da cultura visual podem ser observados na perspectiva da interdisciplinaridade, na recusa por hierarquizar as diversas esferas culturais e na consequente hibridização entre a cultura erudita e a popular. A essas considerações vale acrescentar que as duas abordagens, na perspectiva educacional, estão em inter-relação, e se entrelaçam ao conferir amplo destaque ao estudo das representações.

Na cultura visual, as representações emergem como força mobilizadora, como condição e possibilidade, como expectativa de que eventos visuais, imagens visualidades ou a interação entre eles possa conferir a elas autorização para torna-se um discurso representativo. Nessa perspectiva, a cultura visual, ao mesmo tempo em que processa e descreve, transforma e reelabora imagens e ideias; pode-se dizer que acontecem, simultaneamente, atos de percepção, interpretação e de interação que demandam deslocamentos ou, no mínimo, reclamam uma negociação de espaço nos discursos dominantes (MARTINS, 2005, p. 142).

Neste sentido, a cultura visual apresenta-se como um campo de estudo que possibilita entender e analisar a diversificada gama de formações discursivas que se valem das visualidades como forma de expressão, possibilitando, assim, o alicerce sobre a qual se pode refletir sobre a noção de mediação de representações, de valores e de subjetividades.

O historiador Paulo Knauss (2006) explica o percurso histórico de formação dos estudos com enfoque na cultura visual a partir de duas vertentes. Um caminho teórico se apresenta de modo mais restrito e define cultura visual como uma abordagem específica da cultura ocidental, tendo em vista que a base do pensamento científico ocidental se dá pela metodologia da observação e nesta perspectiva o olhar seria primordial. Nesta diretriz, a possibilidade de interrogação “sobre o olhar ocidental parte do pressuposto de que os modos de ver são definidos como visões parciais do mundo, que, por meio de representações visuais, reordenam o mundo a partir do olhar” (KNAUSS, 2006, p. 108-9). A outra vertente, de modo mais abrangente, “aproxima o conceito de cultura visual da diversidade do mundo das imagens, das representações visuais, dos processos de visualização e de modelos de visualidade” (Ibid., p.106). As duas vertentes

estão em articulação considerando que a cultura visual é uma denominação atribuída ao campo teórico dos estudos visuais como também é compreendida como o objeto de estudo desta vertente.

Ainda segundo Paulo Knauss (2006), o enfoque da cultura visual contempla o estudo de diferentes tipos de experiências visuais. As visualidades são a materialização dos olhares construídos culturalmente ao longo da história em diversos tempos e sociedades. Por este prisma, a visão é problematizada a partir da noção de que imagens são representações e resultam de processos de produção de sentido em contextos culturais específicos.

A cultura visual estuda a construção social da experiência visual e move sua atenção das artes tradicionais e canônicas para as visualidades do cotidiano. Hernández (2000) esclarece que estudar a cultura visual exige muito mais investigar as posições e subjetividades que as imagens produzem do que enfatizar a leitura de imagens, no sentido de “decodificar” seus signos.

Na esteira dessas reflexões, entendo que a cultura visual é uma abordagem teórica, um campo de estudos que possibilita repensar caminhos em relação às abordagens formalistas para ampliar a reflexão sobre como os artefatos culturais contribuem para pensarmos o mundo e a nós mesmo. Campo interdisciplinar que investiga, analisa e estuda como se inter-relacionam cultura e experiências visuais.

Por um lado, discute o modo como nossa dimensão cultural influencia como vivenciamos as experiências visuais e como predispõe certas formas de organização da vida social através da consolidação e da regulação dos eventos visuais. Por outro lado, põe em questão o papel destas experiências visuais, enquanto práticas que por sua vez produzem significado e modos de subjetivação (SÉRVIO, 2017, p. 154).

É, portanto, nesta direção que esses estudos problematizam os significados culturais, o que produzem e o que regulam, quais são os seus efeitos, perspectivando-se em formas de análise crítica de práticas culturais do ver e suas relações com a subjetividade em meio às experiências do cotidiano. O aporte teórico deste campo de estudos oferece lentes específicas para focalizar a representação da menina/mulher na imagem publicitária com ênfase nos significados disseminados e nas pedagogias culturais produzidas. Importante

salientar que a menina em trânsito para a vida adulta, também ressignifica as visualidades com quais se relaciona ao produzir experiências que têm efeitos, tanto sobre si mesma, quanto na sua vida social.

Neste trabalho, os estudos da cultura visual atuam como um farol com potentes lentes que ampliam e clarificam as paisagens do olhar em relação às visualidades midiáticas. Diante disso, contribui para conduzir a reflexão e a análise dos modos de ver que produzem um imaginário cultural associado à figura feminina. Com efeito, os padrões de representação são retratos de um contexto especifico e engendradas no âmbito dos processos sociais, portanto, difundem referências imagéticas atuantes na produção de subjetividades. No meu ponto de vista, compreender essas referências ou figurações do feminino indica um caminho para refletir sobre a nossa condição histórica e cultural. Além disso, questionar esses padrões de representação e a sua atuação em nossa vida pode corroborar para fomentar novas experiências e práticas.

A vertente da cultura visual direciona o fluxo das correntes teóricas desta navegação ao contribuir para refletir acerca das figurações do feminino na diversidade de representações que assolam a contemporaneidade e instauram uma forma cultural e histórica de olhar. Por isso, recorro ao diálogo com imagens de diferentes temporalidades das artes visuais e das mídias. Olhar construído, olhar constituído a partir das visualidades. Diversas temporalidades e múltiplas representações. Nas imagens reverberam toda essa pluralidade, memórias, tempos e contextos.

2. REFLEXOS DO OLHAR: REPRESENTAÇÕES DO FEMININO

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