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2 ETNOMATEMÁTICA E A RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS

2.2 ETNOMATEMÁTICA D’AMBROSIANA

Nesta secção discutiremos o pensamento de D’Ambrosio (1990, 1996, 2002, 2005, 2008, 2009, 2011, 2012a, 2012b, 2013, 2014) sobre Etnomatemática e suas Dimensões, em especial, a Dimensões Educacional, enfatizando como essa visão pode apoiar teoricamente a nossa proposta didático-pedagógica em tela.

Para D’Ambrosio (2002), o ser humano desenvolve saberes (competências) e fazeres (habilidades) que vem sendo compartilhados ao longo dos tempos e vão se modificando de acordo com as necessidades de sobrevivência. Desse modo, o compartilhamento dos conhecimentos é negociado pelo grupo sociocultural e ocorre na própria cultura. Sobre isso, D’Ambrosio (2002, p.18 - 19) diz que ao:

[...] reconhecer que os indivíduos de uma nação, de uma comunidade, de um grupo compartilham seus conhecimentos, tais como a linguagem, os sistemas de explicações, os mitos e cultos, a culinária e os costumes, e têm seus

8 O processo linguístico de composição é o processo através do qual ocorre a formação de novas palavras a partir de duas ou mais palavras simples ou radicais. As novas palavras formadas são compostas e possuem significado próprio. Fonte: http://www.normaculta.com.br/composicao-por-justaposicao/. Acesso em 11.05.2016.

comportamentos compatibilizados e subordinados a sistemas de valores acordados pelo grupo, dizemos que esses indivíduos pertencem a uma cultura. As distintas maneiras de fazer [práticas] e de saber [teoria], que caracterizam uma cultura, são parte do conhecimento compartilhado e do comportamento compatibilizado.

Logo, esse pesquisador nos esclarece sobre os conhecimentos matemáticos que são compartilhados na cultura e isso irá contribuir e sustentar as nossas futuras análises. Ainda nos apoiando nas concepções de D’Ambrosio (1990, p.7) de Etnomatemática, também compreendemos como sendo “um processo que visa explicar os processos de geração, organização e transmissão de conhecimento em diversos sistemas culturais”, pois ao tomar conhecimento da história das feiras livres, notamos indícios da transmissão dos costumes, saberes e fazeres socializados pelos feirantes.

Ao se referir ao Programa Etnomatemática, D’Ambrosio (2002, p.27) o concebe com “óbvias implicações pedagógicas”. Assim o pesquisador, ao analisar as ideias matemáticas presentes nos contextos socioculturais dos grupos etnos, apresenta as várias dimensões supracitadas de Etnomatemática. Nessa investigação, expomos recortes sobre as dimensões conceitual, cognitiva e educacional.

Em termos de Dimensão Conceitual, D’Ambrosio (2002) elucida sobre o conhecimento e como este se produz, acumula-se, resolve questões de sobrevivência, no aqui e agora, e até de transcendência, no onde e quando, que são necessidades do ser humano. Nesse sentido, a “espécie humana cria teorias e práticas que resolvem questões existenciais. [...] são as bases de elaboração de conhecimento e decisões de comportamento, a partir de representações da realidade” (D’AMBROSIO, 2002, p.27). Em comum acordo, esses conhecimentos se constroem [pelo saber] e através das habilidades [pelo fazer] vão se difundindo na intercultura9

e na intracultura permeados pelas crenças, mitos, valores, numa perfeita combinação. Dessa forma, para D’Ambrosio (2002), esses saberes são compartilhados e comportamentos compatibilizados, gerando conhecimento e mais conhecimento a partir das ideias prévias.

Ao se referir sobre a Dimensão Cognitiva, D’Ambrosio (2002, p.30) discute “as ideias matemáticas, particularmente comparar, classificar, quantificar, medir, explicar, generalizar, inferir e, de algum modo, avaliar, são formas de pensar, presentes em toda a espécie humana”. Nesse sentido, entendemos que as ideias matemáticas denotam habilidades dos indivíduos para resolver problemas da sua cultura, e que foram compartilhadas pelas gerações anteriores,

resultados das experiências vivenciadas em seus grupos socioculturais. Essas experiências incluem manifestações intelectuais [mentefatos] e materiais [artefatos] formando, para D’Ambrosio (2002), um conjunto de instrumentos que:

Se manifesta nas maneiras, nos modos, nas habilidades, nas artes, nas técnicas, nas ticas de lidar com o ambiente, de entender e explicar fatos e fenômenos, de ensinar e compartilhar tudo isso, que é o matema próprio do grupo, à comunidade, ao etno. Isto é, na sua etnomatemática. (D’AMBROSIO, 2002, p.35, grifo do autor).

Podemos agora entender esses modos particulares de fazer Matemática, em uma perspectiva de Etnomatemática d’ambrosiana, como sendo outro tipo de Matemática ou Matemática informal, necessária às atividades de um contexto sociocultural específico. As estratégias de quantificação das mercadorias que iremos investigar no processo de comercialização dos feirantes, podem ser interpretadas, nas palavras de D’Ambrosio (2002, p.35) citadas anteriormente, como sendo as “ticas” para obter a margem de lucro desejada.

A Dimensão Educacional é mais um dos tentáculos do Programa Etnomatemática de D’Ambrosio (2002) como forma de propiciar um diálogo entre a Matemática informal e a Matemática acadêmica, potencializado por uma ação no processo pedagógico. É a partir dessa dimensão que se tenta explicar o percurso que os conhecimentos da matemática informal e os da Matemática acadêmica podem dialogar entre si, estabelecendo alternativas didático- pedagógica para auxiliar os docentes em sala de aula ao implementá-las. Desse modo, é possível que os discentes vejam os conceitos matemáticos e os muitos significados que a Matemática tem para oferecer a essas questões, segundo D’Ambrosio (2002), de sobrevivência [aqui e agora] e transcendência [onde e quando], como ferramenta de resolução de situações– problemas no contexto do discente.

Nesse sentido, ao sugerir uma proposta para a sala de aula, a partir das práticas laborais dos feirantes subsidiada pela Etnomatemática, é possível articular discussões acerca dos conhecimentos matemáticos aplicados em situações reais em cada contexto, o que sana as dificuldades e necessidades de cada povo. Sobre os dois conhecimentos matemáticos, o informal e o formal, parafraseando D’Ambrosio (2002), os mesmos não podem e nem devem ser colocados em confronto, alertando que, de forma alguma um conhecimento anulará outro, mas que podem viver em harmonia, em formação de um par dicotômico, contudo em perfeita simbiose.