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2. DELIMITAÇÕES CONCEITUAIS NECESSÁRIAS

2.2. Definição de eutanásia e conceitos derivados

2.2.2. Eutanásia solutiva e resolutiva

Outra classificação a ser adotada, desta feita segundo a atitude frente ao curso vital, seria a distinção da eutanásia em solutiva – também denominada de pura, lenitiva, autêntica ou genuína – e resolutiva.

A eutanásia solutiva seria aquela consistente no auxílio ao morrer desprovido de todo efeito de abreviação do curso vital. A mitigação do sofrimento mediante calmantes que não incidam na duração desse percurso, o controle das

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“Ao abordar a eutanásia realizada pelo próprio interessado, Casabona (1994) a assemelha ao suicídio sob a perspectiva do tratamento jurídico-penal, considerando que, em ambos os casos existe a vontade direta de morrer e o ato de privar-se da vida; a eutanásia autônoma seria, para ele, uma espécie do gênero suicídio. Entretanto, o próprio autor ressalva que conceitualmente ela difere do suicídio, pois a eutanásia seria a aceleração do momento da morte que se apresenta mais ou menos próxima como único meio de abreviar o sofrimento físico e moral derivado de uma enfermidade terminal ou de uma debilidade irreversível; já o suicídio consistiria em quitar-se violenta e abruptamente a própria vida que não se deseja mais viver por qualquer outro motivo e em circunstâncias diferentes” (FELIX, 2006, p. 19).

sufocações ou espasmos, a assistência psicológica e/ou espiritual ao enfermo ou ancião são expressões dessa espécie de eutanásia.

Mencionada modalidade, uma vez observado o consentimento do paciente, não apenas carece de relevância típica, senão que traduz, genericamente, um dever moral e jurídico. Nesse contexto, observe-se a posição de Claus Roxin (1999, p. 12), quando assevera:

Pode-se chamar de ‘eutanásia pura’ a hipótese em que se ministram ao moribundo meios lenitivos, que não possuam efeitos de diminuir-lhe o tempo de vida. Tal conduta, se praticada por desejo ou consentimento do paciente, é, obviamente, impunível. Na hipótese de não poder mais o moribundo emitir uma declaração de vontade, ou já não estar ele em condições de o fazer de modo responsável, a conduta também será impunível, se corresponder à sua vontade presumida – como em regra deverá ser o caso.21

Já o seu paralelo, eutanásia resolutiva, divide-se nas modalidades libertadora, eugênica e econômica, “configurando o traço distintivo o motivo que impulsiona o agente, ocorrendo, em todas elas, a redução ou supressão do curso vital, podendo ser ou não no interesse do sujeito passivo, bem como mediante seu consentimento ou não”22 (FELIX, 2006, p. 20).

A eutanásia libertadora ou terapêutica seria aquela praticada por razões solidárias, sendo a piedade o motivo determinante de tal ação e com a finalidade de eliminar o sofrimento do doente, acelerando o momento da morte.

Ao examinar referida problemática, Jiménez de Asúa (1929, p. 252-253,

apud FELIX, 2006, p. 21) destaca a necessidade de se diferenciar a eutanásia

praticada por médico, considerando tratar-se de verdadeira cura, desde que nos seus justos limites, daquela praticada por familiares ou amigos fieis e desinteressados do doente (homicídio piedoso), quando pode ensejar o perdão

21 Consoante Roxin (apud FELIX, 2006, p. 20), em virtude da obviedade de suas soluções, mal

se faria necessária mencionar este grupo de problemas, se não fossem possíveis as hipóteses em que, contra o desejo do paciente, a eutanásia pura é prestada ou omitida. Exemplo da primeira situação é trazido pelo autor quando aduz o caso do moribundo que recusa a injeção de meios que lhe aliviem a dor, porque deseja viver a sua morte em plena consciência, sem vê-la transformada num sono suave. A segunda situação remete ao caso em que o anestésico não é ministrado, ou é aplicado em quantidade insuficiente, apesar de o moribundo o requerer de modo expresso, sendo que o médico, mesmo podendo, não está evitando sofrimentos desnecessários ao paciente.

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O conceito se diferencia do adotado por Niño (2005, p. 83), quando assevera que tal modalidade é caracterizada por incidir na duração do prazo da vida, seja reduzindo-o, seja suprimindo-o, no interesse do enfermo ou ancião e com seu consentimento prévio e autodeterminação ou de seus representantes legais.

judicial, desde que não guiado por um motivo egoístico, consoante se percebe da seguinte passagem:

O problema da morte dada por compaixão ao doente incurável e doloroso, consciente do seu mal e do seu estado, que deseja abreviar seus padecimentos deve ser resolvido com justiça e humanidade. Mas para achar uma solução correcta é necessário fraccionar o tema. É preciso distinguir a eutanásia médica da prática do homicídio por piedade exercida por familiares ou amigos fiéis e desinteressados.. O médico, diz-se, nao pode praticar a eutanásia com o premeditado desígnio de produzir a morte; mas chega a ele como um meio de cura. Por desgraça, a medicina nem sempre cura; na maior parte das vezes só alivia os padecimentos. Curar não é só dar a saúde, é aliviar também. Mas, quando o médico, ante dores exarcebadas e intoleráveis, aplica meios analgésicos e narcóticos é com a consciência de que abrevia a existência do enfermo, de que lhe acelera o fim dos seus dias cruéis. Mas ao médico não o guia a intenção de matar o paciente, nem ainda por piedade, mas o seu desígnio é aliviá-lo, diminuir-lhe o sofrimento.

A eutanásia eugênica ou selecionadora consiste na supressão indolor de pessoas portadoras de doenças contagiosas e incuráveis, de deformidades, além de recém-nascidos com malformações, com a finalidade de promover o melhoramento da espécie humana, não se exigindo que o enfermo esteja próximo da morte. Já a eutanásia econômica consistiria na morte de anciãos e inválidos, doentes mentais e loucos irrecuperáveis, com o escopo de aliviar a sociedade do peso de pessoas economicamente inúteis, extintas de valor vital, e aliviar o sistema de saúde com gastos desnecessários (FELIX, 2006, p. 23).

Como ressaltou Deusdedith Sousa (1995, p. 152):

Tais modalidades revelam a torpeza e maldade de algumas pessoas. E, por incrível que possa parecer, ambas têm defensores extremados, como Binet-Sanglé, Carlos Richet, “o apóstolo do homicídio eugênico”, e Binding, homens de notável saber científico. Essa tríade famosa advogou, nos seus escritos, forrados de muita ciência, a matança das chamadas “vidas sem valor vital”. Delas utilizou-se Hitler, no seu “programa eutanásico”, de 1939, cuja execução coube a Karl Brandt que acabou sendo enforcado, por decisão do Tribunal Neuremberg.

Por certo, a eutanásia eugência e econômica consistem, na verdade, em homicídios qualificados (art. 121, §2°, I, do Código Penal), cuja real finalidade se pretende acobertar-se com eufemismos, ao contrário da eutanásia libertadora, que pode causar a boa morte ao paciente, com o objetivo de aliviar a sua dor e o seu sofrimento.

Isso porque, atualmente, compreende-se a eutanásia como o emprego ou abstenção de procedimentos que permitem apressar ou provocar o óbito de um doente incurável, de forma diversa de seu curso natural, a fim de livrá-lo dos extremos sofrimentos que o afligem ou em razão de outro motivo de ordem ética (a exemplo do paciente comatoso). Existe, dessarte, um elemento essencial em sua configuração, qual seja, a intenção do agente envolvido, já que a morte deve se constituir a sua finalidade primária, movido pela piedade e compaixão humanitária (LEPARGNEUR, 1999, p. 03).

Apenas cabe referir-se à eutanásia, sob o risco de violentar, em caso contrário, o marco semântico da questão, quando os valores em conflito com o supremo, configurado pela vida humana, são, excludentemente, a dignidade e a liberdade desse mesmo ser. Por isso, tem-se notado a sinonímia entre eutanásia e o direito a morrer com dignidade (NIÑO, 2005, p. 85).