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Evento 4: PROCON x Redes Sociais

No documento O Eu e o Outro Online (páginas 126-132)

5. Eventos Discursivos – Dados e Reflexões

5.2 Categoria 2 Relações Comerciais

5.2.2 Evento 4: PROCON x Redes Sociais

Dando continuidade à análise da categoria de relações comerciais, passamos ao segundo evento dessa categoria específica, em que focalizaremos a mudança social no âmbito da reivindicação de direitos do consumidor por intermédio das Redes Sociais.

Essa mudança vem chamando a atenção de vários meios de comunicação e da imprensa, e diz respeito ao fato de as Redes Sociais estarem se demonstrado mais eficazes na reivindicação de direitos do consumidor do que os próprios órgãos que atuam na sociedade na proteção e defesa ao consumidor, como o PROCON.

O PROCON31 (Órgão de Proteção e Defesa do Consumidor) atua em todo Brasil em defesa do consumidor, e orienta os consumidores em suas reclamações, informa sobre seus direitos e fiscaliza as relações de consumo. O órgão funciona como auxiliar do Poder Judiciário, buscando solucionar previamente os conflitos entre o consumidor e a empresa que vende um produto ou presta um serviço. Quando não há acordo entre as partes, o órgão encaminha o caso para o Juizado Especial Cível com jurisdição sobre o local. O Procon tem seu embasamento no artigo 105 da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), pode ser estadual ou municipal, e é parte integrante do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor.

Dessa forma, o PROCON tem a incumbência de atuar em benefício do consumidor, prevenindo que práticas de abuso de poder venham a lesar o indivíduo nas relações comerciais. A assimetria de poder entre a empresa e o consumidor, em geral,

reside no poder aquisitivo das instituições, que, por vezes, exercem formas ilegítimas de dominação em relação aos consumidores, os quais, ao sofrerem algum tipo de dano, enfrentam dificuldades em ver seus problemas resolvidos.

Aparentemente as Redes Sociais propiciam um espaço de denúncias e de resoluções mais ágil do que aquele do PROCON, o que inverte os papéis de dominação e poder entre empresas e consumidores.

O principal fator a que podemos atribuir essa agilidade na resolução das demandas suscitadas pelas Redes Sociais está em consonância com o que vimos no evento anterior quanto à importância de consolidar uma imagem consistente da empresa nas Redes Sociais em benefício próprio. As instituições dependem da imagem veiculada na sociedade para evitar os prejuízos possivelmente oriundos do marketing negativo que se pode realizar por meio das Redes Sociais.

Enquanto o PROCON realiza um processo burocrático para solucionar conflitos, processo este que tem pouca ou nenhuma visibilidade na sociedade, um usuário com muitos seguidores tem um alcance muito mais impactante, uma vez que, com um mero comentário depreciativo sobre a empresa, ou acerca de um de seus produtos ou serviços, pode desencadear repercussão de uma imagem indesejável para a empresa.

Conforme o quadro a seguir, do jornal virtual TecMundo32, as empresas tendem a priorizar os usuários mais influentes das Redes Sociais nesse processo de reivindicação de direitos, já que, como vimos, o impacto de seus comentários é diretamente proporcional ao número de usuários que os comentários podem alcançar. Mais uma vez, conforme apontado previamente no referencial teórico, se percebe que não há democratização do discurso, através da retirada das assimetrias de poder nas Redes Sociais, mas, sim, que o poder de influência prevalece no potencial de disseminação de conteúdos dos usuários de Redes Sociais, inclusive na efetividade do discurso de reivindicação de direitos de consumo.

32 Disponível em: http://www.tecmundo.com.br/rede-social/14344-redes-sociais-sao-o-melhor-canal-

Já o quadro abaixo, do jornal A Gazeta33, apresenta informações, quanto à pesquisa realizada sobre o tempo médio de resolução e de resposta por parte das empresas, comparando-se a utilização de canais distintos de reclamação: Twitter,

Facebook, Chat On-line, SAC e PROCON.

33 Disponível em: http://midias2.gazetaonline.com.br//_midias/jpg/2012/03/13/457_eco140312gz3168-

Quanto à agilidade no tempo de resposta, vejamos um exemplo deste evento discursivo extraído da Rede Social Twitter, em que é possível perceber um tempo de retorno de 15 minutos por parte da empresa.

Dessa forma, cabe ressaltar que, segundo pesquisa realizada pela Folha.com, e veiculada no jornal virtual TecMundo, “reclamar sobre problemas com empresas no

Twitter ou no Facebook é mais eficiente. As Redes Sociais se mostram tão eficientes

que uma reclamação pelo Twitter costuma ser respondida até 8,4 mil vezes mais rápido do que por meio dos órgãos de defesa do consumidor” (GUGELMIN, 2012).

Através destes dados, percebemos que as Redes Sociais propiciam uma solução mais rápida para o consumidor, se comparadas aos demais meios de reclamação, inclusive os oficiais. Convém mencionar novamente que as Redes Sociais conectam pessoas que possuem vínculos e, consequentemente, em geral compartilham nível social, idade e gênero. Isso, para as empresas, representa possibilidade de terem também perfis de consumo em comum.

Ou seja, se for veiculada uma imagem depreciativa da empresa ou do produto, há uma grande probabilidade de ser gerada uma publicidade negativa justamente junto ao público potencialmente consumidor do produto ou serviço vendido; algo que não acontece na mesma escala com as reclamações veiculadas por meio dos canais formais.

Essa percepção social nos leva à reflexão sobre as relações de poder que se inauguram nesses espaços de interação social digital na relação de consumo. Isso porque, em geral, as empresas ocupam o polo de domínio em relação aos consumidores. A própria legislação do consumidor prevê que o consumidor está em situação de

desvantagem a priori, já que se subentende que a empresa possui maiores recursos financeiros e de autodefesa.

Muitos relatos cotidianos apresentam empresas que “abusam” (van Dijk, 2010) de seus clientes, seja fornecendo um produto defeituoso, seja se mostrando falha na solução de problemas de qualquer espécie. Há um imaginário muito difundido de que os vendedores tratam seus clientes com grande atenção e solicitude no momento da venda, mas que, uma vez concluídos os trâmites da negociação, cessa o bom atendimento.

O que percebemos aqui é que as Redes Sociais se constituem, nessas relações comerciais, como um espaço potencial para que seja revertida essa realidade de assimetrias de poder instituída. O consumidor, antes vitimizado pelo seu papel social de menos poder, passa a detentor de uma ferramenta de reclamação eficiente, e capaz de expor a empresa em seu ponto mais frágil, que é justamente a sua imagem junto à sociedade.

Embora, como ressaltamos, o poder de influência do usuário de Rede Social seja relevante e proporcional para seu sucesso na reclamação, a lacuna que se revela para mudança social, ainda que de forma não democrática, é de grande valia para a investigação das novas relações e novas identidades que se constituem nos espaços digitais.

O papel social do consumidor, como um potencial difusor de propaganda negativa em larga escala, inaugura novos estatutos sociais que surgem em cascata, como, por exemplo, a necessidade de monitoramento das Redes Sociais por parte das instituições, e de solução das demandas compartilhadas nas ferramentas, visando minimizar o impacto das reclamações.

No exemplo abaixo, da Rede Social Facebook, podemos perceber um usuário dos serviços da empresa Banco do Brasil, que, esgotados os meios para ver solucionado seu problema, se dirige à empresa por meio da página na Rede Social. Em resposta, percebemos a empresa buscando direcionar a reclamação do usuário para mensagem privada. Dessa forma, evidencia-se a busca de atuar junto ao consumidor preservando a imagem da empresa, ou, ao menos, minimizando os efeitos da veiculação de uma imagem negativa.

Cabe aqui mencionar que usuários que se excederam em reclamações e utilizaram de linguagem difamatória ou excessivamente depreciativa já foram processados por empresas que consideraram ter se consolidado dano moral à imagem da empresa, desproporcional ao prejuízo vivenciado pelo consumidor.

Assim, surgem conflitos e eventos múltiplos relacionados às relações comerciais, que por vezes chegam a extrapolar o âmbito digital e alcançar esferas judiciais. Mais uma vez, percebe-se uma nova forma de comportamento e posicionamento se desenrolar nos espaços digitais de interação e ação social, propiciando o questionamento da ideologia hegemônica estabelecida.

No âmbito das relações comerciais, pudemos então vislumbrar as Redes Sociais como estruturalmente estabelecendo formas de dominação a seus usuários, ao utilizá-los como moeda comercial, ao vender dados e inserir publicidade direcionada, sob a justificativa de ser um espaço de interação gratuito, e de propiciar o compartilhamento de informações que são do interesse do usuário. Ao mesmo tempo, percebemos uma mudança social em curso, em que os consumidores passam a se utilizar dos espaços das Redes Sociais enquanto plataforma para reivindicação de direitos e questionamento das assimetrias de poder estabelecidas.

Mais uma vez, então, é pertinente ressaltar a importância da utilização crítica das Redes Sociais, para que seja possível neutralizar as formas de dominação presentes na própria plataforma e aperfeiçoar seu uso enquanto ferramenta para denunciar desigualdades e injustiças sociais, nesse caso, no âmbito das relações comerciais.

Por fim, focalizamos a terceira e última categoria de relações a serem abordadas na pesquisa, as relações midiáticas, ressaltando que essa categorização tem como objetivo apenas a organização dos dados, uma vez que interesses comerciais e políticos frequentemente se misturam às relações midiáticas.

No documento O Eu e o Outro Online (páginas 126-132)