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Mecanismos de interação peptídeo-membrana

41. Farmacologia e composição geral do veneno de Hymenopteras

4.3. Mecanismos de interação peptídeo-membrana

Utilizando-se análises de dicroísmo circular e ressonância magnética nuclear, Higashijima e col. (1983) determinaram a estrutura secundária de mastoparanos em solução, e sob interação com os fosfolipídios. Foi observado que ao se ligarem às membranas fosfolipídicas, ocorre a formação da estrutura em hélice-α. A conformação em hélice-α de uma dada seqüência peptídica anfipática favorece a segregação das faces hidrofílicas e hidrofóbicas (Rex & Schwarz, 1998). Uma hélice-α anfifílica é definida como uma estrutura em hélice, na qual os resíduos de aminoácidos estão distribuídos na estrutura secundária com faces polar e apolar voltadas para direções opostas.

Hori e colaboradores (2001), utilizando experimentos de Ressonância Magnética Nuclear, constataram que os mastoparanos assumem dois estados de orientações diferentes: um com o eixo da hélice alinhado paralelamente à membrana de vesículas sintéticas, e um outro estado onde o eixo da hélice apresenta-se perpendicular à membrana.

Parente et al. (1990), propuseram um modelo teórico do mecanismo molecular envolvido na formação de poros, através da agregação de 8 a 12 monômeros de um peptídeo anfifílico (GALA), onde as moléculas se posicionam perpendicularmente através da membrana. Este evento é dependente do pH e torna-se rápido após a interação da primeira molécula com a membrana. Existem sistemas onde a formação de poros é reversível e de curta duração, onde a ativação dos poros somente é possível durante uma desestabilização momentânea das membranas, causada pela interação peptídeo-lipídio (Rex & Schwarz, 1998). Aparentemente, isto envolve também um movimento rápido do tipo “flip-flop” (Fattal et al., 1994).

Matsuzaki et al. (1995a; b) demonstraram a relação entre a ativação do poro e translocação (do peptídeo magainina) através da membrana. Rex & Schwarz (1998) demonstraram ainda que a taxa de formação de poros na membrana aumenta em proporção direta à concentração de peptídeos ligados à membrana. Além disso, a formação de poros

passa por dois estágios conformacionais monoméricos do peptídeo. Segundo Matsuzaki et al. (1996) o poro é formado por um arranjo ou agregado de moléculas peptídicas. A estrutura do poro foi modelada como um agregado de hélices estendidas na membrana, cuja superfície hidrofílica aparece orientada em direção à luz do poro (Mellor e Sansom, 1990). Uma cadeia composta de 14 resíduos de aminoácidos possui em média 21Å de comprimento, enquanto que a espessura da bicamada lipídica varia em torno de 30 Å. Um estudo utilizando ressonância magnética nuclear (Wakamatsu et al., 1992) revelou que os dois resíduos N- terminais do Mastoparano-X, quando ligado à membrana, não formam hélice-α, aumentando assim, o comprimento da cadeia polipeptídica. Esta afirmação foi confirmada por análises de dicroísmo circular (Schwarz & Blochmann, 1993), onde foi constatada formação de menos de 100% de hélice-α. Conseqüentemente, o poro parece ser composto por um pacote de moléculas em hélice-α parcialmente desenroladas e, além disso, pode ainda ocorrer casos onde a membrana sofre deformação após a agregação dos peptídeos (Matsuzaki et al., 1996).

Vários mecanismos foram propostos para descrever a interação de peptídeos com membranas lipídicas durante o processo de formação de poros, sendo os principais denominados “barril” e “carpete”. No primeiro caso, modelo barril (Figura 1A), ocorre a formação de canais transmembrânicos, através da associação de hélices-α anfipáticas, sendo que a superfície hidrofóbica do peptídeo interage com a região hidrofóbica central da camada lipídica, enquanto que a superfície hidrofílica do peptídeo interage com a região hidrofílica da bicamada formando um poro aquoso (Yang et al., 2001). Um outro tipo de formação de poro na membrana seria o modelo toroidal (Figura 1B), onde monômeros de peptídeo ficariam embebidos na região das cabeças dos fosfolipídios.

Figura 1: Modelos de interação do peptídeo Alameticina com membranas de fosfolipídios

de acordo com Yang et al. (2001). A) modelo barril e B) modelo poro toroidal. A região cinza representa a região das cabeças dos fosfolipídios e os cilindros vermelhos representam as moléculas de peptídeo.

No modelo carpete, os peptídeos alinham-se paralelamente à superfície da bicamada como se fosse um carpete (Oren & Shai, 1998). Em altas concentrações locais de peptídeo, ocorre a penetração das moléculas peptídicas na bicamada, resultando na ruptura da mesma. Neste modelo de interação, peptídeos com conformação em hélice anfipática, ligam- se à membrana de forma que o eixo da hélice se posicione perpendicularmente à superfície, e os resíduos carregados da cadeia interagem com a parte polar dos lipídeos, promovendo a formação de um poro aquoso. Sendo assim, os peptídeos se ligam à superfície da membrana com suas regiões hidrofóbicas em contato com a membrana e as regiões hidrofílicas em contanto com o solvente (Figura 2B). Quando certa contração de monômeros é atingida, a membrana é rompida (Figura 2C). A formação desses poros provoca um aumento na permeabilidade da membrana podendo resultar numa eventual ruptura da mesma (Yang et al., 2001).

Figura 2: Ilustração do modelo carpete, sugerido

para a penetração de peptídeos nas membranas, segundo Oren & Shai (1998). Neste modelo, A) os peptídeos se ligam a superfície da membrana; B) e quando uma certa contração de monômeros é atingida, a membrana é rompida.

Aparentemente, a translocação de peptídeos está relacionada com a formação de poros (Figura 3). Segundo Matsuzaki et al. (1995a; 1998), as moléculas de peptídeo primeiramente se alojam no lado externo da monocamada, formando interações de curta duração. No momento da sua desintegração, uma fração dos peptídeos troca de posição, indo para a camada interna. Uma diminuição na concentração de peptídeos na membrana externa reduz a taxa de formação de poros, conseqüentemente, o índice de translocação é inicialmente alto e diminui rapidamente. A rápida internalização dos peptídeos em um curto período de tempo explica a rápida liberação de histamina (Okano et al., 1985). A translocação de peptídeos positivamente carregados é favorecida por um potencial negativo interno da membrana (Matsuzaki et al., 1995c; Matsuzaki, 1998). Foi constatado ainda que o Mastoparano-X rapidamente randomiza os lipídios na membrana lipídica (Matsuzaki et al., 1996).

Figura 3: Esquema da formação do poro toroidal transiente segundo Matsuzaki (1998). Em A)

estruturação e ligação do peptídeo à membrana; B) formação do poro; e C) translocação dos monômeros de peptídeo para o interior da bicamada e desestruturação do poro.

Peptídeos antibióticos são amplamente encontrados em plantas, insetos, anfíbios e mamíferos, apresentando um importante papel na defesa destes organismos (Bulet et al., 1999). Esses peptídeos antibióticos, incluindo as defensinas, são conhecidos por interagirem com membranas; além disso, tem sido freqüentemente proposto que a atividade antibiótica específica dos peptídeos, seja relacionada com essa interação (Ibrahim et al., 2000). Além disso, Friedrich et al. (2001), mostraram que a indolicidina, um peptídeo com atividade antibiótica isolado de neutrófilos bovinos, age intracelularmente, perturbando a síntese de algumas proteínas e RNAs, causando morte celular, mostrando porém, que os peptídeos antibióticos podem apresentar diferentes modos de ação.