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Linguagem e dialetos

No documento 2008RobertaFederizziBassani (páginas 54-56)

2.3 Memória étnica

2.3.4 Linguagem e dialetos

Na península Itálica habitaram muitos povos, muitos vindos do norte da Europa, outros que circulavam em função do comércio e das navegações e outros, ainda, pelas diversas guerras, o que resultou numa Itália que, por vezes, dominou e, em outras, foi dominada pelos conquistadores.A lingüista Florence Carboni (2000, p.45) comenta: “As atividades econômicas favoreceram a prática dos falares vulgares e a circulação lingüística.” Também relata que “a Itália pré-romana era ocupada por diversas comunidades, que falavam línguas diversas.” (2000,p.37)

Nesse período, a língua oficial escrita e falada era o latim, mas as regiões italianas apresentavam dialetos peculiares, além de que a forma de falar dos campesinos era diferente daqueles dos habitantes dos centros urbanos. Assim, além de o latim ser a língua escrita por excelência, era vista como a língua culta, e os dialetos, como língua vulgar. Frosi narra:

Da região chamada Vêneto, originaram-se os dialetos vicentino, feltrino-belunês, trevisano, paduano, veronês, veneziano e rovigoto; da Lombardia, o cremonês, bergamasco, mantuano, milanês, bresciano, comasco, varesino e paviense; da região Trentino-Alto Ádige, o trentino, do Fríuli-Venecia Julia, o dialeto friulano, distingue-se também o dialeto triestino que tem características dialetais vênetas. (2000, p.86)

Percebia-se, nesse período, um prestígio crescente do dialeto toscano, pois era a língua mais próxima do latim entre todos os falares peninsulares. O toscano aproveitar-se-ia, assim, do prestígio da antiga língua imperial junto às classes dominantes e aos letrados peninsulares. A obra

A divina comédia, de Dante Alighieri, desempenhou papel central no processo de

desenvolvimento do toscano, inicialmente como língua escrita das elites peninsulares e, a seguir, como língua nacional italiana. Napoleão Bonaparte, imperador italiano, em 1808, instituiu a instrução obrigatória no Reino Itálico para as crianças até nove anos, procurando, assim, legitimar a pureza da língua literária italiana- o toscano. (CARBONI, 2000)

Para o Brasil, especialmente para o Rio Grande do Sul, dirigiram-se milhares de italianos, dos quais o maior número era oriundo da região do Vêneto e trazia consigo os seus dialetos. Já nos barracões de alojamento aconteciam trocas lingüísticas; após, ao se instalarem próximos procuravam a comunicação entre si, embora os dialetos diferenciados às vezes dificultassem o

entendimento. Relata Frosi: “Vários dialetos italianos particularizados existiam em situação de convivência inter-comunidades, vale dizer, os dialetos italianos eram mantidos distintos uns em relação aos outros nas relações.” (2000, p.87) E segue afirmando:

Durante os primeiros anos da colonização, o ítalo-brasileiro, ao expressar-se em seu dialeto italiano de origem, não misturava nessa sua fala dialetal italiana elementos lingüísticos desse sistema com elementos lingüísticos de outro dialeto italiano específico ou com elementos da língua portuguesa. (2000, p. 84)

Em virtude da variedade de dialetos usados, os italianos tiveram dificuldade para aprender a língua portuguesa. Rossetto lembra: “A língua portuguesa não foi assimilada imediatamente pelos imigrantes, que mantiveram a língua de origem como meio de comunicação.”(2005, p.47) Era evidente o multilingüismo dialetal italiano, promovendo a koiné, que é uma mistura das falas dos dialetos, com evidência do dialeto vêneto. Frosi comenta: “As ilhas lingüísticas preservam-se, os dialetos vênetos propagam-se, os intercruzamentos intensificam-se e dão origem à formação de uma fala comum que pode ser referida como koiné de tipo vêneto.”(2000, p.88)

Na Região Colonial Italiana (RCI) no Nordeste do Rio Grande do Sul aconteceu um intercruzamento lingüístico-dialetal de forma lenta, num período que pode ser marcado por três fases distintas que mostram a evolução sociolingüística. De acordo com Frosi, o primeiro período, de 1875 a 1910, foi caracterizado pela policultura de subsistência, pela sociedade tradicional e católica e pela preservação dos usos e costumes da pátria de origem; os dialetos eram vários e distintos e sua convivência com a língua portuguesa era restrita e seletiva _ “O sentimento de

italianità sobrepõe-se ao sentimento de brasilianità.” No segundo período, compreendido entre

1910 e 1950, a introdução da monocultura da videira, da industrialização e comercialização do vinho e a expansão social e econômica fizeram surgir intercâmbios socioeconômico-culturais, resultando num fenômeno lingüístico-dialetológico interessante, visto que os dialetos menos falados extinguiram-se e preservaram-se os dialetos vênetos. No terceiro período, que vai de 1950 a 1975, as marcas da diversificação industrial projetaram a RCI no estado e no país: “A fala de língua portuguesa regional impõe-se definitivamente, ao mesmo tempo em que, em relação à fala de norma culta da capital do estado, torna-se um sistema lingüístico estigmatizado. O sentimento de italianità entra em conflito com o sentimento de brasiliniatà.” (FROSI, 2000)

Minha nona só falava em dialeto vêneto, raramente proferia uma palavra em português. Recordo que os assuntos de maior sigilo eram comentados entre os adultos somente em italiano. A convivência com minha nona fez com que eu aprendesse, desde pequena, a conhecer um pouco do dialeto e a falar muitas palavras. Assim, o que às vezes deveria ficar somente no conhecimento dos adultos era entendido por mim, porque eu dominava a língua.

No coral as trocas lingüísticas realizadas são em português, porém um bom número das canções estudadas tem por base _ o talian_ nascido no Rio Grande do Sul, este dialeto oriundo especialmente da região do Vêneto, teve inserções do português e do espanhol e, ainda alguns toques de regionalismos gaúchos, gerando um novo jeito de falar, sendo esta língua ainda mantida em várias cidades da RCI.

No documento 2008RobertaFederizziBassani (páginas 54-56)

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