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Etnia italiana

No documento 2008RobertaFederizziBassani (páginas 51-54)

2.3 Memória étnica

2.3.3 Etnia italiana

Uso de minha memória e ativo do passado, histórias contadas por minha nona Rosa Biazus Piccoli, carinhosamente chamada de “Rosina”, quando comentava sobre a Itália, país de origem de seus pais e sogros e local para onde eles nunca mais voltaram e ela, nascida no Brasil, nunca conheceu. Sua emoção e nostalgia me contagiaram desde pequena, quando eu e outros netos nos acomodávamos a sua volta para ouvir histórias e cantar canções folclóricas italianas.

Pela memória associada aos sentimentos, voltamos hoje às histórias do passado, em relação ao qual os descendentes de italianos sentem uma certa amargura e até tristeza. A história sobre a vinda dos imigrantes italianos ao Brasil, especialmente ao Rio Grande do Sul, é longa e já foi muito comentada, contudo uma pequena referência se torna importante para que possamos nos situar na história, bem como no tempo e na memória.

Mário Maestri, em seu livro Os senhores da serra, comenta passagens importantes sobre as razões da imigração italiana: “Quando da unificação, a Itália era um país agrícola atrasado, de 26 milhões de habitantes, pobre em recursos naturais e terras agricultáveis.”(2000a, p.25). Nesse contexto, pelas enormes dificuldades na produção, os proprietários não conseguiam pagar os pesados impostos e acabavam perdendo suas terras para o fisco. Outro grande fator do aumento da miséria na Itália foi o desenvolvimento das fábricas européias, especialmente das têxteis, com máquinas modernas, que tiraram o espaço dos operários. Assim, homens enfraquecidos física e emocionalmente e doenças, como a pellagra26, foram direcionando os italianos do norte da Itália, mais precisamente da região do Vêneto, a procurarem novos espaços para viver. No relato de Maestri:

A pellagra, conhecida na península desde os anos 1750, era uma síntese da crescente miséria rural italiana. Em 1879, havia mais de setenta mil doentes na Lombardia e no Vêneto.”[...]“No norte da Itália, sobretudo no inverno, milhares de famílias vegetavam em miseráveis choupanas comendo apenas polenta. (2000a, p.27)

Também narra Corteze: ___________________________

26- Doença causada pela carência de vitaminas do grupo B. Os sintomas da pellagra são diarréia, perda de apetite, depressão e ansiedade, além da descamação da pele das mãos e do rosto.

Os imigrantes italianos abandonaram a sua pátria por falta de opções. O grave problema político que assolava a Itália durante grande parte do Século XIX não dava ao povo, outra alternativa, a não ser a imigração. Desempregados, com fome, sem perspectivas, incapazes de imporem a divisão dos latifúndios, ali onde era possível, o pensamento geral era emigrar para sobreviver.(2002, p.39)

Minha nona contava que seu sogro se chamava Nazareno e morava na cidade de Ronco Al’Adige-Verona. Seu pai falecera e, sendo o filho mais velho, tinha de cuidar da mãe e de mais três irmãos. A situação era de muita pobreza e de dificuldades para sobrevivência; assim, a alternativa era tentar nova vida, se possível melhor, no Brasil. Narrava ela: “Eles pegaram algumas roupas, os documentos que tinham e foram até o porto de Gênova, lá aguardavam o navio, num barracão, onde ficavam inúmeras pessoas amontoadas. Meu sogro Nazareno não deixou parentes próximos por lá, por isso não sofreu muito na saída, somente sentia em deixar sua Pátria.” Na despedida a maioria dos emigrantes chorava muito e o que se ouvia eram promessas de volta e reencontro.

Frescura (2000, p.19) narra uma despedida no Porto de Gênova:

-“Salutando ogni tanto col fazzoletto e insegnando ai bimbi che hanno per mano, a inviare baci al babbo o al fratello.

-Addio! Buon viaggio, neh! Saluta gli amici!

-Scrivi súbito, ricordati: noi aspettiamo, immaginati! Con che impazienza! -E coraggio! Vedrai: tutto andrà bene!”27

No Brasil a mão-de-obra era escassa, principalmente nas lavouras de café, em razão da recente abolição da escravatura, com a qual milhares de negros foram alforriados e tornados livres, por isso não se sujeitavam mais a servir aos mesmos patrões. Giron relata: “A vinda dos imigrantes italianos está ligada ao processo de substituição da mão-de-obra e à política de imigração e colonização do Governo Imperial.”(1996, p.47). Por sua vez, o grande sonho dos italianos era de no Brasil deixarem de ser empregados para se tornarem patrões, os donos de sua terra.

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27-“Saudando a cada pouco, com um lencinho e ensinando aos pequenos, que tem pelas mãos, a enviarem beijos ao papai ou ao irmão.

-Adeus, boa viagem! Saude os amigos!

-Escreva logo, lembre, nós te esperaremos, mas imagine, com quanta impaciência! -Coragem! Verás, tudo andará bem!” (tradução nossa)

Entre os fatores que levaram os italianos a emigrar, devemos também destacar a vontade de se tornarem proprietários fundiários. Na Itália, a submissão ao proprietário da terra fazia-se presente no relativo ao aluguel da terra e, eventualmente, na obrigatoriedade de prestações em trabalho; assim, o arrendatário usufruía pouco do resultado de seus esforços. (ROSSETTO, 2005, p.35)

Corteze registra:

A partir de 1875, grandes levas de imigrantes italianos chegaram ao Rio Grande do Sul. A situação da imigração começou a mudar. No sul, os territórios tidos como vazios, eram ocupados por “bugres” e “caboclos”, começavam a ser preenchidos. As colônias floresciam e as matas eram derrubadas. O número de imigrantes crescia ano após ano, em geral, uns atraídos pelos outros.(2002, p.38)

O número de pessoas que deixaram a Itália é impressionante. Maestri (2000a, p.41) relata: “De 1875 a 1914, 80 mil imigrantes deixaram o Vêneto (54%), a Lombardia (33%) e, em menor número, o Trentino-Alto Ádige e o Friúli-Venécia Júlia, pelo Rio Grande do Sul, por causa da miséria em que viviam e atraídos pelo sonho da posse da terra.”E Rossetto ressalta: “O processo migratório perpassou todas as instâncias sociais, políticas, culturais e econômicas.” (2005, p.33)

Uma das histórias contadas por nona Rosina enfocava a cidade de Flores da Cunha, na época chamada de Nova Trento, na Serra gaúcha, onde ela nasceu e onde também conheceu o

nono Antonio. Dizia ela: “Logo que nós casamos fomos morar na Serra das Antas, lá nasceram a

Nair, o Gentil, e o Mário. Depois viemos morar em Marau, o nono comprou uma colônia de terra, e passamos a cultivar, milho, batatas e muitas frutas. O nosso parreiral era o segundo maior da cidade, só perdendo para o parreiral dos padres.”Importante comentar que nona Rosina nascida no Brasil, pouco falava português, normalmente se comunicava em dialeto vêneto, para nós marauenses, chamado de talian.

No documento 2008RobertaFederizziBassani (páginas 51-54)

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