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Parte II. Estudo Empírico

3.1 Etnografia como método: Vivenciar para compreender

A execução de uma pesquisa científica pressupõe a descrição dos procedimentos e percursos, desde o início até sua finalização e a divulgação dos novos conhecimentos alcançados. Desenvolvida por meio da pesquisa qualitativa, considerando que é a mais adequada ao objeto de estudo e tendo em conta que os dados serão recolhidos no seu contexto. Proporcionando resultados significativos na área educacional. Onde o ambiente/lócus foi a fonte direta dos dados.

O percurso à experiência direta, assim como o contato. Recorrer aos conhecimentos e experiências pessoais são auxiliares importantes no processo de compreensão e interpretação do que se está estudando. O Design da investigação apresenta-se através do método como uma proposta educacional com grande potencial de promover a construção e concretização desta tese no âmbito educacional, já que ela apresenta atividades relacionadas às pesquisas, contextualizando em ambientes não formais, tendo contato com os protagonistas desta história e as suas situações. Para Gómez (1999) as investigações etnográficas têm o papel de explanar as formas sociais e culturais diversas:

O método de investigação pelo que se aprende o modo de vida de uma unidade social concreta. Através da etnografia se persegue a descrição ou reconstrução analítica de caráter interpretativo da cultura, formas de vida e estrutura social do grupo pesquisado. Mas também, sob o conceito de etnografia, referimo-nos ao produto do processo de investigação: um escrito etnográfico ou retrato do modo de vida de uma unidade social (p.84).

Entendemos que, de acordo com Minayo (2009), o método é a direção do pensar e da prática exercida na realidade. Para alcançar os objetivos propostos no projeto, destacamos que o processo metodológico tomou como embasamento teórico as ideias da educação sociocultural defendidas pelos movimentos sociais e pelos educadores e pesquisadores que comungam com essas ideias, inscrevendo-se no paradigma qualitativo e numa estratégia etnográfica.

A abordagem qualitativa caracteriza-se por um lado subjetivo do que vai ser analisado, observando as peculiaridades e experiências de vida, tanto individual quanto grupal. Nesta abordagem, nem sempre há respostas objetivas, pois tem como finalidade tentar compreender o comportamento de um determinado grupo, as histórias de vida, ou a educação escolar especifica, por exemplo, e neste caso, o da comunidade indígena Pipipã de Kambixuru, do município de Floresta, estado de Pernambuco, Brasil. Pois, de acordo com Taylor e Bogdan (1986) “o pesquisador qualitativo trata de compreender as pessoas dentro do marco de referência delas mesmas” (p. 57).

Inicialmente criado para esta investigação de doutoramento, o plano metodológico sofreu alterações ao decorrer de sua construção. As pesquisas geralmente são um modo de agir racional e metódico que tem como objetivo dar solução aos problemas que são propostos. Como apresenta Malinowski (1978), acerca das etnografias onde “suas fontes de informação são, indubitavelmente, bastante acessíveis, mas também extremamente enganosas e complexas; não estão incorporadas a documentos materiais fixos, mas sim ao comportamento e memória de seres humanos” (pp.18-19).

Este ponto torna-se relevante, pois, além dos recursos teóricos – metodológicos serão enfatizados os discursos e as histórias dos próprios Pipipã de Kambixuru, e dos seus saberes tradicionais que serão apresentados, logo utilizaremos a oralidade e a descrição desta para relatar os contextos expostos por estes. Na perspectiva de Geertz (2001) os relatos, os factos históricos de uma comunidade na qual se realiza uma investigação etnográfica, fazem-nos ver o mundo de outra maneira, e perceber as diferenças culturais.

O método etnográfico utiliza-se da historicidade do povo para descrever a sua cultura, a sua ancestralidade, o seu legado. Pensar a etnografia e seu fazer científico é perceber a relevância social e cultural deste tipo de investigação, como diz Mattos (2001) “o que buscamos é que esta abordagem, mais que um design de pesquisa, se torne um paradigma científico de contorno epistemológico-científico” (p.35). A autora ainda traz uma análise de quais procedimentos uma etnógrafa (o) educacional deve seguir para construir uma etnografia de relevância e que apresente de facto a base teórico-epistemológica.

Inicialmente a descrição densa, a partir das investigações de Geertz (1983), ou seja, descrever o mais detalhadamente possível o local da investigação; o tratamento da teoria à prática, pois as investigações, neste âmbito, não estão fadadas à estagnação, ao estático; a etnografia é o próprio movimento, é a ciência viva; E a utilização do método indutivo, comum à etnografia.

A questão parte do pressuposto que a indução nem sempre comprova as teorias existentes, fazendo com que o investigador se debruce sobre os dados já obtidos para assim criar o escopo teórico. De acordo com Gonzaga (2006), a função da etnografia é trazer à tona as culturas que são investigadas. “Sua meta principal é estudar a cultura dos grupos com a intenção de descrevê-la e analisá-la. Tem como âmbito o estudo da cultura empírica, incluindo a organização social, economia, estrutura, religião, política, rituais, educação, padrões de aculturação e comportamentos cerimoniais” (p.34).

Vivenciar uma experiência etnográfica é aceitar a existência do outro, sem interferir no seu meio social, cultural religioso. É respeitar as diversidades e dificuldades que irá encontrar no percurso da pesquisa. É saber ficar em silêncio e escutar; e indagar quando necessário, mas nunca interferir.

Nas investigações etnográficas a relevância é a escrita do texto, a redação, e a interpretação dos dados, tendo como foco principal as experiências vivenciadas no campo, no local da investigação na apresentação dos resultados (Flick, 2009). O investigador que utiliza da etnografia deve estar atento aos diversos significados e sentidos que a investigação pode apresentar. De acordo com Goellner et al. (2010), perceber e interpretar esses signos é “mais do que tentar entender o significado atribuído a determinada prática, o esforço é no sentido de entender como os significados se manifestam e constituem um universo cultural particular” (p. 384).

As potencialidades deste método aplicado à educação, e neste caso à educação escolar indígena, especificamente da comunidade Pipipã de Kambixuru, são suas contribuições na prática do cotidiano escolar, nomeadamente a observação participante e as entrevistas com os professores indígenas, e as histórias de vida das lideranças da comunidade que trouxeram um significado a mais a esta pesquisa, pois serviram para compreender os eventos históricos da comunidade, a luta e conquista da escola indígena e a preservação e transmissão dos seus saberes tradicionais.

Nas histórias de vida foram registrados os relatos das principais lideranças e professores da comunidade, enfatizando a luta e a resistência do povo para conquistar as terras nas quais vivem hoje, e que, mesmo assim, ainda não estão demarcadas oficialmente pelo governo brasileiro. As questões serão estudadas no ambiente em que se apresentam, sem qualquer manipulação intencional da pesquisadora. Os dados coletados serão descritivos, retratando e relatando o maior número possível de elementos existentes na realidade estudada. Na análise dos dados coletados há preocupação em comprovar junto ao quadro teórico a análise e a interpretação dos dados. As narrativas foram gravadas pela técnica da entrevista aberta, com a colaboração dos professores Pipipã, juntamente com as principais lideranças da comunidade.

A etnografia é parte da antropologia, contudo, por sua versatilidade outras áreas do conhecimento podem hoje apropriar-se deste tipo de investigação, a exemplo da Educação. Segundo Lüdke e André (1986) foi na década de 70 que os investigadores iniciaram suas pesquisas nesta perspectiva, tendo como propósito perceber os fenômenos educacionais por “dentro”, ou seja, trazer os olhares, as opiniões dos que participam e realizam a ação a ser investigada. Por isso, as investigações tipo etnográficas em educação têm um papel relevante ao coadjuvar as diversidades das ações educacionais.

Os relatos etnográficos devem constituir-se por uma descrição densa, que para Geertz (1989) é tentar perceber os significados que existem no contexto estudado, por isso, é necessária aptidão para interpretar as ações, as histórias de vida, a cultura dos atores sociais investigados. A descrição densa é diferente de uma descrição simples exatamente por trazer

aos textos as simbologias e seus significados, mostrando mais intrinsecamente o que se pretende apresentar do grupo social observado.

Portanto, o investigador que faz uma etnografia deve seguir algumas particularidades próprias do método, que segundo Rockwell (2009) são imprescindíveis para sua caracterização, como descrever o que não está relatado e ter a experiência vivenciada no campo da investigação, perceber os signos, ou seja, perceber para além do olhar do investigador, e valorizar as perspectivas do grupo analisado. Independentemente em qual área será feita a etnografia, faz-se necessário seguir suas normatizações para que os resultados sejam verídicos e satisfaçam ao grupo social pesquisado.

Utilizar da etnografia em investigações que envolvam o processo educativo, faz-nos pensar no sentido mais amplo da educação, não somente a sala de aula, as escolas em si, mas sim, todo o contexto sociocultural do qual ela faz parte. O que se aprende e vive no exterior é tão importante quanto o que se ensina e aprende no interior destas. Fundamentado neste contexto, deixo explicito que não sou antropóloga e que o objetivo deste método é por que corrobora com as histórias de vida dos Pipipã de Kambixuru na continuidade da etnogênese e identidade deste povo; onde meu papel como investigadora é relatar e descrever seus discursos acerca dos saberes tradicionais da comunidade e sua inclusão no processo da educação escolar indígena.

E por que vivenciar para compreender? Investigar sobre os povos indígenas vai muito mais além que ler livros e teorias; é vivenciar as aldeias, os campos, os terreiros sagrados; são os cheiros, os sabores e os dessabores, as alegrias e tristezas, sempre são analogias, o bom e o ruim. Mas, principalmente, conhecer e respeitar os seres humanos que ali estão, lutando para sobreviver em meio ao caos do mundo, lutando para preservar a fauna e flora ainda presente, lutando para serem reconhecidos pelas outras sociedades e terem seus diretos garantidos.

Adentrar em uma comunidade, onde as pessoas incialmente acham estranho que alguém vá lá para escrever sobre eles, é o primeiro desafio a ser conquistado: o respeito e a confiança. Por isso, não os considero como objetos de estudo, pois são seres humanos que respeito imensamente, contudo suas histórias de vida, seus processos de ensino e aprendizagem tornam-se sim, objetos de estudo muito valiosos para esta tese e, também, para a preservação das suas historicidades.

3.2 Aprender a escutar: Histórias de vida e seus contributos