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A perspectiva ecológica adotada nesse estudo procura procedimentos investigativos que considerem “toda a complexidade e inter-relação dos processos que combinam para produzir um ambiente”57 (VAN LIER, 2004, p. 4). Essa abordagem ecológica

não é uma técnica ou metodologia investigativa, mas uma maneira de pensar e ver o mundo. Ela implica uma forma situada e contextualizada de pesquisa, pois estuda os organismos em suas relações com outros organismos e com o ambiente. Uma pesquisa ecológica, segundo Van Lier, considera os fatores espaço e tempo e é geralmente associada com trabalhos longitudinais descritivo-interpretativos como a etnografia. Além da etnografia, o autor destaca como outras formas de pesquisa compatíveis com uma perspectiva ecológica o estudo de caso, a pesquisa narrativa, as autobiografias, a análise da conversação e a análise do discurso.

Nesse sentido, esse estudo emprega uma abordagem qualitativa de perspectiva etnográfica tendo em vista a obtenção de uma compreensão holística das perspectivas e experiências dos participantes. Essa perspectiva se alinha às idéias de autores como Van Lier (2004), Agar (2004) e Rodrigues Júnior e Paiva (2007) que defendem a etnografia como uma lógica de investigação adequada para os estudos que adotam a perspectiva da complexidade.

Ao adotar a perspectiva da complexidade, surge, segundo Agar (2004), uma questão para os pesquisadores: como entender sistemas com tantos elementos em interação que se torna difícil dizer como eles serão e se comportarão no futuro? Essa questão e a noção de emergência aqui adotada, que implica o reconhecimento de muitos elementos em interação podem se auto-organizar em novos padrões sistêmicos, exigem uma lógica de investigação que aborde o sistema de forma holística. A etnografia, como argumenta Agar (2004), oferece às investigações sobre a complexidade uma forma de pesquisa social compatível com suas premissas e objetivos. Segundo esse autor, se o pesquisador tomar a perspectiva da

57 Minha tradução de “the full complexity and interrelatedness of processes that combine to produce an

complexidade e pretender investigar e teorizar o mundo social de maneira séria, a etnografia é o tipo de pesquisa que ele deverá fazer.

Embora os termos etnográfico, qualitativo e naturalístico sejam freqüentemente utilizados na literatura educacional de forma intercambiável, como lembra Watson-Gegeo (1988), esses termos diferem em sua essência. Em seu sentido primário, a pesquisa qualitativa define sua natureza em contraste com a pesquisa quantitativa cuja preocupação é com medições e descrições numéricas. Pesquisa qualitativa é um termo amplo que engloba vários tipos de abordagens e técnicas de pesquisa, incluindo a etnografia, o estudo de caso, a análise de conteúdo, a pesquisa-ação, entre outros. Pesquisa naturalística é um termo utilizado para significar que o pesquisador conduz seu estudo em ambiente natural e não em contextos criados artificialmente para fins de pesquisa. Nesse sentido, a pesquisa etnográfica é qualitativa e também naturalística. No entanto, como argumenta Watson-Gegeo, a pesquisa etnográfica difere de outras formas de pesquisa qualitativa por sua preocupação com o holismo e com interpretações culturais dos eventos investigados. De fato, segundo Hornberger (1994, p. 688), uma pesquisa etnográfica procura descrever “o conjunto de entendimentos e conhecimentos específicos compartilhado pelos participantes que guiam seu comportamento naquele contexto específico”58, ou seja, procura descrever a cultura da comunidade, sala de aula, evento ou programa em investigação.

Watson-Gegeo (1988) destaca que o grande interesse pela pesquisa etnográfica deve-se a sua promessa de investigar questões difíceis de alcançar com a pesquisa experimental, tais como os processos socioculturais envolvidos na aprendizagem de línguas, como pressões sociais e institucionais afetam as interações locais em sala de aula e como obter uma perspectiva mais holística das interações entre professor e alunos em sala de aula.

Watson-Gegeo (1988), Green and Bloome (1997), Van Lier (2004), Agar (2004) e Rodrigues Júnior e Paiva (2007) destacam que a etnografia deve abranger a complexidade que envolve o fenômeno investigado. Nesse sentido, Rodrigues Júnior e Paiva (2007) afirmam que “a etnografia como lógica de investigação deve considerar cuidadosamente as complexidades dos eventos em análise, a fim de representar a realidade como um sistema complexo, dinâmico e principalmente imprevisível”59. Esses autores reconhecem que a metodologia

58 Minha tradução de “the set of understandings and specific knowledge shared among participants that guide their behavior in that specific context”.

59 Minha tradução de “ethnography as logic of inquiry has to carefully consider the complexities of the events under scrutiny, in a bid to represent reality as a complex, dynamic and mainly unpredictable system”.

etnográfica está de acordo com a ciência da complexidade, pois ela enfoca a observação e descrição de diversos níveis de sistemas adaptativos, não lineares e auto-organizantes.

Este estudo não pretende ser uma etnografia no seu sentido antropológico original, mas uma pesquisa etnográfica educacional conforme descrita por Van Lier (1988), Tsui (1995), Green and Bloome (1997) e Telles (2002), entre outros. Não se trata aqui de fazer uma descrição densa dos fenômenos, como sugere Geertz (1989), mas de uma perspectiva etnográfica de pesquisa aplicada à sala de aula.

Uma limitação inerente da observação sistemática da sala de aula (com categorias pré-estabelecidas), segundo Tsui (1995), é que ela não fornece evidência dos “não- observáveis”, tais como o pensamento dos participantes por trás de suas ações e suas percepções das ações dos outros participantes. De acordo com a autora, “isto é uma séria limitação, uma vez que esses não-observáveis são freqüentemente cruciais para ajudar a compreender as complexidades dos processos da sala de aula”60 (1995, p.107). Por essa razão, estudos mais recentes tem incisivamente advogado o uso de observações etnográficas como uma abordagem alternativa. Conforme essa perspectiva,

em vez de observar um grande número de salas de aula, observações etnográficas freqüentemente estudam em detalhe uma única sala de aula ou um único fenômeno em um pequeno número de salas de aulas. Mais que procurar por dados que se adequarão a categorias pré-estabelecidas, observações etnográficas usam uma abordagem aberta, onde as categorias, caso haja alguma, derivam dos dados61 (TSUI, 1995, p.107).

Este trabalho, portanto, adota a perspectiva etnográfica como lógica de investigação, por considerar que ela é uma alternativa viável para a compreensão dos fenômenos complexos que compõem a ecologia dos ambientes de aprendizagem de línguas.

60 Minha tradução de “this is a serious limitation since these unobservables are often crucial in helping us understand the complexities of classroom processes”.

61 Minha tradução de “Instead of looking at a large number of classrooms, ethnographic observations often study in details a single classroom or a single phenomenon in a small number of classrooms. Rather than looking for data that will fit into predetermined categories, ethnographic observations use an ‘open-ended’ approach, where the categories, if there are any, are derived from the data”.

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