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ETHOS DESTERRITORIALIZADO

No documento Download/Open (páginas 106-115)

Pelo fato de o indivíduo estar realizando intercâmbio estudantil em um outro país, ele está desterritorializado. Existem todos os hábitos, valores, vivências que foram adquiridos durante os anos e ele precisará mudar alguns costumes para se adaptar na sua nova vida. Conforme Alvarez e Passos (2009), após a habitação da cidade, novos hábitos vão sendo engendrados através de experiências concretas e as generalizações vão se encarnando em novas ideias e conceitos corporificados.

Durante todo esse processo existe a questão de adaptação e até de alguns choques culturais. No sentido mais amplo, a adaptação se refere a mudanças que acontecem em indivíduos ou grupos em respostas às demandas ambientais (BERRY; SAM, 1996).

E, com isso, o processo de mudança que ocorre durante e após a viagem até para desenvolver novos aspectos na identidade. A identidade plenamente identificada, completa, segura e coerente não existe. Ao invés disso, na medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma pluralidade desnorteante e mutante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar - ao menos temporariamente, segundo Hall (2006).

É interessante observar que muitas vezes existe um repertório e um imaginário criado a respeito de um lugar e das pessoas que o habitam – até também um próprio preconceito (um conceito pré-estabelecido) que muitas vezes é confirmado ou alterado depois de passar por algumas situações. No dizer de Maingueneau (2013, p. 30), é importante destacarmos o papel desempenhado pela memória, pois nem sempre aquilo que está em nosso repertório, “nosso conhecimento de mundo – saberes compartilhados anteriores à enunciação” repercute de forma similar quando nos deparamos com determinada situação.

Todavia, durante a própria estadia do intercambista em outro país, além de todo o aprendizado, novos amigos, comidas, animais, locais, culturas e clima, existem as raízes que constituem a formação dele. Então, em muitos momentos ele se vê dividido entre suas preferências e adaptação ao novo; por vezes, a nostalgia o faz querer retornar ao lar – seja pela saudade, seja pela dificuldade em lidar com o novo. É curioso que quando o indivíduo volta para o país de origem, ele também sofre com a síndrome do regresso ao lar.

Sayad (2000) constata que aquele que retorna, volta com o pensamento de que encontrará tudo como havia deixado e poderá, por meio da concretização do retorno, recuperar tudo aquilo que foi abandonado no momento da partida e durante o período de ausência. Contudo, a realidade acontece de uma forma diferente do que ele imagina, do que sonhou, do que alentou encontrar por tanto tempo. A dura comprovação de que mudanças ocorreram levará o migrante a sofrer mais uma dura experiência de anomia: não ser parte daqui nem de lá, não pertencer a nenhum dos dois mundos, a se questionar, inclusive, sobre a própria identidade.

Em consonância com o explanado por Sayad (2000), encontramos nos ensinamentos de Sebben (1994, p. 151), Engel; Blackwell; Miniard (1995, p.94) e Douglas; Isherwood (2009, p. 116) o entendimento de que por sermos seres humanos, fatalmente ao nascermos encontramos uma sociedade já sedimentada e a partir dela e das escolhas que fazemos nos constituímos enquanto indivíduos inseridos nos costumes, hábitos e tradições.

Podemos extrair desses pensamentos a ideia de que os indivíduos utilizam o consumo para dizer algo sobre eles. E que o lugar em que vivem influencia as decisões de consumo e também interfere na constituição da identidade. Ademais, novas influências fazem com que eles desenvolvam novos hábitos de consumo para se adaptarem ao novo meio.

É importante destacar a existência de uma dimensão cidadã nos gestos de consumo: “ao propor uma conexão entre cidadania e consumo”, Canclini (apud PORTILHO, 2006, p.10) percebe “que, ao se consumir também se pensa, isto é, se escolhe e se reelabora o sentido social, constituindo-se numa nova maneira de ser cidadão”.

Esses fatores podem ser constatados nas figuras a seguir 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34 e 35.

Figura 28 – Frevo

Fonte: Perfil do Facebook de Esmeralda

Rubi, que aparece em algumas fotos com a bandeira do Brasil ou de Pernambuco, como na figura 29, comentou sobre o sentimento de pertencimento:

[...] Quando eu cheguei lá eu me vi muito bairrista, até algo que eu nem sabia que era tanto, assim eu sempre tive orgulho de Pernambuco, mas quando eu cheguei lá foi muito. E minha coordenadora de lá tinha uma bandeira de Pernambuco que ela me emprestou, porque na agonia eu esqueci de levar as minhas e eu fiquei com essa bandeira até o final do intercâmbio. Eu levava essa bandeira pra todo canto e falava de Pernambuco pras pessoas sabe? Esse orgulho eu tenho mesmo e quando eu voltei eu pensei em fazer uma tatuagem, mas eu acho que vai ficar uma apapagaiada (risos). Seria a bandeira de Pernambuco, a da Itália, a torre de Pisa, mas estou com essa ideia de fazer uma tatuagem sobre esses lugares que me marcaram muito.

Figura 29 – Pisa

Fonte: Perfil do Facebook de Rubi

Rubi fez também uma postagem com vinho e massa italianos e comentou sobre seus novos hábitos de consumo:

[...] E as comidas italianas, os vinhos, eu não tomava vinho aqui, achava muito doce porque eu só tomava um tipo de vinho e lá com aqueles vinhos todos eu fui apreciando mais e hoje tomo vinho seco sem nem fazer cara feia. Gellato, eu acho que não tem nenhum sorvete mais gostoso do que o da Itália.

Figura 30 – Prosecco

Figura 31 – Temperatura

Fonte: Perfil do Facebook de Turquesa

A intercambista Safira, que realizou as publicações 32 e 33, relatou sobre os hábitos alimentares:

[...] Eu agora sinto falta de algumas comidas, mas nem tanto assim, porque no final do intercâmbio eu não aguentava mais comer as comidas de lá, porque era muito diferente e eu comia no refeitório, as comidas às vezes eram ruins, apimentadas, doces. Eu não tenho tanto hábito de comida, agora eu tenho esse hábito de viajar, esse consumo por viagem muito grande.

Figura 32 – Cuscuz

Fonte: Perfil do Facebook de Safira

Figura 33 – Donut36

Fonte: Perfil do Facebook de Safira

36

Turquesa, que aparece na figura 34, contou um pouco como foi a adaptação logo no início. É importante ressaltar o fetichismo da mercadoria no consumo, inclusive de roupas de marca e o ideal do sonho americano em relação à segurança e acesso aos bens. Mesmo com a globalização, eletrônicos ou roupas de marca aqui mesmo que estejam disponíveis são mais caros e uma pequena parcela da população consegue ter acesso:

Eu acho que foi mais fácil aprender a viver na nova cultura lá do que quando eu voltei pra cultura daqui. Porque eu achei que ia ser difícil chegar lá e ver tudo diferente, mas acho que foi mais fácil, porque é mais confortável o jeito que eles vivem. Em questão de tudo, de roupa, de alimentação, tudo aqui é mais complicado, lá é mais barato. Lá você pode comprar uma roupa boa, até de marca e com preço acessível. Lá, por exemplo, também é bem mais seguro, então eu andava com o celular na rua sem problemas, aqui não, já fui assaltada. Onde eu estava, no Norte, era bem seguro mesmo, não acontecia nada de grave, então é uma segurança bem maior. Figura 34 – 6 meses

Figura 35 – Retorno

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