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2.3 A performatividade do “professor-performer”

2.3.1 Estudos da performatividade (Performance Studies)

A presença da performance enquanto método de ensino nos levou a pesquisar a noção da performatividade na educação, conceito desenvolvido e adotado nos Estados Unidos, assim como em alguns centros acadêmicos no Brasil. Compelida por essa mesma abordagem, a professora do curso de Comunicação na Southern Illinois University Elyse Lamm Pineau também realiza pesquisas sobre o

cruzamento de metodologias da performance. Pineau, ao observar um movimento significativo de professores/pesquisadores norte-americanos direcionando suas pesquisas sobre performance, a partir de uma educação libertadora – fundamentadas pelos ensinamentos de Paulo Freire –, e sobre os estudos da comunicação, volta-se à análise desses temas, como base para uma “pedagogia performativa crítica” (2010, p. 90).

Para a inserção da performance no ambiente acadêmico, em que desenvolvia sua prática pedagógica, Pineau percebeu obstáculos, entre eles, a sala de aula como a conhecemos, considerada por ela como um espaço de exílio, de cerceamento: carteiras enfileiradas, quadro de giz, piso frio, luzes fluorescentes. Nesse meio, costuma-se acreditar que o excesso “excede a avaliação. O que está fora do lugar deve ser limpo. O apagamento é um procedimento-padrão de manutenção do limite entre a arte e a educação” (PINEAU, 2010, p.100). Esse ambiente cirúrgico e nada lúdico tem reforçado a ideia de que é necessário construir novos espaços de resistência aos métodos de ensino tradicionais na arte. Ela comenta sobre a construção dessa realidade vivida em sala de aula, como pesquisadora de sua própria atuação como professora de performance e do borramento da fronteira entre as áreas da arte e da educação.

Como uma professora de Estudos da Performance, tenho tido o privilégio de observar, cotidianamente, o que acontece quando o meu corpo e o corpo dos meus alunos são criticamente conectados ao ensino e à aprendizagem da transgressão. Teóricos e praticantes da educação encontram-se mais uma vez numa articulação crítica. Ainda nos encontramos sitiados por uma condenação populista da escola pública e condenados, por força de uma política conservadora, a nos encerrarmos de forma cada vez mais acentuada dentro de uma ideologia tecnocrática, enquanto somos cada vez mais exigidos pelas estruturas de nossas instituições. Ao mesmo tempo, a emergência da performance como um paradigma para a experiência educacional tem modificado radicalmente as bases sobre as quais conduzimos nós mesmos o nosso trabalho. [...] Juntos, nós criamos um corpo de trabalho que permitirá que nossos alunos construam significados a partir do que vivem no corpo, do que sentem no osso, situados dentro de um corpo político maior (PINEAU, 2010, p. 110).

É importante salientar que Elyse Pineau é professora de “Estudos da Performance”, ou seja, pertence a um grupo de educadores que investigam a performance não apenas como linguagem, mas, sobretudo, como desempenho.

Nesse sentido, sua reflexão sobre a performance no ensino e sua experiência como educadora em um curso de comunicação estão diretamente ligadas às pesquisas sobre performatividade, iniciadas nos Estados Unidos, na década de 1960. Pineau analisa a influência dos usos pedagógicos da performance, baseada nas descobertas dos pesquisadores Lorne Wight Conquergood31, Ronald Pelias32 e James VanOosting33. Eles reconhecem a pedagogia da performance como “um paradigma, como uma metáfora exploratória, como método de pesquisa e como ativismo de justiça social” (PINEAU, 2010, p. 96). Essa metáfora do ensino como performance ganha força nos Estados Unidos a partir da década de 1980, com o objetivo de tornar esse método um “paradigma para a experiência da comunicação humana” (PINEAU, 2010, p. 96).

Pelias e VanOosting trazem em seu livro Um paradigma de estudos da

performance, escrito em 1987, considerações sobre o que vinha sendo pesquisado

por teóricos, professores e artistas nos grupos de estudos da performance norte- americanos, iniciados pelo professor Richard Schechner34. O paradigma em questão sugere entender “todas as enunciações como potencialmente estéticas, todos os eventos como potencialmente teatrais e todos os públicos como participantes potencialmente ativos, que podem autorizar a experiência estética” (1987, p.221). Em outras palavras, esse modelo de ensino inspirado pela performance parte, prioritariamente, da percepção do professor, em descobrir-se como potencial performer. Pineau (2010, p. 97) afirma que na poética da performance educacional

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Lorne Wight Conquergood foi um etnógrafo canadense, nascido em 1949, na cidade de Thunder Bay, e falecido em 2004. Foi professor de estudos da performance na Northwestern University e realizou uma extensa pesquisa em campos de refugiados no exterior e em bairros de imigrantes em Chicago. Conquergood coproduziu dois documentários premiados baseados em sua pesquisa de Chicago em áreas urbanas: Entre os Homens: O xamã de Hmong na América (1985) e O coração

partido ao meio (1989).

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Ronald J. Pelias cursou a Universidade Metodista do Sul em 1968 e recebeu seu doutorado em estudos da performance na Universidade de Illinois (1979). Foi professor de estudos da performance de 1981-2013, no Departamento de Estudos de Comunicação da Southern Illinois University, Carbondale. Atualmente, trabalha como professor de teatro, principalmente como diretor e como escritor comprometido com formas não tradicionais de representação acadêmica.

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James VanOosting é um romancista que mora em South Orange, Nova Jersey. Ele é professor aposentado de artes e ciências, assim como de negócios, na Fordham University. Ele foi reitor da Faculdade de Artes e Ciências da Universidade Seton Hall.

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Richard Schechner é professor de Estudos da Performance na Universidade de Nova York, nos Estados Unidos, foi precursor e um dos principais estudiosos do tema em países de língua anglo- saxônica.

professores e alunos buscam “ficções colaborativas” que privilegiem as histórias, seus narradores e o compartilhamento das experiências humanas pelo coletivo.

Sendo assim, a pedagogia performativa procura ultrapassar o método tradicional adotado pelo ensino, de transmissão de informações, para abrir espaço a novas formas de construção do conhecimento. E quais seriam essas novas formas de conhecimento? Para Schechner, a performance “acontece enquanto ação, interação e relação” (2006, p. 30), portanto, o conhecimento advém do movimento, do compartilhamento, do contato entre os participantes. Nesse caso, a performance não está “no” corpo, mas “entre” os corpos. Já Conquergood elucida o método pedagógico apoiado na natureza lúdica da performance, no jogo performativo que traz liberdade aos participantes sem desconectá-los da realidade. O ato que envolve o corpo e a experimentação “está relacionado à improvisação, à inovação, à experimentação, ao contexto, à reflexão, à agitação, à ironia, à paródia, ao sarro, ao cômico e à carnavalização” (CONQUERGOOD apud PINEAU, 1989, p.83).

A performance primeiramente ganhou espaço na educação, assim como nos estudos da comunicação como uma metáfora de identidade para professores e como um método de ensino participativo. Professores eram encorajados a se conceberem como atores envolvidos em dramas educacionais, como artistas, operando com uma intuição criativa, como regentes, orquestrando experiências de aprendizagem e como contadores de histórias, transmitindo narrativas folclóricas e pessoais para envolver os estudantes (PINEAU, 2010, p. 93).

No entanto, Pineau ressalta que o papel do professor/performer deve ser visto com certo rigor. Em leituras ultrapassadas, a figura do educador da performance era classificada pelos termos: “professor-ator”, o qual o reduzia “a um estilo de desempenho de teatralidade entusiasta empregada para despertar estudantes sonolentos, para envolvê-los como que magicamente nas primeiras aulas da manhã”, ou “professor-artista”, por salientar a “sensibilidade estética e a criatividade espontânea” dos artistas em cena (PINEAU, 2010, p. 93).