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3.3 O ALIENISTA

3.3.1 Estudos sobre O Alienista

“Isso de estudar sempre, sempre, não é bom, vira o juízo”50

Não é raro encontrar estudiosos que se refiram ao conto O Alienista como novela. Tal fato se dá pela proximidade existente entre essas duas formas pertencentes ao gênero da prosa. Uma dos modos mais de diferenciá-los é o que leva em consideração a extensão do texto; assim, o conto possui um máximo de cem páginas, e a novela se situa entre cem e duzentas páginas. No entanto, não se considera correto classificar uma obra com base apenas em sua forma de veiculação, visto que o número de páginas depende das escolhas gráficas do projeto, como as dimensões da tipografia e do formato do suporte.

De acordo com Moises (1973, p.116), “é certo que o conto possui reduzida dimensão, mas em decorrência de fatores internos, intrínsecos: os contos não são contos porque têm poucas páginas, mas, ao contrário, têm poucas páginas porque são contos”. Dentre estes fatores internos, se encontra a necessidade de haver apenas um núcleo de ação, além de poucas (ou apenas uma) personagens principais. Assim, este estudo considerará O Alienista como um conto, e o fará com base em seu núcleo de ação, que gira em torno exclusivamente da Casa Verde, e na existência de apenas uma personagem principal, que é Dr. Simão Bacamarte.

A reflexão feita sobre a prática científica e tecnológica não é fruto apenas do século XXI. Já no século XIX havia a preocupação em se estudar e minimizar os efeitos que a ciência e a tecnologia podem gerar se estiverem em dissonância com os interesses sociais. Ao colocar Dr. Bacamarte como um homem que devota sua existência à ciência, Machado de Assis procura demonstrar que os ideais progressistas do século XIX desconsideravam que o progresso necessita não apenas da racionalidade científica, mas também das interações sociais.

Para Muricy (1986, p.16), O Alienista critica os “mitos que ajudavam a implantar no século XIX os mecanismos de normalização da vida social brasileira”, que, segundo a autora, são: a crença evolucionista no progresso, as ilusões do

49 Op. Cit. p. 88 50 Op. Cit. p. 16

cientificismo e a pretensão humanista do pensamento liberal. Sendo assim, a crítica da obra machadiana é direcionada especialmente à racionalidade burguesa do século XIX.

A partilha entre normalidade e insanidade que é representada no conto “tece a metáfora de uma sociedade que procura a sua identidade nos traços modernos das sociedades industriais desenvolvidas na Europa, esse espelho onde não cessa de se mirar e se perder” (MURICY 1986, p.19).

Segundo Teixeira (2008, p.61), uma das possíveis interpretações de O Alienista é a compreensão deste como uma “imitação burlesca da história do mundo, particularizada no pastiche do processo de hierarquização de uma pequena cidade do interior no Brasil”. A autora afirma que o conto pode ser considerado uma resposta alegórico-humorística a questões desencadeadas por três séries de eventos importantes do Segundo Reinado: as dissidências entre o Estado e a Igreja, postas em evidência pela Questão Religiosa; a consolidação da prática psiquiátrica no Brasil, observada a partir da criação do Hospício Pedro II; e a ameaça à unidade do império brasileiro, motivada, sobretudo, pelas revoltas do período regencial.

Para Marcondes (2008, p.237), “nada permanece em pé depois da leitura de O Alienista. Sob a pena de Machado de Assis, o medíocre ambiente da pequena cidade de Itaguaí ganha foros de universalidade, arremedando instituições, governos e até mesmo a Revolução Francesa”. Embora se possa afirmar que Itaguaí é uma metáfora do Rio de Janeiro, deve-se também considerar que a crítica à racionalidade científica e à falta de humanidade do progresso não são exclusividades da Capital Federal.

De acordo com Souza (2004, p.90), “o Dr. Bacamarte, enquanto incorporação da racionalidade científica, representava a possibilidade de trazer para a pequena Itaguaí as luzes do intelecto humano capazes de dar solução concreta para o até então insolúvel problema da loucura”. E diante da possibilidade de ser “iluminada”, a sociedade de Itaguaí reage da mesma forma que a sociedade “real”: uma parte aceita a luz da razão sem nenhuma crítica e nenhuma reflexão, enquanto a outra parte prefere manter-se na penumbra, a fim de analisar se é necessário e possível ser iluminada.

O conceito de neutralidade da ciência pode ser observado no fato de o médico ter internado sua própria esposa no asilo; conceito esse que, segundo Souza (2004, p.92), “se baseia na perspectiva de que há uma ordem na natureza que se dá totalmente independente da intervenção humana, ordem essa que cabe à ciência apreender e cuja neutralidade do operador, nesse caso o cientista, certifica sua legitimidade”.

Para Lima (1991, p.11), “o tema central de 'O Alienista' - que é afinal a loucura - não é apreensível sem que se compreenda a articulação estabelecida entre três variáveis: ciência, linguagem e poder”. Em concordância com essa afirmação, pretende-se, no capítulo terceiro - no qual serão propostas algumas análises das adaptações do conto para os quadrinhos - tratar dessa articulação entre ciência, linguagem e poder, pois o diálogo entre essas instâncias foi a forma encontrada por essa pesquisa para que se possa discutir as relações existentes entre tecnologia e sociedade.

4 LINGUAGENS EM DIÁLOGO

Após terem sido tecidas as reflexões sobre os aspectos sociais, culturais e históricos que permeiam esta pesquisa, este capítulo se propõe a tratar da estrutura das linguagens às quais pertencem os objetos de estudo escolhidos. Para tanto, pretende-se separá-lo em subseções, na tentativa de estudar cada uma das linguagens de forma separada, recuperando seu desenvolvimento histórico, e descrevendo sua estrutura formal, para, em seguida, perceber de que modo elas dialogam nas adaptações literárias para os quadrinhos.

Após o reconhecimento das estruturas próprias de conto, história em quadrinhos e adaptação literária, pretende-se analisar alguns aspectos narrativos de O Alienista, para que se possa, posteriormente, buscar uma alternativa de conceituação das adaptações, e procurar solucionar o problema da pesquisa em questão.

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