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ETHOS NOSTÁLGICO

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É um processo contraditório porque quanto o indivíduo está no intercâmbio, muitas vezes, ele sente falta de casa: das pessoas, das comidas, lugares, costumes...Todavia, durante a experiência de vivência fora também adquire novos hábitos e vivências. Pode ocorrer a síndrome do regresso porque o intercambista deseja continuar na experiência de intercâmbio, mas precisa regressar para a sua antiga realidade, e as coisas mudaram bastante em relação ao local e pessoas. E principalmente ele mesmo precisará acontecer um novo processo de adaptação a esse retorno.

Os psicanalistas Grinberg e Grinberg (1984) observam que a fantasia do retorno está presente em toda migração, buscando-se recuperar as raízes perdidas. Mas retornar não é uma decisão fácil, envolvendo tanto esforço e vulnerabilidade psíquica quanto a ida. Um luto será necessário para lidar com perdas que nem sempre estão claras para quem pensa em retornar e espera encontrar as coisas do mesmo jeito que as deixou no país de origem, como se o tempo tivesse congelado. Sayad (2000) afirma que a questão do retorno é um ponto fundamental a ser analisado já que:

[...] representa uma das dimensões essenciais dessa antropologia, à medida que se pressupõem necessariamente vários modos de relações: uma relação com o tempo, o tempo de ontem e o tempo do futuro, a representação de um e a projeção do outro, sendo estreitamente dependentes do domínio que se tem do tempo presente, isto é, do tempo cotidiano da imigração presente; uma relação com a terra, em todas suas formas e seus valores (a terra natal)...; uma relação com o grupo, aquele que se deixou fisicamente, mas que se continua a carregar de uma maneira ou de outra, e aquele no qual se entrou e no qual é preciso se impor, aprender a conhecer e a dominar (SAYAD, 2000, p.12).

Barbosa (2007) ressalta que a nostalgia é um movimento típico da contemporaneidade:

A contemporaneidade, nesta perspectiva, inaugura um novo regime de memória, multiplicando os espaços de rememoração, que – ainda que transitórios e incompletos – refletem o desejo de ancorar um mundo em crescente mobilidade e transformação e de compensar a perda de elementos mais sólidos e concretos que, antes, serviam de referência para os sujeitos (BARBOSA, 2007, p. 41).

Segundo Oliveira (1999), ao lado do aspecto econômico, as dificuldades de readaptação à realidade brasileira são sempre atribuídas a fatores vinculados à falta de cidadania no cotidiano brasileiro: insegurança, problemas de limpeza e atendimento, pouca organização, cumprimento de horário nos meios de transporte, respeito no trânsito, nos serviços e no comércio.

Em muitos relatos, os intercambistas citaram o quanto as diferenças entre os países que estavam e o Brasil existiam principalmente em relação à questão da segurança, é um dos pontos que eles sentem mais falta quando regressam. Abaixo seguem quatro relatos de intercambistas diferentes:

[..] Caramba, muita coisa, vou te dizer de forma geral: é que tudo funciona lá. Você pega o ônibus que passa na hora certa, você já entra com o passe ou com o dinheiro certo, pra não perder tempo, todos os ônibus tem ar-condicionado, a parada é segura, tem um painel dizendo os horários dos ônibus. É muita coisa que funciona e que você vê que aqui é desordem, é caos. (Citrino)

[...] A liberdade, não só isso de poder andar na rua, mas também eu não morava com meus pais e meu pai é muito restritivo, sabe? Hora pra chegar e pra sair, ele quer saber com quem vou sair, isso eu sinto falta porque lá eu sabia organizar minha vida, do jeito que eu quero, a casa, isso eu sinto falta. Eu criei um hábito e aqui tive que quebrar. E a liberdade em relação à violência, de eu andar livremente não me preocupar, essa tranquilidade que hoje em dia não tive mais. (Pérola)

[...] Quando eu estava lá, eu senti saudades da comida, de coisas que tinham aqui que só minha mãe sabia fazer, dos meus amigos e primos, de alguns momentos com a família. E hoje o que eu sinto falta de lá e de um monte de coisa, da economia que eu fazia no mercado porque tudo é muito barato lá e ainda mais quando o dinheiro não sai do seu bolso, né? Porque a gente não precisou juntar pra trocar euros. Qualidade de vida é muito boa, alimentação, segurança, voltar tarde da noite sem se preocupar com nada, andava sozinha tranquilamente. A questão da violência é muito marcante pra mim. Às vezes eu costumo dizer, mesmo com as dificuldades que houveram lá, mas voltar pra Pisa sem as mesmas pessoas não faria sentido. Eu sinto falta de passear na rua sem ter nada pra fazer, sentar na praça, olhar a torre, coisas bem simples que você pode fazer aqui e até tem lugar, mas você fica com medo. (Rubi)

[...] Da qualidade de vida, não ter a questão da violência. (Âmbar)

Alguns intercambistas, após o retorno, apresentaram elementos de nostalgia, tanto através das postagens (figuras 48 e 49) quanto dos relatos. Para exemplificar, segue abaixo o relato de Rubi:

[...] Pois é, voltar do intercâmbio é horrível, misericórdia! Mulher, isso não existe não, dói, já li tanto desses textos, da volta, que são dois anos pra se recuperar. Bem, eu voltei indo pra psicóloga, já queria antes, mas eu quis agora ter um acompanhamento pra ver se eu não entro em depressão. Porque na volta eu estava muito triste, principalmente nas duas primeiras semanas, primeiro porque eu não queria voltar de jeito nenhum. Aí todo mundo diz “Tamy vai ser a última a voltar”, mas não foi não. Aí quando voltei foi um vazio tão grande... Como eu te falei, o cheiro que você sente das coisas, se você fechar os olhos parece que você ta lá, mentira tá aqui. Ai sei lá, vê as fotos das viagens, aí pensa, “porra não voltar”, desculpa (risos). “Meu Deus, e agora? Será que era pra eu ter feito de outro jeito?” Não, foi tão bom, mas eu poderia ter aproveitado mais. Sei lá, sempre bate os questionamentos e você quer voltar e aí cada viagem é um flash, é uma foto, é um tbt da vida. Aí vêm os textos, ai dá muita saudade!

Figura 48 – Nostalgia

Figura 49 – Bruxelas

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