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Evidenciando o problema e sugerindo uma hipótese

No documento 2019RafaeldeSouzaTimmermann (páginas 55-61)

Diante do exposto nas seções anteriores sobre o ensino de língua estrangeira no Brasil e a metodologias nas quais se baseia, destacamos o que chamamos de problema. Problema esse que, para alguns mais satisfeitos com o que se tem feito, pode não ser um problema. Do nosso ponto de vista, trata-se de uma questão que merece atenção e debate. Tentamos explicar esse problema que encontramos nas linhas que seguem.

Em um mundo ideal, os estudantes de Letras (pois não vamos considerar professores sem formação na área para este estudo) desenvolveriam conhecimentos aprofundados no que tange às abordagens psicológicas, nas quais os métodos de ensino se baseiam.

Nesse mundo ideal, a partir do conhecimento sobre as abordagens, os professores em formação começariam a escolher quais seriam as mais adequadas para a sala de aula, bem como rechaçariam outras. A partir daí, ao estudar os métodos de ensino de língua inglesa, perceberiam que nem todas as conexões são feitas entre abordagens e métodos, porém, mesmo assim, fariam outras escolhas em relação aos métodos, optando por aqueles que julgam melhor se adequarem a sua proposta. Seguindo, escolheriam as melhores estratégias para o ensino, as quais o(s) método(s) prevê(em), sempre visando ao melhor aprendizado de seus alunos. Se pudéssemos organizar de forma ilustrativa essa realidade que desconhecemos sobre a formação de professores de língua, seria a seguinte, como representado na Figura 4:

Figura 4: Abordagem, métodos e técnicas

Fonte: próprio autor (2019)

Apesar de imaginar quão bom seria ter disponível tal organização e tais conhecimentos, ainda mais se fornecessem uma noção clara de língua a qual se está pretendendo ensinar, percebemos que não é real. Em meio a tantas abordagens, métodos, estratégias, além das outras disciplinas obrigatórias nos cursos de letras (para aqueles professores que, de fato, realizam o curso), percebemos uma certa falta de rumo, de direção por parte dos professores de língua inglesa.

Há, como dissemos, muitas abordagens com bases em teorias da psicologia que são apresentadas aos professores em formação, algumas inclusive ensaiam certos conhecimentos sobre a língua, sobre os aspectos da linguagem, outras não. Mesmo assim, são discutidas brevemente, sem, de fato, dar margem a discussões relevantes, talvez por falta de vontade dos alunos, talvez por falta de conhecimento dos professores (que, geralmente, não são da área da psicologia), ou, talvez, pelo julgamento de que seria mais interessante tratar de estratégias ou ocupar o tempo disponibilizando recursos para os futuros professores ensinarem língua estrangeira, como mostrado no estudo realizado pelo British Council, o qual apresentamos na seção 2.1.2.

Existe, também, uma quantidade considerável de métodos de ensino. Por vezes, são distribuídos em uma linha temporal, tanto pela recepção, quanto pela utilização por parte dos professores. Um exemplo disso é o Método de Gramática e Tradução. Supõe-se que seja um método ultrapassado há muito tempo, e é, inclusive, motivo de deboche quando se trata de

métodos de ensino. No entanto, pelo menos em nossa geração, quem não teve um professor de inglês na educação básica que trabalhava, apenas, tradução? É possível que a tradução não fosse de textos clássicos como o método pressupunha, mas de frases isoladas, com o auxílio de um dicionário. Seria o ensino de língua? Talvez, sim. Talvez, não. Dependendo da concepção de linguagem que o professor possui, é possível que uma aula de tradução seja excelente. Quem, entre nós, professores, nunca utilizou um exercício de tradução que atire a primeira pedra.

Há, além das abordagens e dos métodos, inclusive na determinação do termo, incontáveis estratégias para leitura, para escrita, para fala, para entendimento auditivo (as quatro habilidades), cada método indicando tarefas e técnicas para desenvolvê-las. Com a tecnologia avançada que temos, o CD-player ficou no passado e podemos utilizar recursos digitais a todo o momento. Há uma vasta produção de materiais disponíveis online com tarefas que visam desenvolver as habilidades. Algumas são excelentes, outras nem tanto. O que varia nessa avaliação é o olhar do professor que as analisa, que as escolhe para determinado fim. Seria essa escolha baseada em alguma abordagem ou método, apenas? Entendemos que não. Percebemos que essas escolhas são baseadas na vivência do professor, sua boa vontade e, principalmente, na sua intuição baseada em conhecimentos genéricos sobre os métodos e abordagens. Fato esse que alguns professores criam seus próprios materiais, seus próprios métodos, como se pode perceber em alguns youtubers que se propõem a ensinar língua estrangeira (TIMMERMANN, 2018).

Essa é a realidade. Optamos por não realizar uma pesquisa de campo ou uma pesquisa quantitativa que interrogasse professores, pois, em relação ao nosso assunto, entendemos que de pouco valor seria. Como professores, pelas discussões, pelas percepções, pelas conversas, podemos dizer que conhecemos a realidade da maioria das aulas de língua inglesa, seja ela no âmbito escolar, nas escolas de idiomas e, até mesmo, nos cursos de Letras das universidades. Além disso, de certa forma, com nosso trabalho, questionamos a imagem que se tem de que os métodos é que fazem a diferença no ensino: entendemos que não, que quem faz a diferença é o professor, com base na sua concepção de língua e sua concepção de ensino. Falamos de forma geral, sem tentar, de forma alguma, generalizar. Muitas coisas boas foram feitas na área e evoluímos como professores, como educadores. Com essa evolução, entendemos que há possibilidade de diálogo para, a partir do que já foi desenvolvido, possamos avançar mais.

Essa realidade que retratamos pode ser considerada como caos, como era pós método, enfim, um momento em que não se sabe exatamente o que fazer ou por que fazer determinada ação docente, ou seja, algo que auxilie o professor a nortear suas escolhas. Entendemos que

esse algo seria uma concepção de língua, a qual sustentaria as decisões do professor, pois o método, por si só, não é suficiente.

Tendo dito isso, assim como ilustramos a realidade idealizada sobre o ensino de língua estrangeira, tentamos demostrar como, na verdade, percebemos a situação, representada na Figura 5:

Figura 5: Abordagem, método e técnicas: possibilidades

Fonte: próprio autor (2019)

Com essa imagem, pretendemos exemplificar, mantendo as formas geométricas representativas, que o professor tem diante de si inúmeras possibilidades de abordagens, de métodos e de atividades para usar em suas aulas, no entanto, elas não se apresentam de forma clara e organizada. Da mesma forma, percebemos que há a necessidade de algo que em que o professor possa basear as escolhas que faz: entendemos e tentaremos mostrar, que se trata de uma concepção de linguagem.

Como se tentou representar na imagem acima, há muitas possibilidades, umas interessantes, outras nem tanto, porém confusas. Pontuamos que, além de confusas, essas possibilidades de métodos e abordagens e técnicas, por si só, não são suficientes para o ensino de língua estrangeira.

Dessa forma, nesse emaranhado de possibilidades, de abordagens, de métodos, de estratégias, pontuamos que, ao nosso ver, a concepção de linguagem tal qual compreendemos da Teoria da Enunciação de Benveniste, é um conhecimento anterior à escolha da abordagem

ou do método a ser utilizado: a concepção de língua permitida pelo viés enunciativo, acreditamos e tentaremos mostrar, fornece ao professor de língua os subsídios necessários para escolhas conscientes no que tange ao ensino de língua estrangeira. Em outras palavras, entendemos que é a concepção de língua do professor que sustenta a escolha de um ou mais métodos ou de técnicas e, assim, sustenta sua prática docente.

Sendo assim, é tempo de apresentar, de forma apropriada a tese que buscamos delinear neste trabalho. Retomando o exposto na Introdução, propomo-nos, neste trabalho, a dedicar atenção ao ensino de línguas sob um viés enunciativo, isto é, mostramos a tese de que a teoria da enunciação comporta noções basilares que contribuem como aparato teórico para as escolhas que os professores fazem ao optarem por abordagens, métodos e técnicas, no que tange ao ensino de língua estrangeira como prática humana e o seu próprio fazer docente.

Relembrando o que apresentamos como problemática, os professores estão diante de uma gama de abordagens psicológicas, métodos de ensino e técnicas procedimentais, a partir dos estudos elaborados na graduação, dificultando, assim, as escolhas que precisam fazer no momento em que entram na sala de aula. Entendemos que a linguística da enunciação pode auxiliá-los nessas escolhas, a partir do conhecimento prévio dos conceitos discutidos, sustentando, assim, a sua prática de sala de aula, com vistas a um melhor ensinar língua estrangeira. Referimo-nos a conhecimento prévio, pois compreendemos que são conhecimentos anteriores às escolhas. Uma vez compreendidos pelos professores, nortearão as escolhas que fazem. Ilustramos da seguinte forma na Figura 6:

Figura 6: Concepção enunciativa de língua como base

Fonte: próprio autor (2019)

Entendemos que, como ilustrado na Figura 6, a gama de possibilidades pode ser organizada a partir das escolhas conscientes realizadas pelos professores, sendo elas baseadas em uma teoria de língua, passando por abordagens psicológicas, podem alcançar o resultado de um ensino de língua que serve para viver. Dessa maneira, as abordagens, os métodos e as técnicas de ensino ficam à disposição dos professores e são sustentados por uma concepção de língua, a qual, neste trabalho, sugerimos ser uma concepção enunciativa de língua, como a encontramos nos textos do linguista Émile Benveniste .

Tendo explicitado o problema que encontramos no que diz respeito ao ensino de língua estrangeira e nossa hipótese, no próximo capítulo, destacamos nossa inquietação em relação ao tema, bem como a motivação que nos fez trazer Benveniste para o diálogo. Além disso, apresentamos ao leitor quem é Benveniste e em que baseamos a concepção enunciativa de língua.

3 A LINGUÍSTICA DA ENUNCIAÇÃO: UM ESTUDO DA LINGUAGEM

Neste capítulo, temos o intuito de situar o leitor, estudante de letras, professor de língua estrangeira, de onde partimos para a nossa discussão. Como já mencionado, tratamos do ensino de língua estrangeira sob um viés enunciativo e fundamentamos esse olhar na Teoria da Enunciação, segundo o linguista Émile Benveniste. Pelo fato de não termos encontrado uma substancial produção acadêmica envolvendo o ensino de línguas e a Teoria da Enunciação, entendemos que os campos do conhecimento não dialogam muito e, por isso, faz-se necessário realizar certos esclarecimentos quanto ao que iremos utilizar. Dessa forma, achamos pertinente pontuar, na primeira seção, o que é a linguística da enunciação e como seus estudos são desenvolvidos; na segunda seção, apresentar o autor Émile Benveniste e a sua obra ao leitor; na terceira seção, esclarecer por que escolhemos esse autor para dialogar com os estudos sobre o ensino de língua inglesa, bem como situar o estudo que realizamos; e, na última seção, apresentar textos de leitores de Benveniste, os quais, por abordarem o ensino da língua materna sob um viés enunciativo, motivaram-nos à elaboração deste trabalho.

No documento 2019RafaeldeSouzaTimmermann (páginas 55-61)