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Estudos estruturais de peptídeos biologicamente ativos

41. Farmacologia e composição geral do veneno de Hymenopteras

4.4. Estudos estruturais de peptídeos biologicamente ativos

As estruturas em hélice-α anfifílica e estruturas β são comumente encontradas em peptídeos líticos e antimicrobianos, que agem perturbando a função de barreira das membranas. A estrutura do complexo lipídeo-peptídeo (proteolipossomo) é determinada por três interações principais: a interação hidrofóbica da face apolar da hélice com os lipídios; a interação polar do lado hidrofílico de diferentes hélices entre si; e a interação de resíduos hidrofóbicos dos peptídeos com solventes aquosos. Portanto, a magnitude relativa entre as faces hidrofílicas e hidrofóbicas de peptídeos, com conformação

em hélice-α deve influenciar nas diferenças entre as atividades hemolíticas e antimicrobiais encontradas (Kiyota et al., 1996).

Shai & Oren (1996) em um estudo utilizando análogos à pardaxina, um peptídeo catiônico isolado do peixe Pardachirus marmoratus, mostraram que a introdução de D-amino ácidos na cadeia polipeptídica, reduz drasticamente a porcentagem de hélice-α, o que por sua vez, reduz a atividade hemolítica dos análogos diasteroisômeros. Sendo assim, este peptídeo na sua forma natural provavelmente interaja com a membrana da bactéria como um detergente (modelo carpete), desestabilizando a membrana e, conseqüentemente, destruindo a célula.

A análise da troca hidrogênio/deutério (H/D), entre o hidrogênio da amida de cada ligação peptídica e o deutério adicionado ao meio na forma de D2O, tem sido amplamente utilizada como fonte de informações estruturais e dinâmicas de muitas moléculas. Demmers et al. (2000) descreveram um método de estudo para a determinação da posição exata de peptídeos longos que interagem com membranas lipídicas, através da combinação de reações de deuteração e análises por espectrometria de massas. Neste método foram utilizados peptídeos com conformação hélice-α (WALP16 e WALP16+10) e lipossomos artificiais (DMPC), onde foram determinadas as taxas de deuteração parcial, apresentadas pelas moléculas de peptídeos associados às membranas artificiais (proteolipossomos), correspondentes às partes da molécula que se posicionam na face externa das membranas, e conseqüentemente interagem com o meio externo. Esta técnica pode ser utilizada para se investigar o mecanismo de ação de polipeptídeos transmembranares na formação de estruturas supramoleculares, tais como poros e/ou canais.

Santos-Cabrera et al. (2004), através da combinação de técnicas de dicroísmo circular e lipossomos, caracterizaram a estrutura do EMP-AF, um mastoparano isolado do veneno da vespa solitária Anterhynchium flavomarginatum micado. Foi constatado que trata- se de um peptídeo capaz de permeabilizar lipossomos aniônicos e, em menor extensão,

lipossomos neutros, sendo que esta habilidade parece estar correlacionada com a porcentagem de hélice-α assumida pelo peptídeo quando em contato com essas membranas. Konno e col. (2000) realizaram um estudo do EMP-AF onde foram testadas as diferenças entre a atividade deste peptídeo em sua forma natural e um análogo onde o NH2 foi retirado do C-terminal (EMP-AF-COO-). Observou-se que o EMP-AF-NH2 possui atividade degranuladora de mastócitos 50% mais potente que o análogo EMP-AF-COO-, na concentração de 10-5M. Além disso, a atividade hemolítica do análogo com C-terminal livre foi completamente perdida. Sforça et al. (2004) demonstraram através de estudos da estrutura secundária, por RMN e Dinâmica Molecular, que além da esperada redução na carga positiva do EMP-AF-COO- devido à perda do NH2, a presença do grupo carboxi-livre no lado C-terminal introduz uma instabilidade local capaz de desestabilizar não somente o padrão de ligações de hidrogênio que garantem a estrutura da hélice, mas toda a cadeia peptídica (Figura 4B). De fato, o padrão de hélice anfipática apresentada pelo EMP-AF-NH2 (Figura 4A) é perdido no análogo carboxi-livre e tanto o lado N-terminal quanto o C-terminal neste análogo mostram-se com altas flutuações durante a simulação.

Figura 4: Sobreposição a) das 20 estruturas

finais calculadas do EMP-AF-NH2; b) das 35

estruturas finais calculadas do EMP-AF-COOH em presença de 30:70 (v/v) solução de TFE/água (Sforça et al., 2004).

Estudos utilizando simulação por Dinâmica Molecular dos mastoparanos em misturas de TFE-água, mostraram que o EMP-AF-COO- sofre desestruturação da conformação helicoidal e perda de anfipaticidade, devido à atração eletrostática entre a carga negativa do grupo carboxila e os grupos catiônicos das cadeias laterais de alguns resíduos (Costa, 2006), sendo esta provavelmente a principal causa da perda de atividade do análogo com C-terminal ácido.

As atividades hemolítica e antimicrobiana são dependentes ou diretamente influenciadas pelo tamanho, estrutura e composição em aminoácidos da cadeia polipeptídica (Lee et al., 2003). Por exemplo, entre os peptídeos contendo resíduos apolares (Leu e Ala) e básicos (Lys e Arg) numa razão 3:1, com extensão variando entre 4 a 16 resíduos, foi observada atividade antibiótica para um peptídeo com 12 resíduos de aminoácido (Lee et al., 1986). Um resultado similar também tem mostrado uma potente atividade antimicrobiana para peptídeos com cadeias contendo de 14 a 15 resíduos pertencentes a um grupo rico em Leu e Lys (na razão 1:1) com 8 a 22 resíduos de aminoácidos (Blondelle & Houghten, 1992). Segundo Kiyota et al. (1996), o tamanho da cadeia, composição em aminoácidos e o posicionamento de resíduos apolares carregados positivamente ao longo da cadeia, são importantes para as atividades antibiótica e hemolítica.

Li et al. (2000) relataram que existem diferenças na atividade antibiótica apresentada por D e L-enantiômeros do mastoparano-M, isolado do veneno de Vespa mandarina. Além disso, os D-enantiômeros, apresentam resistência à enzimas líticas, como a papaína e quimotripsina, o que provavelmente está envolvido com o fato desta forma apresentar atividade antibiótica mais elevada em relação à forma natural.

Konno et al. (2001) caracterizaram à partir do veneno de Anoplius samariensis, um peptídeo altamente degranulador de mastócitos e com atividade antibiótica de amplo espectro, chamado Anoplin. Resultados de análises de dicroísmo circular revelaram que, na presença de lipossomos e meio com elevada força iônica, o Anoplin também interage

com a superfície celular de bactérias provocando distúrbios no potencial de membrana e na permeabilidade. Provavelmente, este distúrbio ocorra através da formação de canais ou poros na membrana, por um mecanismo similar àquele apresentado por peptídeos líticos.

Em um estudo recente, Santos-Cabrera (2006) observou que existem diferenças quanto à estruturação em hélice-α de mastoparanos, de acordo tanto com a composição em aminoácidos, quanto do meio no qual eles estão inseridos. Além disso, para esses peptídeos, as interações hidrofóbicas determinam a elipticidade, sendo esta modulada pelas interações eletrostáticas proporcionadas pela polaridade do meio. A elipticidade também é influenciada pela relação peptídeo/lipídeo, sugerindo que a afinidade entre eles também afeta a transição conformacional. Além disso, foi observado que peptídeos em suas formas amidadas (C- terminal amidado) apresentam maior teor helicoidal, que seus análogos carboxilados, sinalizando a influência do macrodipolo da hélice. Os peptídeos mais eficientes na permeabilização de vesículas e na atividade antimicrobiana são aqueles que apresentam hidrofobicidade média negativa, ou pouco positiva. A seletividade sobre bactérias Gram- positivas e Gram-negativas parece estar relacionada ao momento hidrofóbico desses peptídeos (Santos-Cabrera, 2006).