• Nenhum resultado encontrado

Evolução do conceito de avaliação em Portugal

REVISÃO DA LITERATURA

2.2 Conceções de aprendizagem e de avaliação

2.2.1. Evolução do conceito de avaliação em Portugal

O ensino, em Portugal, foi continuamente orientado pelos ideais de quem dominava no campo social e “o atraso da população e a taxa de analfabetismo foi a preocupação primordial, ao longo dos tempos, em detrimento da avaliação dos alunos” (Dias, 2008, p. 38).

29

Podemos considerar dois períodos diversos na evolução da avaliação em Portugal. O primeiro refere-se ao período antes do 25 de abril de 1974 e o outro ao período pós 25 de abril, por este ser um marco indicativo na vida política, social e educativa do nosso país.

No período anterior ao 25 de abril de 1974, Portugal vivia uma situação extremamente carenciada a nível da educação com uma taxa de analfabetismo muito alta, reduzida frequência de alunos em todos os níveis, um baixíssimo aproveitamento escolar e a falta de professores, de instalações e de material, tornando-se necessária a modernização do sistema de ensino. Perdurava a valorização do saber ler, escrever e realizar operações aritméticas básicas. A avaliação destas aprendizagens era realizada apenas anualmente em provas/exames escritos nas sedes de concelho e para as quais cada professor propunha a exame os alunos que iriam ser avaliados. A avaliação destes alunos era realizada “por um júri constituído pelo Inspetor da Circunscrição Escolar, um vogal da Junta Escolar do Município e pelo professor ou professora do Ensino Complementar Primário do Concelho” (Correia, citado por Dias, 2008, p. 39).

Entretanto, verificam-se modificações quer a nível de massificação do ensino quer, mais tarde, a nível de qualidade, ao passar a obrigatoriedade escolar para seis anos. A criação da Telescola e, posteriormente, a criação dos cursos unificados como consequência dessa preocupação urgente de facultar a instrução escolar a todos os cidadãos surgiram com Galvão Teles, ministro da educação de 1962 a 1968. O compromisso de minimizar o atraso significativo em relação ao mundo ocidental ocorreu com o ministro Veiga Simão, ministro da educação nacional de 1970 a 1974, já que segundo Teodoro, (citado por Dias, 2008, p. 39) para Veiga Simão “educação era diálogo”. Procurou então criar condições de apoio às suas estratégias através do debate público na divulgação de dois importantes documentos: Projecto do Sistema Escolar e Linhas Gerais

da Reforma do Ensino, que apresentavam as linhas mestras da democratização do ensino.

Veiga Simão acabou por proporcionar o alargamento da escolaridade obrigatória, passando de seis para oito anos e a expansão quantitativa dos estabelecimentos. Foi também publicada a lei n.º 5/73 de 25 de julho, que defendia a democratização do ensino

30

alicerçada por uma conceção liberal e meritocrática de igualdade de oportunidades que deveriam permitir o acesso dos melhores a níveis mais elevados de escolarização.

Nesta época, a avaliação destinava-se apenas a medir o domínio cognitivo do aluno, sendo por isso, de caráter normativa e seletiva: “normativa por comparar os alunos uns em relação aos outros e tentar uniformizá-los; selectiva por, a partir de um padrão, medir a ausência de conhecimentos, condenando-os à repetência ou permitindo- lhes a passagem ao nível seguinte” (Lobo, citado por Dias, 2008, p. 39), ou seja, a progressão ou não dos alunos, continuava a ser comprovada em dias marcados, por exames.

Com a revolução ocorrida em Portugal a 25 de abril de 1974 assistiu-se a um período de grandes transformações políticas, com repercussões em todos os domínios da sociedade portuguesa.

A liberdade social adquirida levou à consciência dos direitos sociais, humanos e civis. Mudaram-se as mentalidades, alteraram-se os valores éticos e morais, as leis, os objetivos e princípios governamentais. A Educação, neste contexto de mudança, foi entendida, ela própria, como fator de mudança da sociedade.

Nesta fase, o controlo da Educação foi assumido pelas forças populares, com caráter associativo e corporativo, e só com Sotto Mayor Cardia, como ministro da educação e com a tomada de posse do primeiro governo constitucional no ano de 1976, o Estado reconquista e reassume o controlo da educação.

As principais ações tomadas foram o saneamento da política das escolas e a imposição de medidas de alteração ao regime educativo, desde as estruturas aos currículos, bem como à avaliação dos alunos. A promoção da igualdade de oportunidades para todas as camadas da população assumiu um papel preponderante no setor educativo. Todavia, além da população residente em Portugal havia a considerar o afluxo de população vinda de África, devido ao processo de descolonização, que se traduzia não só numa maior quantidade de alunos mas, inevitavelmente, numa vasta diversidade de culturas.

É neste contexto social que na década de 80/90 é criada a Reforma do Sistema Educativo que assenta na Lei de Bases n.º 46/86, de 14 de outubro. Nesta lei defende-se

31

o princípio da democratização, universalização e gratuitidade do ensino, deixando esta de ser seletiva, e portanto apanágio de uma elite. Será, sem dúvida, importante referir que este novo sistema de avaliação implementado em Portugal, baseado na LBSE de 1986, que tem, entre outros, como princípios básicos: a promoção da igualdade de oportunidades, a promoção do sucesso, a continuidade, a positividade, a correção, a compreensão e, ainda, a promoção da participação de todos os envolvidos na definição de percursos escolares, vai de encontro às tendências atuais da avaliação.

Na atualidade, autores como Luckesi (citado por Grillo & Lima, 2010) compreendem a “avaliação como um juízo de qualidade sobre dados relevantes para uma tomada de decisões” (p. 15). Nesta definição, a tomada de decisões marca a avaliação com a função principal de diagnóstico, um momento dialético de conhecimento da etapa em que se encontra a aprendizagem do aluno em relação a novos conhecimentos, ao desenvolvimento da autonomia e também ao desenvolvimento de competências. Autores como Santos Guerra (2002) reiteram que:

a avaliação pode conceber-se e utilizar-se como um fenómeno destinado à aprendizagem e não apenas à comprovação da aquisição da mesma. Como um instrumento de melhoria e não apenas como um exercício de medição do conseguido. Como um caminho que conduz à transformação da prática e não apenas como um movimento que se fecha sobre si mesmo. A avaliação não é o momento final de um processo e, mesmo quando o é, deveria converter-se no início de um novo processo mais rico e fundamentado. (p. 7)

Em termos legislativos, nomeadamente o despacho normativo nº 24-A/2012 de 6 de dezembro, prevê a avaliação:

como um processo regulador do ensino, é orientadora do percurso escolar e tem por objetivo a melhoria da qualidade do ensino através da aferição do grau de cumprimento das metas curriculares globalmente fixadas para os níveis de ensino básico. Esta verificação deve ser utilizada por professores e alunos para, em conjunto, suprir as dificuldades de aprendizagem. A avaliação tem ainda por objetivo conhecer o estado geral do ensino, retificar procedimentos e reajustar o ensino das diversas disciplinas em função dos objetivos curriculares fixados. (p. 38904-4)

A avaliação é assim considerada “um instrumento fundamental de regulação do processo de ensino-aprendizagem” (Rocha et al., 2010, p. 727) e deverá contribuir para criar as condições necessárias à aprendizagem de todos os alunos, atendendo às

32

especificidades de cada um. No entanto, e segundo Fernandes (2007), apesar de todas as mudanças verificadas a partir de abril de 1974:

o sistema de educação e de formação português continua a revelar dificuldades em concretizar práticas de ensino e de avaliação que contribuam para que as crianças e os jovens desenvolvam as competências indispensáveis para prosseguirem livremente as suas vidas escolares ou profissionais. (p. 587)

O mesmo autor defende mesmo que continuam a predominar modelos que enfatizam o ensino “de procedimentos rotineiros que pouco mais exigem dos alunos do que a reprodução de informação previamente transmitida” (p. 587). Anteriormente, autores como Sousa (2006) sustentavam que “apesar de todas as mudanças implementadas e delineadas, o aluno continua a ser considerado como um mero agente passivo (somente reactivo), desempenhando um papel muito restrito no que concerne à educação e aprendizagem” (pp. 1-2). Ainda na perspetiva de Fernandes (2007), o autor considera também que:

Continua a prevalecer uma avaliação pouco integrada no ensino e na aprendizagem, mais orientada para a atribuição de classificações do que para a análise cuidada do que os alunos sabem e são capazes de fazer ou para compreender as suas eventuais dificuldades, ajudando-os a superá-las. (p. 587)

A preocupação com o desenvolvimento educativo levanta inúmeras questões a todos os que se envolvem com a avaliação e algumas dela são, na perspetiva de Clímaco (2005) “Para que serve a avaliação? Que critérios se devem seguir? O que se deve

avaliar?” (p. 116). Pois a avaliação, além de ser “um processo técnico, é um fenómeno

moral. É muito importante saber a que valores ela serve e a que pessoas beneficia. É muito importante avaliar bem, mas é mais importante saber a que causas serve a avaliação” (Santos Guerra, 2003, p. 17).

Na realidade, segundo Moura (1998) quando estamos a falar de avaliação “não estamos a falar de um facto pontual ou de um ato singular, mas de um conjunto de fases que se condicionam mutuamente” (p. 1), se ordenam de acordo com uma sequência e atuam de forma integrada em todo o processo de ensino e aprendizagem.

Neste contexto, avaliar em educação pressupõe a obtenção de informações relativas à qualidade e à eficiência de uma determinada ação educativa e permite emitir

33

um juízo de valor a seu respeito (Coll & Onrubia, 1999). No entanto, a avaliação não se limita apenas a esta vertente. A avaliação caracteriza-se também, e ainda de acordo com estes mesmos autores, pela utilização do juízo emitido, pois não se avalia apenas algo, mas avalia-se também para algo permitindo decisões que implicam atuações posteriores baseadas no juízo emitido. Assim, a avaliação apresenta quer uma função pedagógica quer uma função social.

A verdade é que não se pode menosprezar o poder da avaliação, pois “para muitos autores, a avaliação é uma das forças que mais influencia o desenvolvimento dos sistemas educativos” (Fernandes, 2004, p. 9) e é encarada como uma das dimensões mais exigentes do complexo processo educativo. Cardinet (citado por Lima & Grillo, 2010) afirma mesmo que “quanto mais se penetra no domínio da avaliação, mais se põem em questão nossas certezas, ou seja, cada interrogação colocada leva a outra. Cada árvore se enlaça em outra e a floresta aparece como imensa” (p. 23).