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Estudos da recepção do audiovisual na interface com estudos de gênero e crítica

feminista

Tania Montoro

TRAJETÓRIA METODOLÓGICA EM QUE SE INSERE ESTE ESTUDO

Este capítulo é parte dos resultados da pesquisa de pós-doutorado

Revisitar os estudos do audiovisual sobre a perspectiva da crítica feminis- ta e dos estudos de gênero, realizada junto ao Programa de Pós-graduação

em Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Dialogando com esforços pioneiros de pesquisa- dores como Escoteguy e Messa (2006), Hamburger (1999), Nassif (2005) e Stumpf e Caparelli (2001), nosso intento é dar uma contribuição para a reflexão teórica dos estudos do audiovisual com recorte em estudos de gênero, no sentido de cartografar o desenvolvimento deste campo emergente, apontando retrocessos, avanços e tendências. Para tanto, em função do tempo e recursos da pesquisa realizou-se um minucioso inventário das teses e dissertações apresentadas aos programas de pós- -graduação em Comunicação entre 1995 e 2008, disponíveis no banco de teses das bibliotecas virtuais da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Ministério da Educação (MEC),

do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict), do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) e das universidades que possuem pós-graduação em Comunicação. Além das teses e disserta- ções, nos debruçamos em compilar artigos, capítulos de livros, papers e ensaios apresentados nos congressos anuais das associações científicas mais representativas da área: Compós, Intercom e Socine. Aqui tivemos também que buscar em CDs e acervos individuais de pesquisadores por problemas de digitalização dos trabalhos nos sites das entidades selecionadas.

Trata-se de um levantamento aproximativo do que está disponível em ambiente digital e passível de leitura e arquivamento. Ao todo se inventariou 86 trabalhos acadêmicos distribuídos em 62 dissertações de mestrado e 24 teses de doutorado com recorte em estudos de cine- ma e audiovisual na interface com estudos de gênero e crítica cultural feminista. Do total de dissertações de mestrado, 32 foram apresentadas aos programas de pós-graduação da área de comunicação e as demais distribuídas nos domínios das Ciências Sociais (Sociologia e Antropo- logia), Literatura, Letras História, Psicologia e Educação.

Do total de 24 teses de doutorado inventariadas – quatro foram apresentadas em programas de pós-graduação em Comunicação – e as demais distribuídas pelos mesmos domínios de conhecimento das dissertações de mestrado. Os programas de mestrado e doutorado em Comunicação da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) concentram o maior número de dissertações/teses, associadas a temáti- ca, no domínio das ciências da Comunicação disponíveis em formatos digitais. De 1997 a 2009, registra-se o mapeamento 170 papers apre- sentados em congressos/encontros anuais das sociedades científicas de comunicação e de áreas afins sob o domínio dos estudos de gênero e audiovisual. Destes, 149 constam dos anais da Intercom e 14 de anais da Compós. Nos livros dos encontros anuais da Socine encontramos cinco artigos que foram apresentados em encontros anuais da sociedade que, somente agora, vem digitalizando seu acervo. Os outros dois papers foram apresentados em congressos de áreas afins.

Os trabalhos de audiovisual com recorte em estudos de gênero (cinema, televisão, fotografias, vídeo, rádio e mídias sonoras) somam a metade dos trabalhos apresentados sob a perspectiva de estudos de gênero nos eventos científicos das associações/organizações cientificas de comunicação. A pesquisa registrou a publicação de 67 artigos em periódicos da área sob os domínios da comunicação e estudos femi- nistas e de gênero. Deste total, 43 são de estudos de cinema, televisão e rádio; três sobre novas tecnologias audiovisuais e questões de gênero; 7 de publicidade (4 apresentam análise do filme/fotografia publicitária); e 14 de imprensa.

As revistas científico-culturais da área de comunicação – Alceu da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Revista Contempo-

rânea de Comunicação e Cultura da Universidade Federal da Bahia e Sessões do Imaginário da Pontifícia Universidade Católica do Rio Gran-

de do Sul concentram o maior número de artigos publicados sobre o recorte de audiovisual e estudos de gênero no ambiente digital. A revista

Estudos Feminista da Universidade Federal de Santa Catarina e a revis-

ta eletrônica Labrys da UnB congregam produção substantiva sobre a temática particularmente, sobre teoria do cinema e estudos feministas. Com este mapeamento das interfaces deste território podemos visualizar um campo científico emergente e em pleno desenvolvimen- to na produção acadêmica, uma vez que boa parte dos trabalhos foi publicada/apresentada nos últimos cinco anos.

ESTUDOS DE GÊNERO NA PESQUISA EM AUDIOVISUAL: UMA QUESTÃO EMERGENTE

Bourdieu (1991) salienta que o processo de formação de um campo científico implica a acumulação de conhecimentos, que após um dado momento consolidam-se como verdades finais. Atingir este estágio implica em confrontar explicações concorrentes, eliminar antigas tradi- ções intelectuais e pôr a prova verdades anteriores.

A marginalização imputada aos estudos feministas e de gênero tem sido apontada por pesquisadores como um dos importantes obstáculos à sua legitimação acadêmica.

No Brasil, os estudos de gênero foram se consolidando, no final da década de 1970, concomitantemente ao processo de redemocratização no país e ao fortalecimento dos movimentos feministas e de outros movimentos de mulheres com reivindicações específicas no campo jurídico, social e cultural.

Se em outras épocas divindades míticas e religiosas eram invocadas a explicar a natureza e as relações humanas, é a ciência que cumpre, desde a modernidade, a função de buscar explicações e regular a ordem social. Cabe destacar que a ciência, com seus saberes, não é algo abstrato, mas produto de pessoas concretas, situadas em suas posições de gênero, etnia e classe.

O uso da categoria gênero (como um conceito relacional) levou ao reconhecimento de uma variedade de formas de interpretação, simboli- zação e organização das diferenças sexuais nas relações sociais e perfilou um discurso crítico que se espalhou também pelas ciências da comu- nicação audiovisual.

Os estudos de cinema e televisão sob a ótica da crítica feminista e dos estudos de gênero se desenvolveram no cadinho da irrupção dos movimentos feministas no final da década de 1960 e 1970, particular- mente na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos. O trabalho da teórica e cineasta britânica Laura Mulvey, Visual pleasures and narrative cine-

ma, publicado nos anos 1970, adensa a discussão sobre os códigos do

cinema narrativo clássico como um dispositivo construído “sobre e por um olhar masculino”. A partir dos conceitos de fetichismo e de voyeurismo, em sua acepção freudiana, a autora analisa o cinema de Hollywood apontando os elementos de linguagem que transformam o corpo feminino em objeto de desejo, em um modo narrativo que interpela o espectador a se identificar com o ponto de vista do olhar masculino – “male gaze” – ou a trajetória do olhar sobre o quadro.

Esta instância do olhar masculino sobre o universo feminino mascara e legitima as relações de poder e os mecanismos de domi- nação e opressão que sustentam as formas de sujeição. Mulvey (1975) assenta seus fundamentos críticos na teoria psicanalítica trabalhando com conceitos como castração, narcisismo, prazer, desejo e plenitude. Este trabalho abre todo um leque de possibilidades ao associar a neces-

sidade de abandonar a narrativa e prazer visual cultivado pelo cinema hollywoodiano em favor de um cinema experimental, em que procurará conciliar diversidade, mercado, público, arte e diversão.

Sua análise acabou servindo de lastro para grande parte da teoria e crítica feminista no cinema. Leituras, interpretações, (re)interpretações e críticas foram produzidas em um movimento dinâmico que ajudou a fundamentar este campo de conhecimento. Este artigo inaugural, além das suas tomadas de posição, forçosamente esquemáticas, abundante- mente discutidas, mesmo por sua autora, continua sendo interessante pelo fato de não se prender a análise das representações do femini- no, mas de questionar o dispositivo semiótico e narrativo do cinema hollywoodiano dominante.

Com a publicação em 1983 do livro da professora de cinema Ann Kaplan, Women and Film: body sides of the camera, na Grã-Bretanha, e no Brasil traduzido uma década depois, este campo de estudo eferves- cente finca raízes nos estudos de cinema na América latina e na Europa de Leste. Em seu prefácio, apresentando o livro como uma sistemati- zação da sua experiência como mulher, leitora, realizadora, feminista e professora/decana de teoria do cinema na Universidade de Nova Jersey, a autora oferece um repertório de filmes feitos por mulheres que enfo- caram e deram uma voz a uma subjetividade, um lugar de onde estas cineastas podiam apresentar outra forma de ver o mundo e colocar em circulação outro discurso imagético. No Brasil, a obra tem uma importância fundamental para a teoria do cinema porque revela um importante esforço para subverter a construção simbólica patriarcal mostrando outras formas de viver a experiência de sujeito em sua rela- ção com a linguagem e história. Todo este movimento, ao lado desta releitura dos autores e diretores clássicos e consagrados pela cinefilia, permitiu que outros trabalhos se tornassem visíveis em obras de realiza- doras que a história do cinema ainda hoje negligencia, como Ida Lupino, Lois Weber, Germaine Dulac e Marie Epstein.

É importante observar que os estudos feministas, nos anos 1970, legitimaram o uso da categoria de gender (gênero)1 com a intenção de distinguir entre o gênero como experiência biológica – isto é, como

sendo homem e mulher duas espécies definidas unicamente pelo sexo – e gênero como categoria de análise cultural assentada nas construções sociais e culturais do sexo.

A utilidade do conceito relacional de gênero (gender) consiste em mostrar que não existe um mundo das mulheres separado do mundo dos homens. Usar o conceito de gênero leva-nos então a rejeitar a ideia de esferas separadas determinadas pelo corte de sexo. O gênero é uma posi- ção social relativa que não está construído sobre a categoria natural de “sexo”. O conceito emerge de feministas acadêmicas inglesas, justamen- te num momento de crise do paradigma científico vigente, momento de transição para narrativas literárias a partir do “des-disciplinamento” culturalista das ciências sociais do declínio dos paradigmas, com aban- dono da pretensão de cientificidade – pelo menos nos termos clássicos. O saber sobre a literatura passa a ser o paradigma das ciências sociais, daí o uso de termos como “discurso”, “texto”, “narrativa” para referir-se e refletir-se sobre o mundo. Soma-se a isto o projeto desierarquizan- te e desconstrutivista de Derrida com a crítica aos binarismos: texto/ contexto, ficção/realidade, real/imaginário e homem/mulher.

Fazendo uma revisão da produção cientifica com intento de esbo- çar as redes de referências em termos de linhas de pensamento, posição teórica dos trabalhos mapeados e com objetivo de realizar um percurso crítico que permita fazer interpretações e considerações na configu- ração panorâmica de um temática, evidenciou-se pelo menos, grosso modo, quatro grandes orientações nos estudos de audiovisual com recorte em estudos de gênero. A primeira recai sobre a análise fílmica/ análise da tela com destaque para análise do protagonismo feminino dentro de um marco de transitoriedades e hibridismo do cinema e do audiovisual; uma segunda, que trabalha a representação do feminino nos meios de comunicação; uma terceira, e mais expressivas em termos quantitativos de trabalhos, que se orienta para os estudos da recepção e das experiências do sujeito frente ao audiovisual; e uma última, que se volta aos estudos do corpo, moda e consumo feminino. Este agrupa- mento comporta as limitações típicas de qualquer revisão bibliográfica em um campo atravessado por indefinições teóricas e metodológicas sem problematização na área da teoria do cinema ou da Comunicação,

e ainda com conhecimentos de diversas ordens e entre conceitos e teorias que ganham sentido em função de valores ativados por subjeti- vidades como experiência do sujeito, curiosidade, militância, formas de pertencimento e exclusão. Enfim, desafios que conformam e projetam a forma como foi incorporado (ou marginalizado) os estudos feministas e de gênero no domínio dos estudos da Comunicação e, particularmente, do audiovisual.

O SUJEITO – RECEPTOR E A(S) EXPERIÊNCIA(S) DO CINEMA, TELEVISÃO E MÍDIAS SONORAS

Os estudos de audiovisual e recepção com recorte nos estudos de gênero e na crítica feminista privilegiam as conexões entre Comunicação e cultura e busca, sobretudo, capturar a(s) experiência(s) dos sujeitos, das audiências e receptores, levando em consideração o deslocamento dos meios e sua presença na vida cotidiana; as formas de mediação que se estabelecem entre sujeito e mensagem; e, ainda, os processos de hibridismo cultural (GARCÍA CANCLINI, 1989), desafiando a noção de que os sistemas de comunicação global subjugam cidadãos, sexos, territórios, nações e paradigmas teóricos.

No inventário de teses, dissertações e papers, estes trabalhos arti- culam experiências culturais e fatos sociais específicos e substantivam a análise cultural porque passam a evidenciar as complexas conexões entre meios de comunicação/cultura cotidiana e os processos de inter- mediação, trânsitos e traduções que dão sentido a vida social. Estes estudos no território da crítica feminista e dos estudos de gênero permi- tem que análises de experiências empíricas de grupos e coletividades de mulheres avancem o conhecimento mostrando as diferenças entre as mulheres. As análises empreendidas permitem singularizar a diver- sidade cultural entre as mulheres e colocam em relevo a diferença, acentuando a falácia de um sujeito mítico e universalizante que estava na base da crítica cultural feminista dos anos 1960 e 1980, que ocultava as diferenças existentes entre as próprias mulheres e entre mulheres de classes e países distintos.

Estes estudos substantivam o deslocamento da diferença entre homens e mulheres e exigem um debate sobre a diferença desde a pers- pectiva da experiência vivida do(s) diversos sujeitos em suas relações com os produtos culturais e com a vida cotidiana.

Com proposta interdisciplinar, essa orientação de pesquisa do cinema e do audiovisual encontra campo de reflexão teórica expressi- vo na América Latina. Martin-Barbero, García Canclini, Orozco, Neto, Jacks, Ortiz, Lopes2 são alguns nomes, ao identificarem razões teóricas, experiências culturais e fatos sociais que se entrecruzam, catalisando um novo sentido para se compreender e interpretar os processos de comunicação/mediação/consumo nas sociedades contemporâneas latino-americanas. A recepção não se conforma apenas como uma etapa do processo de comunicação; mas se edifica como um lugar novo, de onde devemos pensar e repensar a pesquisa em comunicação sobre quatro grandes princípios: o estudo da vida cotidiana; estudos sobre consumo cultural; os estudos sobre estética e semiótica da leitura e os estudos sobre história social e cultural dos gêneros. (MARTÍN-BARBE- RO, 1995, p. 58)

No domínio dos estudos da recepção e da experiência dos sujeitos sob a égide dos estudos críticos do audiovisual se edificou a verten- te do Feminist Television Criticism. (BRUDSON, 1997) Estes estudos, desenvolvidos especialmente nos Estados Unidos e Grã-Bretanha, produziram investigações criativas de base empírica e complexa ressal- tando a relação entre recepção de cinema e televisão e construção de identidades – Charlotte Brundson (1993) Ângela Mac Robie (1986) e Mary Brown (1990) –, os estudos sobre gêneros cinematográficos e, particularmente, a comédia e as formas de interação com a audiência feminina – Patrícia Mellencamp (1985), Tania Modlesky (1990) – e, ainda, sobre diversas representações de gênero na cultura jovem femi- nina – estudos da recepção de produtos/fenômenos midiáticos como Madonna, seriados Dallas e A feiticeira e o programa Oprah Winfrey

Show, de personagens de soap opera (novela) do horário nobre da tele-

visão americana – Annette Khun (1984), Ellen Wartella (1986) e Sonia

Livingstone (1988) – para ressaltar autorias mais utilizadas nos traba- lhos acadêmicos inventariados.

De modo geral e, especialmente, entre os estudos feministas e de gênero, observa-se que essas pesquisas apresentam um hibridismo de metodologias e instrumentos de coleta, análise e interpretação de dados favorecendo a interlocução da comunicação com outras disci- plinas implicadas no processo cultural (antropologia visual, sociologia do trabalho, religião e religiosidades, psicologia do consumo, historia cultural) e com uso de recursos das tecnologias de informação para captar interações e usos dos receptores. Entretanto, nos estudos femi- nistas de audiovisual, esta vertente teórica e metodológica se distingue pelo lugar em que se observam as coisas e as relações entre elas nas sociedades contemporâneas e globalizadas. Ainda assinala-se o uso do conceito de mediação e os usos sociais dos meios para deslocar os estu- dos de recepção dos estudos de análise de consumo cultural.

Ressalta-se que, nestes trabalhos, imprime-se a complexidade do processo de comunicação mediado por dinâmicas interindividuais, grupais, etárias; de texto e contexto, e de formas de codificação e deco- dificação de mensagens. Em outras palavras, com clivagens teóricas distintas, os estudos de recepção audiovisual com recorte em gênero debruçam-se sobre a dimensão qualitativa, plural e heterogênea dos processos de produção, circulação e consumo de bens simbólicos nas sociedades midiáticas.

Na revisão da bibliográfica, tomei como critério de classificação trabalhos que contemplavam o estudo da recepção dentro de um pano de fundo que tinha como recorte um quadro de referência em que se observa um conjunto de elementos e referências do próprio estoque simbólico e cultural do sujeito. Registra-se que alguns trabalhos de estu- dos de recepção com recorte em gênero apresentam formas criativas de coleta e análise de dados ampliando a dimensão da sociabilidade, da ritualidade e da tecnicidade. As análises e interpretações mostram uma multiplicidade de modos e sentidos em que a coletividade se faz e se recria, sublinhando a diversidade cultural e as formas polissêmicas da interação social. Articula as inovações discursivas enfatizando novas

formas de contrato comunicativo promovido pelo desenvolvimento tecnológico dos meios de comunicação.

No Brasil, mesmo com o sucesso das telenovelas, a academia levou cerca de algumas décadas para começar a refletir sobre o lugar ocupado por este formato audiovisual na cultura brasileira e na vida cotidiana dos receptores. Apesar da presença da televisão e das telenovelas no cotidiano feminino de todas as classes, ainda podemos dizer que é um campo em construção dentro dos estudos do audiovisual.

Em sua pesquisa de tese de doutorado transformada no livro O

Brasil antenado: a sociedade da telenovela, Hamburguer (2005), anali-

sando várias telenovelas em perspectiva, em paralelo às alusões a processos sociais e políticos, afirma que é possível detectar uma traje- tória de liberalização crescente dos papéis femininos. Ao longo dos anos, as personagens da telenovela passaram das mulheres casadoras e mães em potencial a mulheres que se dispunham a seguir seus próprios caminhos. A autora observa que as protagonistas podem se casar em segundas uniões, vivenciarem o sexo sem casamento ou procriação. Entretanto, adverte que o termo feminista não é mencionado para designar mulheres que se opõe ao machismo, preferindo as telenovelas e seus receptores denominar de “mulheres fortes”. As telenovelas, assim, ampliam o espectro de possibilidades para as mulheres, entretanto, não há problematização das relações de gênero propriamente ditas. A distribuição de tarefas domésticas e criação dos filhos, por exemplo, é tema delicado no universo das relações de gênero e não é abordado nas telenovelas. A valorização do feminino se dá pela inserção da mulher no mercado de trabalho, mas a ênfase situa-se na ampliação do que é permitido.

Ainda, no campo dos estudos de recepção a dissertação de mestrado

Representações das identidades lésbicas na telenovela Senhora do Desti- no, apresentada ao Programa de Pós-graduação em Comunicação da

UnB em 2006, estuda como são construídas pela ficção seriada brasileira contemporânea, as identidades do casal de lésbicas analisando como este produto cultural – telenovela das 20h da Rede Globo – mediou os debates sobre o tema analisando os discursos travados por um grupo de telespectadores em uma comunidade virtual na internet, destinada

a comentar o romance vivenciado pelo casal Eleonora e Jenifer durante todo período em que foi ao ar, ao longo de oito meses.

Em criativa metodologia, as cenas da telenovela foram reunidas em um programa de Adobe Premier, agrupadas em ordem cronológica; condensando a narrativa em um vídeo com duração de 5h4m. De posse deste repertório audiovisual, um roteiro foi elaborado com questões