• Nenhum resultado encontrado

3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

3.7 EVOLUÇÃO DA TEXTURA CRISTALOGRÁFICA DOS AÇOS INOXIDÁVEIS

No processo de produção dos AIDs, o desenvolvimento da textura da fase ferrítica do aço inoxidável UNS S31803 durante o lingotamento contínuo acontece na solidificação e a textura da austenita é decorrente da transformação da ferrita em austenita. A textura da fase ferrítica na região próxima ao molde é quase aleatória devido à nucleação heterogênea. A região constituída por grãos colunares com rápido crescimento na direção <001> paralela à direção normal da placa fortalecem a fibra <001> || DN. A austenita precipita nos contornos de grão ou dentro da fase ferrítica com uma relação específica que respeita as relações de orientação Nishiyama-Wassermann (N-W) ou Kurdjumov-Sachs (K-S) e apresenta fraca textura em todas as regiões (HERRERA; PONGE e RAABE, 2008).

Relatos na literatura indicam que a textura encontrada para a fase ferrítica nos AIDs com diferentes composições químicas após laminação a quente é composta por acentuada textura que consiste em fibra α com máximo na orientação (001)[1 ̅0] até a (112)[1 ̅0], ou seja, a intensidade da fibra α diminui com o aumento do ângulo Φ. Na fase austenítica, as orientações Latão {011}<211>, S {123}<634>, Cobre {112}<111> e Goss {011}<100> são predominantes. A presença da orientação cubo {001}<100> indica que a recristalização dinâmica e/ou metadinâmica aconteceu durante a laminação a quente (KEICHEL; FOCT e GOTTSTEIN, 2003; FARGAS; AKDUT; et al., 2008; HAMADA e ONO, 2010). Badji e colaboradores (2011) realizaram análise de textura por meio de EBSD do aço UNS S31803 após laminação a quente e recozimento com espessura de 7 mm, Figura 10. Estes autores observaram maclas de recozimento na austenita e grãos alongados na ferrita. Em relação à textura, adicionalmente ao relatado pelos autores citados anteriormente, a fase ferrítica apresentou fibra γ fracamente desenvolvida (BADJI; BACROIX e BOUABDALLAH, 2011).

Figura 10 – Mapa de orientação e ODF das fases (a) austenítica e (b) ferrítica.

(b) Fonte: BADJI; BACROIX e BOUABDALLAH, 2011.

Nos trabalhos citados neste tópico, os autores estudaram a textura dos AIDs após laminação a quente por difração de raios-X e EBSD; e não informaram a região de análise ou realizaram a análise no centro da espessura da chapa. Entretanto, os aços inoxidáveis ferríticos e austeníticos apresentam textura heterogênea ao longo da espessura após laminação a quente (RAABE e LÜCKE, 1993; GAO; LIU; et al., 2013; RODRIGUES, 2013). Próximo à superfície, a textura dos aços inoxidáveis ferríticos é composta pelas componentes Goss {011}<100>, Latão {110}<112>, Dillamore {4 4 11}<11 11 8> e Cobre {112}<111> e são decorrentes da forte deformação por cisalhamento durante a laminação a quente. No centro, a textura apresenta fibra α com alta intensidade na orientação {001}<110> proveniente da orientação <001>||ND do processo de lingotamento contínuo (RAABE e LÜCKE, 1993). Os aços inoxidáveis austeníticos apresentam no centro a componente cubo e a fibra β com maior intensidade nas componentes Latão {110}<112> e Cobre {112}<111>. Na superfície é encontrada a fibra γ e as orientações {001}<110> e {112}<110> que são componentes típicas de cisalhamento para os aços inoxidáveis austeníticos (RAABE, 1997).

Keichel, Foct e Gottstein (2003) investigaram a textura após a laminação a frio com redução de 90% de um AID com 25,2% Cr, 0,4% N, 7,1% Ni, 4,1% Mo e 2,9% Mn. Os resultados deste estudo, Figura 11, mostraram que a fase ferrítica apresentou fibra α com maior intensidade entre as componentes {001}<110> e {112}<110> enquanto a fibra γ foi fracamente desenvolvida. A textura da fase austenítica

apresentou as componentes Latão {011}<211> e Goss {011}<100> com alta intensidade. Estes autores concluíram que a textura das fases ferrítica e austenítica é comparável com os respectivos aços inoxidáveis ferríticos e austeníticos. Logo, o mecanismo de deformação operante nas fases do AID é o mesmo dos aços monofásicos. A alta intensidade da componente Goss {011}<100> indica a ocorrência de transformação martensítica induzida por deformação. De fato, Raabe (1997) sugeriu que a transformação martensítica induzida por deformação acontece por meio da transformação seletiva da componente Latão {011}<211> enquanto que a componente Goss {011}<100> apresenta maior estabilidade. Entretanto, ressalta- se que o maior conteúdo níquel e manganês do aço investigado por Keichel, Foct e Gottstein (2003) proporciona maior estabilidade à austenita em relação à formação de martensita.

Figura 11 – ODF das fases (a) ferrítica (seção φ2 = 45) e (b) austenítica (φ2 constante).

(a) (b) Fonte: KEICHEL; FOCT e GOTTSTEIN, 2003.

Kumar e colaboradores (2007) investigaram a textura da austenita remanescente na superfície e centro da espessura do aço inoxidável AISI 304 após laminação a frio com 10, 30, 50, 70 e 90% de redução e resfriamento entre passes, Figura 12. A austenita apresentou aumento gradual da intensidade das componentes Goss {011}<100> e Latão {011}<211> na superfície. Após 90% de redução, um pico em torno desta componente foi observado pelos autores. No centro, transição da orientação Cobre {112}<111> para Latão {011}<211> acontece em menores porcentagens de redução. Para os metais com estrutura cristalina CFC com baixa EFE, o aumento da deformação causa a rotação dos grãos com orientação Cobre {112}<111> para Latão {011}<211> por meio da formação de maclas e bandas de cisalhamento (YAN; ZHAO; et al., 2014).

Figura 12– Influência do grau de deformação a frio para o aço inoxidável AISI 304 na fibra α: (a) superfície e (b) centro.

(a) (b) Fonte: KUMAR e GHOSH, 2007.

Componentes típicas após laminação a frio de metais com estrutura cristalina CCC foram observadas na fase martensita α’ como a orientação {112}<110> e {001}<110> além da orientação {332}<113>. A transformação entre as componentes da fase austenítica para martensítica para o aço inoxidável AISI 304 é governada pela relação de orientação Kurdjumov-Sachs. Assim é esperado que as componentes de textura na austenita, Cobre {112}<111>, Latão {110}<112>, S {123}<634> e Goss {011}<100> se transformem, respectivamente, nas componentes

de textura {112}<110>, {001}<110>, {211}<113> e {112}<110> na martensita α’ (KUMAR; SINGH; et al., 2004). A componente Latão {011}<211> ainda origina a orientação {332}<113> que não é estável em deformação plana e gira para {111}<112> (RAABE, 1997).

Conforme Raabe e Lucke (1993), a textura desenvolvida na laminação a frio é fortemente dependente da textura inicial da bobina laminada a quente e pode ser descrita pelas fibras α e γ para os aços inoxidáveis ferríticos. Rodrigues (2013) relatou que a componente (001)[1 ̅0] apresentou alta intensidade no centro da espessura da chapa após o processo de laminação a frio industrial com 85% de redução para um aço inoxidável 430 estabilizado ao nióbio. Esta componente apresentou alta intensidade na bobina laminada a quente, principalmente nesta região. As componentes (001)[1 ̅0], (114)[1 ̅0] e (112)[1 ̅0] pertencentes a fibra α apresentaram alta intensidade na superfície, 20% abaixo da superfície e centro. A fibra γ foi fracamente desenvolvida em comparação com a fibra α.

Em um trabalho complementar, Keichel, Foct e Gottstein (2003) estudaram a evolução da textura após recozimento a 1100°C por 2, 5, 20 e 2000 segundos. A ferrita apresentou fibra α mais intensa e fibra γ pouco desenvolvida com alta intensidade na componente {111}<112>, Figura 13. O aumento da redução na laminação a frio e tempo de encharque causou um leve aumento da intensidade desta componente. Estes autores afirmaram que a presença da orientação {111}<112> indica leve recristalização. A textura de deformação retida é decorrente do processo recuperação devido à alta intensidade entre as componentes {001}<110> e {112}<110> da fibra α após laminação a frio.

Figura 13 – Textura da fase ferrítica: (a) ODF da amostra após recozimento com encharque de 2000 segundos e (b) diagrama da fibra γ (A linha em negrito e em cinza representa a condição após laminação a frio e após processo de recozimento com tempo de encharque de 2000 segundos, respectivamente).

Fonte: KEICHEL; FOCT e GOTTSTEIN, 2003.

De fato, o armazenamento de energia por meio de discordâncias durante o processo de deformação é significativamente dependente da orientação e influencia a nucleação durante a recristalização dos aços com microestrutura ferrítica. Os grãos da fibra γ armazenam maior energia como demonstrado pela maior fragmentação e maior diferença de orientação intragranular em relação aos grãos da fibra α. A diferença de orientação entre pontos vizinhos na direção de laminação é menor que 2° para os grãos com orientação pertencente a esta fibra (HE; LIU; et al., 2013). Samajdar e colaboradores (1997) afirmaram que a energia armazenada durante a deformação com redução de 90% aumenta na seguinte sequência para as orientações: {001}<110>, {112}<110>, {111}<110> e {111}<112>. Portanto, os grãos com orientação {001}<110> são suscetíveis ao processo de recuperação enquanto que a taxa de nucleação dos grãos de fibra γ é maior em relação às demais orientações (HUTCHINSON, 1984). Adicionalmente, durante o processo de recristalização, a intensidade da fibra α diminui em decorrência do fortalecimento da fibra γ para os aços inoxidáveis ferríticos (RAABE e LÜCKE, 1993; GAO; LIU; et al., 2013; GAO; LIU; et al., 2013; YAN; BI; et al., 2009).

Para a fase austenítica do AID, Keichel, Foct e Gottstein (2003) citaram que após o recozimento a textura de deformação é retida, Figura 14. Estes autores sugeriram que nucleação orientada ou migração de contornos induzida por deformação são os mecanismos determinantes para a evolução da textura da fase austenítica e leva a textura de recristalização similar à textura de deformação. Por outro lado, Zaid e Bhattacharjee (2014) afirmaram que este fato acontece em decorrência da recristalização primária com ausência de seleção de orientação preferencial. De fato, Bracke e colaboradores (2009) verificaram para uma liga austenítica Fe-Mn-C que a microestrutura de deformação homogênea não causou a formação de núcleos preferenciais. Segundo estes autores, os núcleos formados possuem orientação aleatória e orientações características de deformação. No caso dos aços inoxidáveis austeníticos, a retenção da textura de deformação para o AISI 316L está associada ao efeito de solução sólida do molibdênio em retardar a movimentação dos contornos de grão, consequentemente, inibir o crescimento orientado (DONADILLE; VALLE; et al., 1989; WAWSZCZAK; BACZMAŃSKI; et al., 2016; KUMAR, 2010).

Figura 14 – ODF da fase austenítica após recozimento com encharque de 2000 segundos.

Chowdhury e colaboradores (2007) relataram que a recristalização do aço AISI 304 promoveu a diminuição na intensidade da textura geral e a presença de novas orientações como a Latão recristalizada {236}<385>, característica de metais com estrutura cristalina CFC com baixa EFE. A orientação Latão recristalizada {236}<385> possui relação de orientação de aproximadamente 40° <111> com a orientação Latão {011}<211> favorecendo o crescimento (mecanismo de crescimento orientado) (ENGLER e RANDLE, 2010).

É importante mencionar que existem poucos trabalhos recentes na literatura que abordam textura de recristalização dos aços inoxidáveis austeníticos. Não existe um consenso sobre a evolução da textura durante a recristalização de ligas com microestrutura austenítica com baixa EFE (HUMPHREYS e HATHERLY, 2004; LIMA; LIMA e PADILHA, 2003).

A textura da austenita revertida é governada pelo o mecanismo de reversão da martensita durante o recozimento. No mecanismo de reversão por difusão, o rearranjo dos átomos por meio de movimento atômico de longa distância leva a um diferente reticulado cristalino no produto e causa modificação considerável na textura ou textura aleatória. Por outro lado, a austenita revertida por meio do mecanismo de cisalhamento herda a textura da martensita α’ devido à correspondência entre os reticulados cristalinos de ambas as fases (KUMAR; MAHATO e BANDYOPADHYAY, 2005; KUMAR; MAHATO; et al., 2005; NEZAKAT; AKHIAMI; et al., 2014). Kumar e colaboradores (2006) ainda verificaram a textura da austenita após recozimento a 500°C e 600°C por 30 minutos. Conforme estes autores, a textura da fase austenítica não apresentou modificação após a reversão da martensita, ou seja, as componentes Latão {011}<211> e Goss {011}<100> apresentam maior intensidade. Os resultados deste estudo indicaram que a reversão da martensita para o aço inoxidável AISI 304 pode acontecer por cisalhamento.

4 METODOLOGIA

4.1 MATERIAL

O aço estudado neste trabalho é o aço inoxidável duplex UNS S32304 produzido pela Aperam South America, cuja composição química é apresentada na Tabela 3.

Tabela 3 – Composição química do aço UNS S32304 (% em massa).

Cr Ni Mo Mn Si N Cu C P S

22,87 4,20 0,27 1,45 0,20 0,119 0,45 0,011 0,02 0,0004

Fonte: Autor, 2016.

Em escala industrial, após o processo de lingotamento contínuo, a placa com espessura de 200 mm foi reaquecida a 1250°C em um forno do tipo Walking Beam e submetida à laminação de desbaste no laminador quádruo reversível até a espessura de 28 mm. Em seguida, na fase de acabamento no laminador reversível do tipo Steckel, a espessura da placa foi reduzida para 4 mm. A temperatura no último passe no Steckel foi aproximadamente de 955°C e a temperatura de bobinamento permaneceu entre 625°C e 725°C. Após os processos de laminação a quente, na linha de recozimento contínuo, realizou-se o processo recozimento, a remoção da carepa por meio de jateamento de granalha de aço e a decapagem química. A temperatura média do recozimento foi de 1070°C com tempo de encharque de 25 segundos aproximadamente.

A amostragem foi realizada após laminação a quente e recozimento industrial na região central da bobina.

4.2 PROCESSAMENTO TERMOMECÂNICO

O processamento termomecânico, laminação a frio e recozimento final, em escala laboratorial das amostras foi realizado no Centro de Pesquisa da Aperam South America.

4.2.1 Laminação a Frio

A etapa de laminação a frio foi realizada em um laminador piloto, modelo 4-085 do fabricante FENN, na configuração duo com cilindros de trabalho de 250 mm de diâmetro e capacidade de carga de 150 toneladas.

A espessura de 6 amostras foi reduzida de 4,0 mm para 1,5 mm, equivalendo a uma redução total de 62%, Tabela 4. Adicionalmente, realizou-se a laminação de 6 amostras até o 2º passe, espessura 2,8 mm e redução de 30%. As amostras foram embebidas em óleo DAIROLL NS12/30 HS, fornecedor Daido Química do Brasil, para lubrificação durante o processo.

Tabela 4 – Plano de passes da laminação a frio em escala laboratorial.

Passe Espessura Inicial (mm) Espessura Final (mm) Redução por Passe (%) Redução Total (%) Deformação Verdadeira – ln 1º Passe 4,0 3,4 15 30 0,35 2º Passe 3,4 2,8 18 3º Passe 2,8 2,4 14 62 0,98 4º Passe 2,4 2,0 17 5º Passe 2,0 1,8 10 6º Passe 1,8 1,5 16 Fonte: Autor, 2016.

4.2.2 Recozimento Final

O recozimento das amostras foi realizado em forno do tipo mufla, com aquecimento por resistência elétrica e temperatura máxima de operação de 1400°C da marca Combustol. O recozimento foi realizado em atmosfera controlada com o gás nitrogênio.

As dimensões estabelecidas para as 10 amostras foram 70,0 x 350,0 x espessura final após laminação a frio. A temperatura e tempo de aquecimento foram monitorados por meio de um termopar do tipo K fixado na região central das amostras. Todas as amostras foram posicionadas no centro do forno e intervalos de 15 minutos entre o recozimento de cada amostra foram realizados para homogeneização da temperatura do forno.

A temperatura de recozimento adotada foi 1050°C e tempo de encharque de 20 segundos, conforme processo industrial. Com o objetivo de analisar a evolução da microestrutura e textura durante os processos de recuperação e recristalização, foram realizadas interrupções no ciclo de recozimento quando as amostras atingiram 900°C, 950°C, 1000°C e 1050°C. Todas as amostras foram removidas do forno e resfriadas em água e gelo com temperatura de aproximadamente 10°C.

A Figura 15 apresenta o ciclo de recozimento completo e também inclui as curvas para a interrupção em 900°C, 950°C, 1000°C e 1050°C para as amostras com 30% e 62% de deformação.

Figura 15 – Ciclos de recozimento completo e com interrupção em 900°C, 950°C, 1000°C e 1050°C: (a) 30% de deformação e (b) 62% de deformação.

(a)

(b) Fonte: Autor, 2016.