• Nenhum resultado encontrado

A

Etnociência se propõe a estudar os saberes de várias socie­ dades em relação aos processos da natureza, buscando entender a lógica no que tange ao conhecimento do homem sobre as ciências naturais, as taxonomias e as classificações. A etnobotânica é uma subcategoria que aborda tudo isso (DIEGUES, 2000; POSEY, 1983; SILVA, 2002).

O termo “Etnobotânica” foi cunhado em 1895 pelo botânico ta­ xonomista John W. Harshberger, da Pennsylvania University (DAVIS, 1995). A Etnobotânica é uma criação científica de um campo do saber tradicional, representada aqui pelo uso tradicional dos recursos vege­ tais. Representa a área da ciência interdisciplinar que estuda o conheci­ mento prático, significado cultural, econômico, ecológico, formas de usos tradicionais dos recursos vegetais, suas representações simbólicas por populações humanas passadas e presentes. Seu significado vai além da investigação e nomenclatura botânica, uma vez que sua base se en­ contra na significação sociocultural do uso das plantas para determi­ nados grupos ou indivíduos (CABALLERO, 1979; BARRERA, 1979; ALEXIADES; SHELDON, 1996; ALBUQUERQUE, 2005; PASA, 2011; GOMES; BANDEIRA, 2012).

Segundo Prance (1983), muitos aspectos são considerados na et­ nobotânica, como as diversas técnicas de manejo empregadas na con­

Estudos da Pós-Graduação

48

servação das espécies vegetais, os componentes ecológicos, o valor e a importância dos recursos naturais para as comunidades, servindo na investigação das relações entre as diversas culturas humanas e a flora no seu entorno.

De acordo com Ford (1978), a etnobotânica é o estudo das inter­ -relações diretas entre os seres humanos e as plantas. É a forma de en­ tendimento da cultura popular a respeito das plantas e suas formas de utilização. Estudos etnobotânicos têm sido desenvolvidos com o obje­ tivo de registrar o saber botânico tradicional particularmente relacio­ nado ao uso dos recursos da flora (GUARIM NETO; SANTANA; SILVA, 2000).

Para Prance (1995), é a partir dos trabalhos de Carl Linnaeus que se inicia a história da etnobotânica, porque seus diários de viagens con­ tinham dados referentes às culturas visitadas, aos costumes de seus ha­ bitantes e ao modo de utilização das plantas. “A Etnobotânica é atual­ mente caracterizada pelo resgate dos conceitos locais que são desenvolvidos com relação às plantas e ao uso que se faz delas” (ALMASSY JÚNIOR, 2004, p. 255).

O desenvolvimento da etnobotânica teve um impacto sobre a produção científica brasileira e refletiu em um notório incremento de trabalhos nesta área do conhecimento, porém ainda com predominância de estudos relacionados a plantas medicinais e/ou abordagens descri­ tivas (OLIVEIRA et al., 2009).

É um campo interdisciplinar que compreende estudos e interpre­ tações dos conhecimentos como significado cultural, manejo e uso tra­ dicional da flora, tem ligações com este universo espiritual através de rezas e poções que envolvem plantas e pessoas. Seu principal objeto é o estudo das sabedorias botânicas tradicionais, compreendendo o es­ tudo das interpretações e o conhecimento, o significado cultural, o ma­ nejo e o uso tradicional dos elementos da flora (BARRERA, 1983).

Com o objetivo de entender essa interação entre homem e planta incorporada na dinâmica dos ecossistemas naturais e de seus compo­ nentes sociais, a etnobotânica vem ampliando sua área de abrangência de estudo. Atinge não somente comunidades tradicionais como também comunidades consideradas não tradicionais, desmistificando a ideia de

que essa área é voltada apenas para a investigação de sociedades não urbanizadas e não industrializadas (MINNIS, 2000; ALCORN, 1995).

Grupos indígenas (DI STASI; HIRUMA-LIMA, 2002; BUENO et al., 2005), caiçaras e ribeirinhos (SOUZA, 2007; PASA; ÁVILLA, 2010; MIRANDA et al., 2011), quilombolas (FRANCO; BARROS, 2006), populações urbanas (CASTELLUCCI et al., 2000; MARODIN; BAPTISTA, 2001; NEGRELLE et al., 2007), rurais (PINTO; AMOROZO; FURLAN, 2006; LIPORACCI; SIMÃO; CORREIA, 2010; ROQUE; ROCHA; LOIOLA, 2010), pequenos núcleos ur­ banos com origem rural (SILVA-ALMEIDA; AMOROZO, 1998; GARLET; IRGANG, 2001; SILVA; ANDRADE, 2005), vilas de pes­ cadores (CARNEIRO; BARBOZA; MENEZES, 2010; MERÉTIKA; PERONI; HANAZAKI, 2010), descendentes de açorianos (GANDOLFO; HANAZAKI, 2011); sitiantes (MEDEIROS; FONSECA; ANDREATA, 2004), raizeiros (LIMA et al., 2012), como também benzedeiras (MACIEL; GUARIM-NETO, 2006), raizeiros, erveiros e mateiros que comercializam plantas em mercados e feiras­ -livres (AZEVEDO; SILVA, 2006; USTULIN et al., 2009; LIMA; COELHO-FERREIRA; OLIVEIRA, 2011), são alguns exemplos da gama de comunidades locais e grupos humanos que se prestam a abor­ dagem pela etnobotânica.

O estudo etnobotânico está relacionado a todas as possibilidades de uso material e dos recursos vegetais e benefícios imateriais ofertados pelo contato com as plantas, portanto apresenta uma vastidão de possi­ bilidades. Dentro destas possibilidades, encontra-se a utilização dos re­ cursos da flora para fins medicinais e ritualísticos (SILVA, 2013).

A etnobotânica caracteriza-se por ser uma ciência multidisci­ plinar que compreende o estudo e a interpretação do conhecimento po­ pular, significado cultural na relação entre o homem e os elementos da natureza os quais estão presentes no contexto diário das comunidades. É importante enfatizar que a exploração de recursos naturais se iniciou com a evolução da espécie humana, porém no decorrer da sua história, o homem aprimorou seus instrumentos de trabalho construindo novas tecnologias, transformando os espaços rurais em urbanos e adaptan­ do-se a ambientes diversificados (AMOROZO; GELY, 1988).

Estudos da Pós-Graduação

50

Finalmente, pode-se dizer que a etnobotânica colabora com a va­ lorização dos conhecimentos e das medidas tradicionais da comuni­ dade; com a preservação da flora utilizando o conhecimento adquirido pela sua investigação científica; com subsídios para estudos farmacoló­ gicos, fitoquímicos, étnicos, antropológicos, botânicos e ecológicos; bem como subsídios ao poder público para o desenvolvimento de pro­ jetos sócio-econômicos (ELISABETSKY, 2010).

O vocábulo “Etnofarmacologia”, como um termo científico, surgiu em 1967, em um Simpósio Internacional em São Francisco nos Estados Unidos. Neste, foram abordados os aspectos histórico, cultural, antropológico, botânico, químico e farmacológico de drogas psicoativas. A denominação ganhou definitivamente status de ciência a partir do sur­ gimento do Journal of Ethnopharmacology em 1979 (ALMEIDA, 2011). A definição mais aceita da etnofarmacologia é “a exploração científica multidisciplinar dos agentes biologicamente ativos, tradicio­ nalmente empregados ou observados pelo homem” (SANTOS; ELISABETZKY, 1999).

Em 1981, Bruhn e Holmstedt descreveram a etnofarmacologia como: “o conhecimento multidisciplinar de agentes biologicamente ativos, tradicionalmente estudados ou observados pelo homem”.

Desenvolvendo esse conceito sob a ótica de seu significado cul­ tural, independente do pensamento cartesiano a respeito da ação de drogas, o levantamento de dados etnofarmacológicos propõe que a ati­ tude do pesquisador seja ampla e receptiva, sem ideias preconcebidas sobre saúde e doença e que a atitude em relação aos agentes farmacolo­ gicamente ativos ocorra numa perspectiva cultural e histórica. Sendo assim, os objetos de estudo da etnofarmacologia são as informações coletadas dentro de uma determinada população culturalmente definida (grupo étnico). Em geral, além dos minerais e produtos de origem animal, os “remédios” de origem vegetal produzidos pelo homem, não são mais considerados plantas medicinais in natura e sim uma certa espécie vegetal manipulada e ingerida de maneira específica para uma determinada finalidade terapêutica. A partir dessa concepção, as infor­ mações etnofarmacológicas são usadas como ponto de partida para o delineamento experimental, que objetiva o estudo da espécie como um

fármaco em potencial, ou seja, qual ação farmacológica tem o maior potencial de revelar dados que validem a indicação popular (RODRIGUES; CARLINI, 2002).

A pesquisa etnofarmacológica, vertente relativamente nova do estudo de plantas medicinais, vem sendo reconhecida como um dos melhores caminhos para a descoberta de novas drogas, orientando os estudos de laboratório para uma determinada ação terapêutica, redu­ zindo significativamente os investimentos em tempo e dinheiro (ALMEIDA, 2003).

A etnofarmacologia é uma disciplina devotada ao estudo do com­ plexo conjunto de relações de plantas e animais com sociedades hu­ manas, presentes ou passadas (BERLIN, 1992).

Por várias décadas a medicina tradicional foi vista, por diversos tipos de populações de diferentes classes sociais, com muito precon­ ceito e descrença. Acredita-se que, com o surgimento da medicina mo­ derna, aquela seria esquecida, o que contribuiria para uma menor valo­ rização da etnofarmacologia (BUCHILLET, 1991).

Para Elisabetsky (2003) a etnofarmacologia não trata de supers­ tições, mas sim do conhecimento popular relacionado a sistemas tradi­ cionais de medicina. Para apreciar o conhecimento popular é preciso admiti­lo como tal – um corpo de conhecimento, um produto do inte­ lecto humano – e não se pode ser preconceituoso. Segundo Mcclatchey (1996) Etnofarmacopeia é um compêndio de documentações populares e/ou dos conhecimentos tradicionais associados, contendo informações botânicas, fitoquímicas e farmacológicas.

Capítulo VI

IMPORTÂNCIA DOS LEVANTAMENTOS