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Etiopatogenia da Doença de Parkinson: Contribuição da genética

No documento Estudo genético da doença de Parkinson (páginas 42-52)

REVISÃO DA LITERATURA

2.3 Etiopatogenia da Doença de Parkinson: Contribuição da genética

As formas monogênicas de PP familiar contribuíram muito para o esclarecimento dos mecanismos de morte celular. As mutações nos genes SNCA e PARK2 mostraram a importância da proteína α-sinucleína e do sistema ubiqüitina-proteassoma, que serão revistos a seguir.

Proteína α -sinucleína

A proteína α-sinucleína desempenha um importante papel na DP por várias razões: 1) a α-sinucleína está presente nos CL (Spillantini et al., 1997); 2) mutações no gene da α-sinucleína estão associadas a formas familiares raras de parkinsonismo (Polymeropoulos et al., 1997); 3) a

expressão de α-sinucleína em modelos de camundongos transgênicos (Giasson et al., 2003; Hashimoto et al., 2004) e Drosophila mimetizam vários aspectos da DP (Feany e Bender, 2000).

A proteína α-sinucleína tem 140 aminoácidos e foi originalmente identificada em cérebro humano como a proteína precursora do componente não β-amilóide das placas amilóides da doença de Alzheimer (Hashimoto et al., 2004). Ela foi denominada sinucleína porque os achados iniciais indicavam que a proteína estava presente nas sinapses (Snyder e Wolozin, 2004).

A α-sinucleína é membro de uma grande família protéica da qual fazem parte as proteínas homólogas α-sinucleína, γ-sinucleína e sinoretina. Embora elas sejam ubíqüas, a α-sinucleína é particularmente abundante nas sinapses cerebrais e representa cerca de 1% das proteínas cerebrais (Snyder e Wolozin, 2004). Dentre as três formas a α-sinucleína é a única que contém um domínio altamente amiloidogênico e por isso forma fibrilas (Lee e Trojanowski, 2006).

Apesar da similaridade entre as três proteínas sinápticas, as suas funções ainda são desconhecidas. Evidências indicam que a α-sinucleína regula o nível ou o metabolismo da α-sinucleína uma vez que em camundongos transgênicos, a α-sinucleína inibe a agregraçao da α- sinucleína (Lee e Trojanowski, 2006).

A proteína é encontrada no citoplasma de modo não dobrado e tem um domínio de ligação com ácidos graxos. A ligação com os lipídios deve ter um papel importante para o funcionamento protéico (Snyder e Wolozin, 2004).

Lotharius e Brundin (2002), sugerem que anormalidades na regulação sobre os fosfolípides e ácidos graxos promovem alterações nas vesículas que estocam a dopamina no neurônio pré-sináptico, resultando em liberação aberrante desse neurotransmissor no citoplasma conseqüentemente causando estresse oxidativo ou disfunção metabólica neuronal.

Estudo recente sugere que a proteína também está envolvida no trânsito de substratos dentro dos retículos endoplasmáticos, complexo de Golgi e em fungos, a interrupção deste tráfego gera um aumento de expressão da α-sinucleína (Lee e Trojanowski, 2006).

A molécula da α-sinucleína é altamente estável e liga-se a várias proteínas promovendo mudanças conformacionais que podem gerar agregados patológicos (Hashimoto et al., 2004).

Acredita-se que o acúmulo de α-sinucleína pode levar à neurodegeneração. Esse fato é embasado em estudos genéticos em que as mutações do gene da α-sinucleína produzem doenças neurodegenerativas. Tanto a mutação Ala30Pro quanto a Ala53Tre aceleram a agregação da proteína anômala (Conway et al., 2000).

Os camundongos transgênicos que expressam a mutação Ala53Tre além de desenvolver alterações motoras graves, apresentam inclusões intracitoplasmáticas contendo α-sinucleína, similares aos achados anátomo- patológicos em humanos (Giasson et al., 2003). Pode-se concluir que a mutação no gene SNCA leva à formação de filamentos tóxicos da proteína anômala formando inclusões neuronais que provocam degeneração neuronal.

Além da mutação genética, outros fatores promovem a agregação da α- sinucleína e incluem: disfunção mitocondrial, proteína β amilóide, estresse oxidativo, oxidação direta da α-sinucleína e neurotoxinas como a MPTP (Hashimoto et al., 2004).

A proteína α-sinucleína se liga ao proteassoma e provavelmente exerce uma função modulatória sobre esse complexo protéico. Agregados de α- sinucleína inibem a atividade do proteassoma 26S dez mil vezes mais do que a forma monomérica (Snyder e Wolozin, 2004).

A degradação da α-sinucleína é realizada pelas vias ubiqüitina- proteassoma 26S dependente e independente. A deficiência do sistema proteassomal leva a acúmulos da proteína que podem provocar a degeneração neuronal. Apesar disso, alguns estudos mostram que neurônios tratados com inibidores proteassomais com subseqüente formação de inclusões com α-sinucleína têm maior taxa de sobrevida que os neurônios que não desenvolvem as inclusões (Snyder e Wolozin 2000). Outras formas de degradação da α-sinucleína são conhecidas. As proteínas de meia vida curta são geralmente decompostas pelo sistema proteassomal ao passo que, as proteínas de meia vida longa pela via autofágica dentro dos lisossomos. Uma parcela das proteínas citoplasmáticas é reconhecida pela chaperona hsc70 e degradada nos lisossomos num processo conhecido como autofagia chaperona mediada. (Cuervo et al., 2004).

Cuervo et al. (2004) demonstraram que a α-sinucleína selvagem é eficientemente degradada nos lisossomos pelo processo chaperona

mediado, mas as proteínas mutantes (Ala 53Tre e Ala30Pro) são pobremente degradadas por essa via. Esse fato gera a disfunção do sistema lisossomal o que aumenta a concentração dessas proteínas anômalas e sua posterior agregação. Além do bloqueio da sua decomposição elas também impedem a degradação de outras proteínas de meia vida longa pelos lisossomoss contribuindo para o estresse celular.

Em resumo, os mecanismos da neurodegeneração devido a alterações da α-sinucleína ainda não estão elucidados, mas várias hipóteses foram levantadas. A proteína localiza-se no terminal pré-sináptico e liga-se à membrana sináptica. O seqüestro de α-sinucleína em agregados ou fibrilas de amilóides na DP impede-a de exercer a sua função e possivelmente afeta outras proteínas envolvidas no processamento das sinapses. Nos casos das mutações do gene SNCA, há alterações conformacionais da estrutura da α- sinucleína que leva a um aumento da sua fibrilização e conseqüente neurotoxicidade. Alguns experimentos, porém mostram que pequenos oligômeros pré-fibrilares da α-sinucleína são os verdadeiros fatores neurotóxicos que levam à degeneração neuronal por alterar a permeabilidade de mitocôndrias e outras organelas. Além disso, α- sinucleínas anômalas nos retículos endoplasmáticos e complexo de Golgi levam ao bloqueio de tráfego protéico e morte celular (Lee e Trojanowski, 2006). A figura 2.2 mostra o modelo de agregação da α-sinucleína.

Figura 2.2: Agregação da α-sinucleína

Modelo esquemático da agregação da proteína α-sinucleína. A proteína truncada converte-se em pequenos oligômeros patológicos que se agregam, formam fibrilas e se depositam nos corpúsculos de Lewy. As alterações genéticas (mutações do gene SNCA) ou ambientais (ex. pesticidas) aceleram esse processo de modo que os sistemas de controle de qualidade celular (chaperonas, sistema ubiqüitina- proteassoma, fagossomos/ lisossomos) não conseguem prevenir, reverter ou eliminar as proteínas desdobradas e conseqüentemente formam agregados ou fibrilas de amilóides. O acúmulo dessas proteínas anômalas leva à degeneração neuronal por mecanismos diversos (estresse oxidativo, interrupção do transporte axonal, seqüestro de proteínas, disfunção mitocondrial, disfunção sináptica, inibição do sistema ubiqüitina- proteassoma). Extraído de Lee e Trojanowski, 2006.

Sistema ubiqüitina-proteassoma

A remoção e a reciclagem de proteínas no citoplasma são muito importantes para a manutenção da saúde celular. Um dos mecanismos mais importantes para a modificação do substrato protéico e sua posterior degradação pelos proteassomas é a ubiqüitinação. A ubiqüitina é um polipeptídeo de 76 resíduos de aminoácidos. Neste processo, as proteínas alvo são modificadas pelas ubiqüitinas ou proteínas tipo-ubiqüitina. A remodelação da superfície dessas proteínas afeta, entre outras propriedades, sua estabilidade, interação com outras proteínas, atividade e localização subcelular (Ciechanover, 2006)

A conjugação protéica com a ubiqüitina ou proteínas tipo-ubiqüitina também é a base para diversas funções não proteolíticas como modulação da dinâmica da membrana celular, ativação de mecanismos regulatórios de transcrição, ou direcionamento da proteína alvo para reações intracelulares subjacentes. Desta forma, a ubiqüitinação é um processo controlado e altamente complexo de múltiplas etapas.

A degradação protéica pela via ubiqüitina -proteassoma envolve duas etapas: sinalização da proteína alvo e ligações covalentes com múltiplas moléculas de ubiqüitina resultando em uma cadeia poliubiqüitinada; degradação da proteína alvo pelo complexo protéico proteassoma 26S e liberação das moléculas de ubiqüitina para reutilização.

A conjugação de ubiqüitina com o substrato protéico ocorre em três etapas. Inicialmente, a enzima ativadora de ubiqüitina, também denominada de E1, ativa a molécula de ubiqüitina por meio de uma reação ATP

dependente para gerar um substrato intermediário de alta energia. A seguir, uma das enzimas conjugadoras de ubiqüitina, E2, transfere a ubiqüitina ativada por E1 para um substrato específico, que é uma enzima proteína ubiqüitina ligase, ou E3 (Figura 2.3).

Figura 2.3: Sistema de ubiqüitinização

Extraído de: http://en.wikipedia.org/wiki/Image:Ubiquitylation.png

E1: enzima ativadora de ubiqüitina; E2: enzima conjugadora de ubiqüitina; E3: enzima proteína ubiqüitina ligase; Ub: ubiqüitina; Substrate: substrato protéico.

Existem várias classes de enzimas E3, a maioria tem o anel RING (Really Interesting New Gene), localizado no C-terminal e cuja função é recrutar a enzima E2 (Snyder e Wolozin, 2004). A E3 catalisa a última etapa do processo de conjugação: une covalentemente a ubiqüitina ao substrato protéico. Aproximadamente 100 subtipos de E3 já foram identificados no genoma humano. A proteína parkina é uma enzima E3 e o seu terminal

amino (N) se liga à subunidade RPN10 do proteassoma 26S (Abou-Sleiman et al., 2006).

O proteassoma é uma protease multicatalisadora que degrada proteínas poliubiqüitinadas e as transforma em pequenos peptídeos. Três diferentes vias proteassomais foram identificadas até o presente momento: 20S proteassoma ubiqüitina -independente; 26S proteassoma ubiqüitina- independente e 26S proteassoma ubiqüitina-dependente (Baumeister et al.,1998). Embora a via 26S ubiqüitina dependente seja bem caracterizada, não se conhece muito bem o mecanismo da via independente (Snyder e Wolozin, 2004).

Tanto a 26S ubiqüitina dependente como a independente têm o centro 20S que realiza a função catalítica e duas coberturas 19S, que são partículas regulatórias. A estrutura 20S tem estrutura tubular composta de quatro anéis, dois alfa e dois beta, que por sua vez são compostas de sete subunidades distintas. A ação catalítica ocorre nas subunidades beta.

As partículas 19S têm função regulatória, pois reconhecem as proteínas ubiqüitinadas. Além disso, abrem um orifício no anel α, permitindo a entrada do substrato na câmara proteolítica. Uma vez que a proteína não conseguiria entrar no estreito canal proteassomal, acredita-se que essas organelas têm a função de desdobrar o substrato protéico permitindo a sua entrada na estrutura 20S (Figuras 2.4 e 2.5).

Figura 2.4: Estrutura do proteassoma 20S de Thermoplasma acidophilum

(a) Modelo derivado de mapeamento atômico do proteassoma de Thermoplasma. As subunidades α formam o anel externo heptamérico e as β o interno. Esta estrutura arquitetônica é conservada desde Thermoplasma a células eucarióticas.

(b) Esquema do modelo tridimensional da 20S, as hélices coloridas indicam as subunidades de cada anel. A escala da barra é de 10 nm.

Extraído de Baumeister et al., 1998.

Uma vez degradada a proteína em pequenos peptídeos, esses são liberados no citoplasma. A enzima UCH-L1, (ubiqüitina carboxi terminal esterase L1), participa no processo de desubiqüitinação (Ross e Pickart, 2004) e uma vez reciclados, os monômeros de ubiqüitina podem ser utilizados em novos processos de ubiqüitinação de substratos protéicos.

Figure 2.5: Sistema ubiqüitina-proteassoma

Sistema ubiqüitina-proteassoma. UCH: ubiqüitina C-terminal esterase; Ub: ubiqüitina; 26S protesome: 26S proteassoma ubiqüitina dependente com duas coberturas 19S e o centro 20S; substrato protéico está representado em vermelho. E1, E2 e E3: enzimas ubiqüitina ativadora, conjugadora e ligase respectivamente. Extraído de Ross e Pickart, 2004.

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