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3.3 Análise do editorial “Desmandos sem fim”

3.3.1 Análise do primeiro parágrafo

3.3.1.2 Etapa 4 Análise da argumentação

A seguir, procederei a identificação da estrutura do editorial em termos de elementos do argumento, segundo o esquema de Toulmin (1958), para a detecção de possíveis entimemas (argumento incompleto) e falácias (argumento insuficiente).

Reivindicação É espantoso que petistas estejam envolvidos em mais

um desmando gravíssimo.

Dados

Depois do episódio Waldomiro Diniz, do escândalo do mensalão, dos dólares no baixo-ventre e da devassa na vida privada de um caseiro.

Garantia Esses fatos estão documentados.

Qualificação O envolvimento do PT é qualificado pela expressão:

“É espantoso”.

Avaliação da Argumentação - Argumentação válida.

Quadro 3.3 - Argumentação (1º período do 1º parágrafo)

O editorial inicia-se apresentando episódios anteriores e, portanto, de conhecimento do público leitor, todos amplamente noticiados pela mídia, e que servem como Dados para a Reivindicação de que “petistas estão envolvidos em mais um desmando”. Os episódios que compõem os Dados tiveram evidências - gravações e documentos coletados pela polícia e até prisões midiadas - investigadas e julgadas ou em julgamento, que garantem a Reivindicação. Assim, verifico que o autor inicia o parágrafo com uma argumentação legítima, amparada em Dados e Garantia. Passamos a analisar o segundo período do primeiro parágrafo:

Reivindicação

As primeiras investigações sobre a compra de informações envolvem o Partido dos Trabalhadores e um assessor direto do presidente da República.

Dados As investigações.

Garantia Não há Garantia, pois as investigações não foram

concluídas.

Qualificação Não há Qualificação explícita.

Avaliação da Argumentação - A argumentação baseia-se em um entimema (Toda investigação é garantia, e no caso, garantia de que o PT está envolvido.)

Quadro 3.4 - Argumentação (2º período do 1º parágrafo)

Da mesma forma que no primeiro período do parágrafo, aqui também há uma Reivindicação calcada em Dados que indicam o envolvimento do PT, apontando, ainda que indiretamente, para a figura do presidente da República. Quanto à Garantia, não há, pois as investigações não passam ainda de uma tentativa de elucidação.

3.3.2 Análise do segundo parágrafo

O segundo parágrafo é composto de dois períodos que apresento separadamente no Quadro 3.5.

3.3.2.1 Etapa 3 - Exame da avaliatividade

Vejamos no Quadro 3.5 as escolhas léxico-gramaticais que considerarei na análise do segundo parágrafo:

A impressão é que a seqüência de escândalos que varreu as cúpulas do governo federal e do PT não-Avalizado Token não-Esperável não-Desejável Token não-Desejável em pouco mais de um ano não foi capaz de mudar comportamentos.

Token não-Esperável Token não-Esperável Token Desejável

Nem cogitações maquiavélicas acerca dos riscos evidentes de manobras escusas não Desejável Token não-Necessário não-Desejável às vésperas de uma eleição em que Luiz Inácio Lula da Silva

Token Significativo

tem grandes chances de ser reconduzido ao Planalto parecem prevalecer. Graduação Esperável não-Avalizado Quadro 3.5 - Análise das Dimensões Avaliativas (2º parágrafo)

O primeiro período do segundo parágrafo faz um comentário, reiterando a repetição não-Esperável de fatos desabonadores envolvendo membros do PT. O segundo período refere-se às “manobras escusas” (avaliador não-Desejável) que o PT estaria fazendo para incriminar os dois candidatos do PSDB.

Dimensão Desej Aval Neces Esper Signi Compr Humor

Polaridade P N P N P N P N P N P N P N Total (%) 0 3 0 2 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 6 Explícito por dimensão 0% 23% 0% 15% 0% 0% 8% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 46% 1 1 0 0 0 1 0 3 1 0 0 0 0 0 7 Implícito por dimensão 8% 8% 0% 0% 0% 8% 0% 22% 8% 0% 0% 0% 0% 0% 54% 1 4 0 2 0 1 1 3 1 0 0 0 0 0 13 Ocorrências por polaridade 8% 31% 0% 15% 0% 8% 8% 22% 8% 0% 0% 0% 0% 0% 100% Tabela 3.2 - Freqüência das Dimensões Avaliativas (2º Parágrafo)

O segundo parágrafo, fazendo referência a dois fatos desabonadores realizados por membros do PT, apresenta 31% de ocorrências da dimensão Desejável negativa, das quais 23% são explícitas, já que calcadas em fatos comprovados. Aqui há três menções de Esperável negativa (22%), denotando surpresa do editorialista frente à repetição de desmandos (e.g. “a seqüência de escândalos”, “em pouco mais de um ano”, “não foi capaz”). Notemos também a alta porcentagem de 15% de Avalizada negativa que demonstra o cuidado do editorialista quando se refere às possíveis conseqüências desses fatos concretos, ainda sob investigação (e.g. “a impressão”, “parecem prevalecer”), ao contrário do seu posicionamento com referência aos fatos em si, que expressos por léxico- gramática de Desejável negativa (e.g. “escândalos”, “manobras escusas”).

3.3.2.2 Etapa 4 - Análise da argumentação

Vamos examinar agora a argumentação contida no segundo parágrafo do primeiro período, segundo o esquema de Toulmin (1958):

Reivindicação A impressão é de que a seqüência de escândalos não foi

capaz de mudar comportamentos.

Dados Escândalos que varreram a cúpula do governo federal e

do PT.

Garantia Não há, pois a reivindicação apóia-se na ‘impressão’ do

editorialista.

Qualificação “Escândalos”

Avaliação da Argumentação - Argumentação não se sustenta pois não há Garantia.

Quadro 3.6 - Argumentação (1o período do 2º parágrafo)

A expressão “A impressão” denota diminuição no tom monoglóssico adotado até então pelo editorialista. Notemos que essa expressão não se refere aos desmandos, já documentados, mas ao cuidado que o editorial toma em relação à questão da mudança de comportamentos. O editorialista pode ter certeza de que não houve mudança de comportamento, mas para não correr riscos de ser acusado de emitir opiniões sobre episódio ainda não comprovado, não afirma categoricamente esse fato, utilizando-se do termo ‘impressão’. O que - em termos de avaliação implícita cumulativa - pode ser registrado são duas coisas: (a) o texto, mesmo com esses cuidados, menciona os fatos, num processo de ‘contrabando de informação’ (Luchjenbroers & Aldridge, 2007); (b) assim, como o autor quer convencer o leitor a respeito dos desmandos do PT, mas ainda só conta com fatos não comprovados, acaba adotando uma linguagem a cada passo mais vaga.

No segundo período desse mesmo parágrafo, a argumentação segue o seguinte esquema:

Reivindicação Nem cogitações maquiavélicas acerca dos riscos

evidentes de manobras escusas parecem prevalecer.

Dados Riscos evidentes de manobras escusas.

Garantia

Os dados não são garantidos, pois não passam de ‘riscos de manobras’ projetados através de processo mental (cogitar).

Qualificação “Maquiavélicas”, “escusas”.

Avaliação da Argumentação: A argumentação apóia-se em Garantia frágil.

Essa Reivindicação contém cogitações que o editorialista faz sobre a manobra em questão, da tentativa de compra de informações. Quanto ao Dado apresentado para fundamentar a Reivindicação, por não passar de uma tentativa, não pode ser tomado como ponto de partida para passar à Reivindicação. Efeito semelhante ocorre com o qualificador “parecem” - ele limita a força argumentativa da Reivindicação.