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4. O 25 de Abril de 1974: um evento político inscrito na memória social portuguesa

4.1. A evolução das configurações político-partidárias e ideológicas no Portugal democrático

Aguiar (1994), através dum registo comentado das eleições legislativas que ocorreram no país desde a instauração da democracia, procura traçar uma perspectiva histórica da dinâmica do sistema político português

desde o 25 de Abril até hoje. Este autor (p. 227) sustenta que «a formação do sistema partidário português, em 1974, ainda está inserida num sistema de configurações de clivagens políticas tradicionais e que condicionaram a evolução secular da cultura política europeia. Pelo seu imaginário, pelos seus valores e, sobretudo, pelo papel central que tem a referência ao Estado nacional, a mudança de regime em Portugal ainda está inserida na tradição política, na configuração interpretativa, nascida com a Revolução Francesa de 1789.».

No entanto, da análise da dinâmica política portuguesa ressalta o esbater progressivo desse sistema de clivagens tradicionais, em sintonia com as mudanças políticas exteriores ao sistema político português, que condicionam o modo como essas clivagens se estruturam e estruturam o sistema político- partidário (cf. o efeito da adesão à Comunidade Europeia, a ruptura da ordem mundial iniciada com o fim da Segunda Guerra Mundial e a globalização das práticas económicas, sociais e políticas).

Assim, Aguiar (1994, p. 172) apresenta como hipótese interpretativa para as mudanças no sistema político português desde o 25 de Abril a existência de dois ciclos políticos distintos: o primeiro «vai da fundação à consolidação do sistema político» e termina em 1991 (no qual se repetem os resultados legislativos de maioria absoluta dum partido - o PSD, padrão que se repete nas eleições subsequentes, mas com a maioria absoluta referida a outro partido - o PS), enquanto o segundo «se poderá designar como o período da adaptação às tensões da modernização».

As alterações político-sociais da vida portuguesa ocorridas com o 25 de Abril vieram transformar, de modo radical, o papel que a dimensão política representa como referencial identitário para os portugueses.

Se durante o regime do Estado Novo essa matriz identitária se estruturava num eixo dicotómico (situacionista/oposicionista), com o advento da revolução e a liberdade política dela decorrente, assiste-se à emergência de diferenças acentuadas entre as diferentes forças políticas e ideológicas, patente

na volatilidade política e eleitoral que caracterizam o sistema político português até 1987 (cf. Rodrigues, 1994, Correia, 1994).

Seguindo ainda Aguiar (1994, p. 188) «a mudança do contexto onde se desenvolve a acção política seria suficiente para explicar a volatilidade dos resultados eleitorais (...) Entre uma configuração inicial dominada por valores ideológicos, em grande parte irrealistas, mas com potência para permanecerem como valores fundadores de um regime político (os «ideais de Abril»), e a configuração final, dominada pelos valores materiais da adequação estratégica na economia, há diferenças demasiado pronunciadas».

A evolução do sistema partidário português foi também analisada por Lobo (1996) tendo a autora procurado explicar as mudanças ocorridas entre

1976 e 1991, à luz de mudanças económicas e políticas.

Lobo (1996, p. 1112) afirma que "Portugal, apesar de ser uma democracia recente, é comparável a outras democracias europeias, e o sistema político pode ser estudado com metodologias tradicionalmente empregues no estudo dessas".

Segundo a autora, os factores políticos que mais contribuíram para a formação do sistema maioritário foram a mudança no formato do sistema dos partidos (o aparecimento do PRD demonstrou que a lealdade partidária - ao centro - é limitada, contribuindo para que as maiorias se situam no campo do PSD e do PS)e as sucessivas eleições presidenciais (reforçam a bipolarização, dado as coligações pré-eleitorais se constituírem em função da dimensão esquerda/direita).

Quanto aos factores económicos, estes apresentam-se como centrais na construção duma estabilidade governativa. Até 1985, a instabilidade económica afectou a acção governativa dos governos de coligação e a melhoria da situação económica favoreceu o aparecimento e reforço dos governos de um só partido.

Para além da caracterização do perfil político-partidário português é importante ter em atenção os estudos que procuram definir o perfil sociográfico

dos simpatizantes dos diferentes partidos políticos (cf. Cabral, 1995), bem como aqueles que procuram caracterizar as atitudes políticas dos portugueses - centrados quer nas diferenças entre os partidos (Maximiano, 1995; Sousa, Potes e Valério, 1995; Sozcka, 1983), quer no campo representacional dos conceitos políticos (Heimer, Vala e Viegas, 1990).

Heimer, Vala e Viegas (1990, p. 31) propõem "identificar padrões básicos da cultura política existentes em Portugal mais de uma década depois do fim do regime salazarista-caetanista".

Os autores pretendiam conhecer as atitudes em relação à democracia, entendida como uma dimensão organizadora dos padrões globais da cultura política. Pretendiam ainda compreender o modo como essas atitudes se construíram, que relações estabeleciam com outras dimensões da cultura política (valores políticos e intervenção do estado) e como se interligavam com as opiniões e os comportamentos políticos.

Os resultados "apoiam a hipótese de que existem em Portugal dois «vectores» do pensamento social sobre a política (e outras esferas da sociedade) que de alguma maneira correspondem à tradicional divisão entre «direita» e «esquerda» - muito embora esta divisão se afigure um reflexo de padrões subjacentes, mais abrangentes e complexos" (Heimer, Vala e Viegas, 1990, p. 54).

Por outro lado, as formas e modalidades de participação política da juventude portuguesa tem também sido objecto de estudos, nomeadamente no

campo da sociologia política (Cruz, 1990).

Cruz (1990) estudou a participação política dos jovens militantes das organizações político-partidárias da juventude, através da sua caracterização sociodemográfica, dos seus níveis de socialização e participação política, dos seus valores e mobilização política, da sua identificação política e da sua representação do poder. Para isso usou como amostra os participantes nos congressos nacionais dessas mesmas organizações.

juventude são os grandes instrumentos de mobilização e canalização da participação política dos jovens". (Cruz, 1990, p. 248).

A diferenciação socio-profissional e educacional, bem como a socialização política, condicionam a participação política dos jovens, bem como a sua filiação e identificação política.

A variação dos níveis participação depende da colocação na escala esquerda-direita e das principais clivagens políticas ideológicas. Assim, os jovens de esquerda apresentam um nível de participação mais elevado do que

os de direita. Segundo Cruz, (1990, p. 248) "tanto em termos de orientações como de comportamentos, o pragmatismo prevalece como característica mais típica das organizações mais próximas do poder governativo, enquanto o pós- materialismo se apresenta como um fenómeno mais próximo das organizações de esquerda do que das de direita."

Em síntese, a caracterização do panorama político-partidário português actual e a análise das características do envolvimento político juvenil servem de quadro de referência para a formulação das hipóteses do nosso estudo, nomeadamente à utilização duma variável Pertença Ideológica. Por outro lado, a perspectiva da memória social por nós apresentada permite justificar a utilização do 25 de Abril como evento político detonador e evidenciador de clivagens ideológicas, com consequências ao nível do processamento da informação a ele referente.

Estudo empírico:

O efeito da pertença ideológica no tratamento de informação sobre o 25 de Abril

Neste capítulo articularemos a apresentação e discussão do estudo empírico por nós efectuado, constituído por dois estudos experimentais e um estudo piloto, com os objectivos e hipóteses que os sustentam, pondo ainda em evidência os aspectos teóricos e metodológicos que nos parecem mais relevantes como enquadramento desses estudos.