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1.8 A cripto-argumentação ou a argumentação secreta

1.8.1 A fusão dos modos textuais no editorial

Também Reynolds (2000) busca mostrar como a textura do discurso é criada por meio da mistura de modos textuais, no contexto do gênero, focando em editoriais de jornal, todos sobre o tema “eleições gerais britânicas de 1997”, publicados em jornais normalmente considerados como representativos de diferentes visões políticas, The Times (direita) e The Guardian (centro-esquerda).

Se a língua e o gênero juntos fornecem a estrutura do discurso, diz Reynolds, então eles são realizados como textura. Textura é a instanciação no discurso de duas ordens virtuais de estrutura, ou seja, a estrutura lingüística e a estrutura genérica (Reynolds, 1997). Textura é um conceito funcional que inclui a coesão descrita pelos lingüistas sistêmico-funcionais, tais como Halliday & Hasan (1976, 1989) e Martin (1992), mas também e, mais Importância, a coerência que eles

tendem a explicar. Para Reynolds, (2000) a textura é o resultado da mistura de modos textuais, que juntos compõem o discurso e correspondem a funções para as quais precisamos e usamos a língua.

Reynolds (2000) distingue três modos representacionais: “narrativo” (contar histórias), “descritivo” (dizer como as coisas são) e “argumentativo” (expressar opiniões e crenças e tentar persuadir os outros a respeito dos pontos de vista do autor). Há também três modos interpessoais: diretivo (contar aos outros como, quando e/ou onde fazer algo), intencional (anunciar planos e intenções, e expressar compromisso de ação) e fático (estabelecer e manter contato com os outros); além de um modo metadiscursivo, o modo reflexivo, no qual se faz comentário sobre o discurso, o do autor e do outro. No caso do editorial de jornal, afirma o autor, o foco está nos modos representacionais.

Diz ele que, embora esses termos – “narrativo” e “argumentativo” – sejam regularmente usados como termos para gêneros, o argumento aqui é que eles não são “gêneros” por si, mas descritores dos modos que combinam para formar gêneros. Esses modos são a realização de amplas funções para as quais precisamos usar a língua. A combinação de modos textuais, contudo, não acontece ao acaso. Em gêneros específicos, como resultado da exigência, ou do motivo social (Miller, 1984), da ação retórica que está sendo praticada, um ou outro modo será predominante, e.g. narrativo para contar uma brincadeira ou um caso, argumentativo em artigos acadêmicos ou discurso judiciário. É a percepção comum dessa predominância que leva as pessoas a falar em “gênero narrativo” ou “gênero argumentativo”. Reynolds (2000) alega que todo discurso toma uma forma genérica particular que é realizada como alguma combinação – embora não em um feitio estatisticamente previsível – de modos textuais.

Em termos do modo textual, o editorial é, por conseguinte, predominantemente, um modo argumentativo fundido com a narrativa e a descrição. A razão para tal fusão deriva da necessidade de apoiar o argumento com evidência.

O ponto de vista do narrador introduz sempre e imediatamente o potencial de argumento, de discurso persuasivo. Contudo, admite Reynolds, nem sempre é fácil distinguir com absoluta certeza entre narrativa e descrição. (De fato essa dificuldade foi constada em minha análise. Tanto é que a análise nesses termos – embora

iniciada – foi descartada. Acredito que a caracterização mais efetiva desses modos textuais poderá, no futuro, possibilitar essa distinção.)

Reynolds (2000) liga o modo argumentativo com o modelo retórico de argumento de Toulmin (1958), que acredito poder contribuir de maneira efetiva no estudo dos editoriais que aqui faço. Esse modelo é aplicado por Lauerbach (2007), em sua análise de uma entrevista em um programa do que se convencionou chamar de talk show. Embora a análise trate de um diálogo, a autora afirma que a argumentação também pode ocorrer em discurso monológico ou em texto. Oradores e autores podem apresentar questões retóricas e então ir adiante e respondê-las eles próprios. Dessa forma, eles podem construir seus argumentos em torno de possíveis objeções antecipadas de uma audiência ou de leitores projetados. Já que interactantes podem fazê-lo também dentro de suas contribuições para argumento dialógico, é claro que o argumento monológico pode ser encaixado dentro de argumento dialógico (van Eemeren & Grootendorst, 1992; Walton & Krabbe, 1995; van Eemeren et aI., 1997, 2002).

Assim, a seguir, apresento em linhas gerais as idéias da autora, ou seja, de como ela investiga as inferências que subjazem a uma argumentação.

1.8.2 O contrabando de informação

O termos “contrabando de informação” (Luchjenbroers 1993, 1997, apud Luchjenbroers & Aldridge, 2007) é usado para descrever a inserção de uma informação de forma subreptícia na declaração. Segundo Luchjenbroers & Aldridge (2007), as representações inspiram modelo de base positiva ou negativa que os ouvintes precisam para avaliar as ações e possíveis motivos dos participantes. Para tanto, o enquadre semântico (Fillmore, 1975, 1982; Minsky, 1975) é um dos instrumentos teóricos usados para apreciar a força inferencial de tais modelos de base. Os enquadres são conjuntos de informações aceitas culturalmente que envolvem qualquer termo lexical. Para as autoras, a adequação do enquadre escolhido é também muito Importância para “contrabandear uma informação”.

Componentes adicionais de significado são derivados dos enquadres de referência associados com cada escolha lexical, i.e., cada escolha desencadeia uma

rede mais ampla de associações prototipicamente presentes no uso desse termo. O acesso do interlocutor a essas associações depende de sua experiência e compreensão das normas sociais das quais as escolhas lexicais são derivadas.

Do ponto de vista da lingüística/semântica cognitiva do significado lexical, o significado é “enciclopédico” por natureza: o sentido de uma palavra não está divorciado do seu contexto de uso. Assim, o significado lingüístico está codificado na memória como um tipo de rotina cognitiva que se apóia em experiências do mundo, e a ativação de um conceito desencadeia os conceitos relacionados na memória. As associações que o falante traz para o discurso nos descritores que ele usa para falar sobre pessoas, ações e eventos influenciam (com o óbvio intento de manipular) o modo que os ouvintes avaliam a informação que lhes é apresentada.

Assim, segundo a proposta de Luchjenbroers & Aldridge (2007), uma vez que um enquadre é acessado, todas as informações associadas relevantes a esse enquadre e traços contextuais adicionais ficam imediatamente disponíveis para inferências suplementares.

E, outro ponto importante dessa proposta é que, juntamente com cada enunciado que produzimos, podemos ativa ou inconscientemente deixar pistas para a audiência sobre como percebemos as pessoas, ações e eventos no mundo que nos cerca. Mais ainda, cada escolha lexical ativa que fazemos revela mais diretamente como encorajamos os outros a pensar sobre certas pessoas, ações e eventos.

Luchjenbroers & Aldridge (2007) tratam também da questão da validade do enquadre associado a um enunciado, ou seja, de o enquadre apropriado ser ou não desencadeado. Infelizmente, dizem elas, não se pode esperar que todos os leitores sejam críticos e analíticos a respeito do que ouvem, e isso os torna presas fáceis de manipulações de certas escolhas lexicais feitas obviamente com esse intuito.

O item seguinte, que trata da política do ‘apito de cão’, mostra o processo cumulativo da avaliação que leva as pessoas a aceitar uma informação contrabandeada.