2. Paralisia Cerebral
2.6. Etiologia e timing do insulto
Embora nas últimas décadas se tenha registado um grande avanço no conhecimento dos processos neurobiológicos do desenvolvimento infantil, num número significativo de casos de PC ainda não é possível compreender de forma consistente os seus processos causais (Bax et
al., 2005). Tratam‐se, frequentemente, de processos complexos de vários factores em cascata,
que interagem e se potencializam, sendo de difícil determinação ou localização temporal (Andrada M.G. et al., 2005).
Stanley, Blair e Alberman (2000) definem o termo processo causal como a sequência de eventos ou circunstâncias que resultam em determinada condição ou doença significativa, na qual os efeitos de cada factor dependem da presença de um outro factor. Referem que na PC estes processos podem ter na base diferentes tipos de relação: dois factores independentes coincidem, condicionando o aparecimento de determinado resultado, ou, um primeiro factor predispõe para o aparecimento de um segundo, tornando‐se este no responsável pelo dano cerebral. Estes autores, embora sublinhem a importância do estudo dos diversos mecanismos que estão na origem da PC, alertam para os aspectos que lhe são particulares: na PC é possível registar um mesmo resultado clínico tendo na sua origem factores causais muito diversos, bem como, pelo contrário, um único factor poderá estar na génese de diferentes resultados clínicos. Assim, a força da associação registada num factor individual estará diminuída se existirem mais do que um factor causal independente, registando‐se também essa diminuição se estivermos perante um factor necessário, mas não determinante (Stanley ; Blair ; Alberman, 2000). Por outro lado, por vezes é difícil estabelecer relações de especificidade e consistência nas associações encontradas, em virtude da natureza multifactorial da PC: os padrões etiológicos podem variar quer entre diferentes populações geográficas, quer entre diferentes coortes
23 estudadas, tanto mais que muitos factores em estudo são de difícil quantificação, como por exemplo, a exposição a hipoxia no período que envolve o parto (Stanley ; Blair ; Alberman, 2000).
Bax et al. (2005) alertam ainda para a dificuldade em estabelecer o timing do insulto cerebral, referem que este só deve ser determinado quando existem evidências firmes da acção de um agente causal ou quando se está na presença de um seu componente major, que actua durante uma janela temporal específica, como, por exemplo, uma situação de meningite pós‐ natal numa criança que anteriormente tinha registado um desenvolvimento dentro dos padrões de normalidade
Assim, embora se devam desenvolver esforços no sentido de investigar as causas ou os processos causais associados a esta patologia, presentemente torna‐se irrealista a sua categorização por causas objectivas e unívocas. É, no entanto, possível e recomendado a identificação de factores de risco inerentes aos processos de lesão cerebral e, assim, poder aprofundar o conhecimento relativamente à sua classificação (Bax et al., 2005).
Desta forma, embora evitando conclusões precipitadas, Bax et al. (2005) a SCPE (Cans et al., 2006) e o PVNPC (Andrada et al., 2009) recomendaram a recolha de dados relativos aos eventos adversos registados nos períodos pré, peri e pos‐neonatal das situações de PC. Desta forma, a SCPE e o PVNPC efectuam a recolha de um conjunto de dados relativos a estes períodos críticos (anexo nº1), entre outros: Idade da mãe15; Paridade16; Gravidez segundo a
natureza17; Género; Peso ao nascer18; Idade gestacional19; Índice de Apgar aos 5 minutos;
Convulsões nas primeiras 72 horas de vida; Causas pos‐neonatais20. O European Perinatal Health Report (EURO‐PERISTAT, 2008) refere que a recolha sistemática destes dados, levada a cabo pela SCPE, tem permitido analisar os processos etiopatológicos da PC, bem como, registar as suas diferenças ao longo dos anos, tendo em conta as mudanças, quer das práticas de cuidados de saúde prestados durante a gravidez e período perinatal, quer dos comportamentos sociais e da qualidade de vida das populações. 15 idade da mãe em anos, na altura do nascimento. 16 número de gravidezes anteriores resultando em nado vivos ou nado mortos. Excluem‐se os abortos espontâneos ou terapêuticos. 17 simples ou gemelar. 18 em gramas. 19 exprime‐se em semanas completas e calcula‐se a partir do primeiro dia da última menstruação. 20 casos cuja etiologia ocorreu depois dos 27 dias completos após o nascimento.
Este relatório sublinha também o facto das condições de vida das populações serem determinantes para os níveis de saúde das mães e das crianças, e, para avaliar esta relação, identifica o nível educacional da mãe como um indicador estável (contrariamente à ocupação/profissão só pode mudar numa direcção), de fácil obtenção (uma vez que os rendimentos dos indivíduos são um dado mais difícil obter) e abrangente (porque permite classificar estudantes e outras mães que não trabalhem, bem como diferentes práticas culturais) (EURO‐PERISTAT, 2008).
Outro factor de risco bem conhecido na génese da PC são as infecções ocorridas durante a gravidez, em especial as do grupo TORCH (Andrada et al., 2005), pelo que o PVNPC também recolhe informação sobre esta situação clínica, anexo nº1.
De uma forma global, o processo etiopatológico da PC, as alterações, lesões ou anomalias interferem, impedem ou influenciam os processos de maturação do cérebro em desenvolvimento, resultando numa lesão permanente. Assim, a PC não deve ser olhada somente como uma perturbação motora mas, de forma mais abrangente, como uma patologia
do neurodesenvolvimento (Rosenbaum, 2009).
Este autor sublinha a importância da nova definição de PC amplificar o reconhecimento de que a PC afecta a trajectória de vida da criança numa fase crucial do desenvolvimento. Se, por um lado, estamos perante uma perturbação motora que vai afectar a postura e o desenvolvimento motor, em que as aprendizagens motoras da criança serão, de alguma forma, atípicas, por outro lado, sendo que a infância é um período de actividade exploratória por essência, as situações de restrição ou de privação motora terão um impacto potencial nas outras áreas do desenvolvimento da criança (Rosenbaum, 2009).
Assim, esta noção de possível privação da actividade exploratória, física, relacional e até social, sublinha a tomada de consciência de que os contextos de vida, os apoios prestados, as oportunidades e experiências de vida da criança serão determinantes no desenvolvimento de todo o seu potencial.
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