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3 TRABALHO PRECÁRIO NOS PROCESSOS TRABALHISTAS: O TRABALHO

3.3 O ETR E O TRABALHO INFANTIL

O Estatuto do Trabalhador Rural não fala explicitamente sobre o trabalho de menores de idade. O artigo 11 diz que o empregado maior de dezesseis anos tem direito ao salário mínimo igual ao do trabalhador adulto; o parágrafo único deste artigo versa que o empregado menor de dezesseis anos tem direito ao recebimento de metade do salário mínimo. O parágrafo único do artigo 10, por sua vez, diz que os trabalhadores menores de dezoito anos

não incorrem da prescrição da legislação após o fim do contrato de trabalho, diferente do trabalhador adulto, que tinha o prazo máximo de dois anos para protestar seus direitos após o desligamento da sua função.

Pelo regimento da CLT201, em 1979 a idade mínima para o início do trabalho era 14 anos, ainda assim em condição de aprendiz202. Na prática, começava-se muito antes. Segundo a historiadora Christine Rufino Dabat, a entrada no mundo do trabalho na Zona da Mata pernambucana dava-se entre 8 e os 10 anos de idade e, começando a trabalhar tão cedo, muitas crianças deixavam de frequentar as escolas203. Isso fica muito evidente quando se observa as taxas de analfabetismo do período: o censo demográfico de 1980 aponta que 46,21% da população rural brasileira era analfabeta, contra 16,80% da população urbana204.

Os dados sobre o trabalho infantil no Brasil só começaram a ser oficialmente sistematizados a partir do ano de 1992. Mesmo com as estatísticas, porém, é difícil ter a real dimensão dos números sobre este problema. Segundo a procuradora do trabalho Sueli Bessa, esta dificuldade está ligada ao fato de, ainda hoje, o uso da mão de obra de crianças estar pulverizado em vários setores da economia, inclusive no trabalho doméstico, no tráfico de drogas e na exploração sexual, áreas em que não se possui dados concretos205.

Na análise da procuradora, inúmeros fatores sociais contribuem para a exploração do trabalho infantil: “É óbvio que se a família não consegue gerar renda por si só, isso vai contribuir para trazer a criança e o adolescente para o trabalho”. Ainda de acordo com o diagnóstico da procuradora, esta situação se expressa de maneira mais cruel nas áreas rurais, onde muitas vezes as crianças e adolescentes iniciam muito cedo no trabalho da agricultura

201 O Estatuto do Trabalhador Rural definia, em seu Art. 1º, que as disposições não contempladas por ele seriam

reguladas pelas normas da Consolidação das Leis do Trabalho. BRASIL. Lei nº 5889. Estatui normas

reguladoras do trabalho rural. Junho de 1973. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5889.htm>. Acesso em jun. 2016.

202 Art. 80. BRASIL. Decreto-Lei nº 5452. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Maio de 1943.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em 15 mar. 2016.

203 DABAT, Christine Rufino. Moradores de engenho. Op. Cit., p. 86.

204 Este número diz respeito à taxa total de analfabetismo no meio rural. Mas ela também está dividida por

grupos de idades. A tendência que se observa é que quanto mais velho o grupo consultado, maior a taxa de analfabetismo. Esta, segundo do Censo de 1980, era, no meio rural, entre pessoas de 15 a 19 anos de 33,52%, enquanto para o grupo de 30 a 34 anos é de 44,22%; ainda assim muito menor do que aquela observada no grupo de 65 anos ou mais: 75,7%. Importa ainda dizer que, apesar desta mesma tendência ser observada na taxa de analfabetismo no meio urbano, na área rural ela é muito maior. Para que se tenha um parâmetro, a taxa total de analfabetismo urbano é de 16,80%. A taxa mais alta está na faixa do grupo de mais de 65 anos: 44,16%. Fonte:

IBGE, Censo Demográfico 1980/2000. Disponível em:

<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/tendencia_demografica/tabela23.shtm>. Acesso em 30 jun. 2017.

205 Em entrevista ao Repórter Brasil em 2013, a procuradora Sueli Bessa falou sobre o problema do trabalho

infantil no Rio de Janeiro. ‡+i XPD FXOWXUD GH DFHLWDomR GR WUDEDOKR LQIDQWLO·, entrevista disponível em: <http://meiainfancia.reporterbrasil.org.br/ha-uma-cultura-de-aceitacao-do-trabalho-infantil/>. Acesso em 01 jul. 2017.

familiar e de pecuária. Baseada em sua experiência no Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro, Bessa afirma que “há uma cultura de aceitação do trabalho infantil” profundamente arraigada na sociedade brasileira que também ajuda a perpetuar o uso da mão de obra de crianças, cultura essa que atinge diretamente crianças negras e pobres e poupa os filhos das classes médias e altas, expressa pela máxima partilhada no senso comum que diz que “é melhor estar trabalhando do que estar na rua”. As informações da procuradora encontram ressonância na pesquisa realizada por Christine Rufino Dabat. Entrevistando trabalhadores rurais, a historiadora afirma que o início do trabalho iniciava na terra cultivada pela família, para depois deslocar-se também para as fazendas de cana206.

Apesar de estarem voltados para o combate ao trabalho infantil contemporâneo, os apontamentos de Sueli Bessa sobre a exploração da mão de obra de meninos e meninas na sociedade brasileira ajudam a pensar sobre como este problema se efetiva nos engenhos de açúcar da Zona da Mata de Pernambuco, em fins da década de 1970. A situação precária em que viviam os trabalhadores rurais, recebendo salários que não eram suficientes sequer para fazer uma diminuta feira, se estabelecia como condicionante para que os filhos começassem desde muito cedo a cortar cana, numa tentativa de aumentar a renda da família. É Dabat quem afirma que “[...] sem a ajuda dos filhos, o trabalhador não conseguiria dar cabo de tarefa tão grande e perderia num salário já insuficiente”207.

Iniciando a jornada muito prematuramente, essas crianças eram “levadas a assumir comportamentos típicos do universo adulto”208. Com responsabilidade direta sobre a renda familiar, quase sempre abriam mão do estudo formal e não conseguiam alcançar a idade mínima para a aposentadoria, haja vista que após muitos anos de serviços prestados ainda não completavam os 65 anos de idade exigidos na legislação, mas também já não tinham mais condições de continuar o trabalho nas fazendas209. Assim, completa-se o ciclo perverso da perpetuação da situação de exploração a precariedade e qual eram (e ainda são) submetidos os trabalhadores rurais, expropriados de si desde a infância.

206 DABAT, Christine Rufino. Moradores de engenho. Op. Cit, p. 386. 207 DABAT, Christine Rufino. Moradores de engenho.Op. Cit., p. 389.

208 DABAT, Christine; DOURADO, Ana; ARAÚJO, Teresa Corrêa. Crianças e adolescentes nos canaviais de

Pernambuco. Op. Cit., p. 414.

209 Segundo a socióloga Maria Aparecida de Moraes Silva, a “vida útil” de um trabalhador canavieiro, que corta

em média 15 toneladas de cana por dia, era, nos anos 2000, de 12 anos, a mesma média observada no período da escravidão no Brasil. Antes da proibição do tráfico de escravos, até 1850, a vida útil de um escravo era de 10 a 12 anos, segundo o historiador Jacob Gorender. Dados apresentados na reportagem “Cortadores de cana têm vida útil de escravo em SP”, Folha de São Paulo, 29 de abril de 2007. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi2904200702.htm>. Acesso em 10 jul. 2017.