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Estufa de assentados/as do Itapuí Crédito: Arquivo pessoal dos/as assentados/as.

FAZENDA ANONI: A ORIGEM DESSA MEMÓRIA

Foto 6: Estufa de assentados/as do Itapuí Crédito: Arquivo pessoal dos/as assentados/as.

Durante a pesquisa, não foi possível construir nenhuma ide- alização sobre Itapuí. Não há produção coletiva na área agrícola. O assentamento tem hoje apenas um grupo mais coletivo na comunida- de de cima do assentamento que trabalha com um coletivo que planta arroz. Os demais são agricultores que já tentaram a formação de gru- pos coletivos, mas hoje plantam individualmente. No conjunto dessas tentativas, Itapuí se denomina lugar de erros que foram importantes para outros assentamentos. “Quando a gente não conseguiu manter o sistema cooperativado, as associações copiaram as nossas diiculda- des aqui para fazer funcionar.” (ELIAS, entrevista, 2011).

Foram essas constatações que me levaram a compreender que as tentativas de construção coletiva do assentamento Itapuí repre- sentavam a força desse movimento num assentamento que fez 25 anos em 2012 e que, no decorrer de sua história, mesmo construída a partir de comunidades fragmentadas que passaram por diversos processos de migração, prevalece um espírito de solidariedade e ten- tativas de construção de uma vida comunitária e coletiva.

Olha, acho que a maior diiculdade que nós enfretemo, é que a gente, não é preparado pra administrar né. E aí com isso, como a gente não tem preparação pra administrar um grupo maior, que teria que ter pras famílias sobreviver e avançar e progredir al- guma coisa. Teria que se organizar e produzir uma renda maior. E nós, praticamente dentro do grupo, nós fracassemo nisso, tanto é que, depois de um eerto tempo, a gente se individualizou (GILBERTO, entrevista, 2011).

Por não encontrar cooperativas em Itapuí e por essa existir no assentamento vizinho, o assentamento Capela (de 17 anos de origem), encontrei na fala de Gilberto, produtor agrícola do Itapuí, uma chama de coletividade que não percebia em exemplos mate- riais, mas que se revelava nas subjetividades e nas dimensões sim- bólicas das vivências dos assentados/as:

A gente trabalha junto né? Assim, cada um no seu lote, comer- cializa junto, idealiza junto, vem junto pra feira. A gente é organizado na comercialização, no transporte por exemplo. Tem uma associação lá pra gente comercializar e vir pra feira (GILBERTO, entrevista, 2011).

A fala de Gilberto, assentado e produtor orgânico, respondeu- -me, já nos últimos dias da pesquisa, uma interrogação sobre a cole- tividade possível nesta história, entrecortada por tantas outras traje- tórias de sujeitos individuais e de um movimento que tem tantas de- mandas a enfrentar. O MST não desaia apenas a Reforma Agrária, mas uma política de educação, o mercado de produção alimentar fortemente estabelecido a partir de produção química e do uso de agrotóxico, bem como uma política de comunicação, que é ques- tionada dia a dia pelo setor de comunicação do movimento. Esta se concretiza também pela luta que o movimento faz em implantar rá- dios comunitárias e procurar construir seus meios de comunicação, mesmo que esses tenham seus limites de produção e de circulação. A trajetória de Itapuí revela apenas as contradições desse sujeito co- letivo que é tratado enquanto movimento e procura construir uma

identidade mais homogênea e de caráter coletivo para estabelecer um diálogo externo, mas que, internamente, se estabelece a partir de estratégias mais heterogêneas e identidades múltiplas.

A escola Nova Sociedade

Desde o primeiro momento que parto para campo, a escola Nova Sociedade, outra marca da identidade do assentamento Itapuí, aparece de forma expressiva, ao contrário de outros dados que apareceram em di- mensões tímidas, as quais minha percepção foi captando através de ges- tos, fotograias e narrativas dos assentados/as. No primeiro contato que tive com a escola e nas primeiras imagens que percebi desse lugar, como descrevi antes, a ideia que passo a ter é de uma escola revolucionária, uma espécie de mídia do MST, principalmente pelo arsenal de fotograias que traz em suas paredes. Entretanto, nas narrativas e observações que colhi ao longo da pesquisa de campo, a escola me aparece como instru- mento de reatualização da memória, mas também de uma instituição que atravessa mudanças e se encontra mais distanciada do MST, diferente do seu período de surgimento e fundação pelos assentados/as na origem do Itapuí. Parece-me que, nesse processo, a escola não exerce sozinha o repasse de memória. A fala de Cristovão, ao inal da pesquisa, me faz comprovar que esta instituição precisa de apoios como: o das famílias e do MST. Cristovão é neto de dona Tânia. O jovem não sabe muita coisa sobre a história do assentamento. Não sabe o nome da fazenda Anoni e não conhece quase nada da vivência da avó. Certamente, a escola não pode ser responsabilizada pelos fatos que Cristovão desconhece. No con- junto de fatores que podem vir a compor a atualização da memória, tem- -se a mediação da família, as diiculdades históricas do assentamento e outros fatores, certamente. No entanto, mesmo com essa lacuna, que não ocorre nem é vivenciada apenas por Cristovão, a escola Nova Sociedade teve seu papel para os assentados em Itapuí. A instituição é lembrada por muitos como uma das conquistas mais importantes do lugar, citada sem- pre junto com a conquista da terra: “A luta da educação começou desde o início da ocupação, quando a gente ocupou; um dos objetivos é garantir educação para os nossos ilhos” (GILDA, entrevista, 2011).

A escola Nova Sociedade foi criada em 1990, mas, antes de sua oicialização, há um intenso processo de luta do qual participa- ram pais, ilhos e dirigentes do MST.

Desde que chegamos aqui, construimo primeiro uma casinha de madeira com a contribuição de todas as famílias né. Um dava uma folha de brasilite, uns davam um pouco de madeira e nós construimo uma casinha e naquela casinha continuamo dando aula né. Em dois ano, nós conseguimo o projeto da escola. Daí construíram a escola. Daí, a escola teve sequência, tendo até ter o primeiro grau completo (JANETE, entrevista, 2011).

Eu tô desde o primeiro tijolo, até a conquista do ensino médio, que foi uma das boas conquistas da escola Nova Sociedade, foi trazer o ensino médio aqui pro campo né, No interior e bem estruturado. O ensinamento está bem estruturado né (CLÉCIO, entrevista, 2010).

Houve momentos em que a escola já representou um lugar mais importante de identiicação com o assentamento, pois realizava, in- clusive, em parceria com os pais, acampamentos com os alunos e di- fundia a história do MST. No entanto, essa função tem se modiicado.

Foto 7: Acampamento de estudantes da escola Nova Sociedade.