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CAPÍTULO 4 – MEMÓRIAS DE UM POVO

4.4 Eu sou filho dessa terra

Dentre tantas narrativas, passando pelas estradas estreitas, entre as ladeiras e as casas da comunidade, logo se avista a casa com terreiro espaçoso e cheio de plantas, a casa do famoso e espontâneo “Zé Piaba”, conhecido pela comunidade, devido ao carisma e destaque na história do Castainho e a olaria que foi tão importante para o desenvolvimento do lugar.

Sr. José Bernardo da Silva, tem 67 anos, conhecido como “Zé Piaba”, traz no seu pseudônimo a herança do seu pai, avô e bisavô, pelas características físicas do seu avô, que era muito magro, ficou conhecido como “piaba”. Todos os seus familiares trabalharam na olaria da comunidade, fazendo tijolos, os quais foram utilizados nas primeiras construções da vila e depois cidade de Garanhuns. Com um largo sorriso, declarou:

As histórias daqui, do povo daqui, é quase uma só. Quando meus avôs chegaram aqui, eles eram ferrados (marca do tempo de escravo), aí eles ficaram por aqui e geraram uma família, dessa família foi gerado a gente, geraram outra e hoje eu já estou na terceira geração. [...] sobre meu pai, era de 11 irmãos, todos nascidos daqui da região, e ficaram aqui, e morreram aqui. Depois, eu tive cinco filhos, todos ficaram aqui, depois dois foram pra São Paulo. Mas eles vêm aqui, agora mesmo em dezembro vieram, foi uma festa. E, continua a vida. (sic)

Para a comunidade do Castainho as épocas das olarias acompanharam o progresso da própria comunidade e da emancipação da cidade de Garanhuns, considerando que, essa produção era reconhecida pela qualidade e pela entrega imediata na região, como ainda declarou Zé Piaba que, “[...] os tijolos daqui eram os melhores, só vendo, e todo mundo queria, era de qualidade e feito rapidinho”. Essa fase perdurou até final da década de 1990,

Figura 34 – José Bernardo da Silva (67 anos)

Morador do Castainho desde o nascimento.

Agricultor e trabalhou muitos anos na olaria na comunidade. Conhecido como “Zé Piaba”.

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depois dessa época as tecnologias e outros concorrentes provocaram o fim das olarias no Castainho, assim como essas foram fechando e sem novas perspectivas.

O depoente ainda apresentou dados específicos de sua infância, com um olhar lacrimejado, denotando muita saudade de um tempo difícil, quanto às questões financeiras, mas repleto de experiências entre todos da comunidade. Enfatiza a época da infância pela falta de coisas essenciais, como roupas, por exemplo, mas emanava uma estreita relação entre todos daquela localidade, ou seja, apesar das condições de vida ser precárias, as crianças interagiam e apreciavam coisas simples, como brinquedos produzidos por eles mesmos e sem preocupações com vestuário. Destacando que:

Tenho muita saudade das brincadeiras da gente, a gente mesmo fazia: a gangorra, cortava-se um pão, furava um buraco no chão e fazia um tipo de carrossel. Pião a gente mesmo fazia porque não tinha dinheiro para comprar. Eu lembro, eu menino ia de ano em ano pra Garanhuns, só véspera de festas. Nós num tinha roupa, e nem sabia o que era calçado. [...] antes a gente brincava mais, pra nós três era bom as brincadeiras, mas era ruim, porque não tinha escola. (sic)

Zé Piaba reforçou também sobre a sua estima pela comunidade, apontando histórias locais e folclóricas da mesma:

Gosto do Castainho, num saio daqui, só saio daqui para o cemitério. Sabia que a primeira pessoa que foi enterrada no cemitério São Miguel de Garanhuns foi uma pessoa daqui do Castainho? Eu tenho lembrança que foi em 1926 ou 28, que foi inaugurado. Porque o daqui foi desativado, ficou só a “Casa das Almas” (lá na entrada, na estrada do Castainho). (sic)

Nesse contexto, ressalta-se com tais afirmativas que, os filhos dessa terra realçam a importância do lugar fazendo menção inclusive sobre o cemitério. Relata-se que, o cuidado com os mortos e a necessidade de manter os corpos em outro espaço, conforme a cultura africana de enterrar seus familiares longe dos terreiros e casas dos quilombolas, para muitos moradores, alegando problemas com “assombração e problemas para os vivos”.

Quanto à descrição do local, denominado „Casa das almas‟, reforça o Sr. Zé Piaba, que:

Os mortos têm que ficar longe, já dizia meu avô, porque só traz coisa ruim, é verdade! Quando a pessoa morre, sai a parte boa e fica só o que não presta, e fica rodando, rodando, pense num problema. [...] E, se o cabra, fez coisa ruim, pior ainda, é problema para quem mora perto. O certo é enterrar os mortos longe, para não ter assombração. [...] Olhe naquela capelinha lá na entrada, lá na „Casa das Almas‟, os negros que foram os primeiros que morreram por essa banda, viam fugido, fizeram muita coisa errada por lá, de onde vieram. É ruim, alma vagando não presta não. [...] tem muita gente aqui que ainda hoje fala, que antigamente ouvia voz dos povos, gritos

e choro lá. Hoje a gente vê ouvir falar de luz, tem umas luz que se acende de noite e fica tudo um clarão. Deus nos livre! É história, pergunte ao povo por aí. As almas tudo solta, Deus me livre! (sic)

A seguir, apresentam-se imagens desse lugar, considerado monumento histórico:

Figura 35 – Casa das Almas do Castainho

Dentre tantas crenças e relatos familiares, percebe-se que, a comunidade não quer falar do cemitério, mas tem muito apreço pelo local, considerando que foi erguido por eles mesmos e seus familiares, e era um ponto de chegada do quilombo para os negros fulgidos de cidades ou estados vizinhos, como uma referência, além de ser, um local sagrado para todos, independentemente de religião.

Todas essas declarações interagem com as dimensões culturais presentes nas falas dos sujeitos entrevistados, assim como cada posicionamento também reluz às relações diretas desses sujeitos com a natureza, remetendo aos processos educativos.

Monumento centenário, tombado como “Patrimônio Histórico da Comunidade do Castainho”. Imagens de santos e artefatos da cultura africana, exposto numa espécie de altar sagrado. Local de orações pelos falecidos da comunidade e almas perdidas.

Imagem 1 e 2 – Parte da frente do local Imagem 3 – Parte interna do local

Fonte: Imagens capturadas durante visitas à comunidade, em abril de 2017.

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