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Evolução do conceito de Estabelecimento Estável

3. Desenvolvimento internacionais no quadro OCDE E UE

3.4. Relatório BEPS Ação 7: Estabelecimento Estável

3.4.1. Evolução do conceito de Estabelecimento Estável

Como já mencionado supra, o conceito de EE é a chave fundamental da tributação direta, em virtude de uma empresa não residente numa jurisdição só poder aí ficar sujeita ao pagamento de impostos caso tenha um EE, ao qual os lucros sejam imputados, de acordo com o artigo 7º da CM OCDE (OCDE, 2017). Assim sendo, pode demonstrar-se a verdadeira importância da deteção do EE, uma vez que esta condição complementa a prática internacional de que os lucros de uma empresa são tributados no Estado onde se encontra a residência dessa empresa, (Pires, 2011).

De acordo com Courinha (2015) o conceito de EE compreende duas versões, sendo que uma reporta às instalações físicas de uma empresa (physical permanente establishment) enquanto a outra reporta aos agentes dependentes (agency permanente establishment).

Facilmente se verifica que a primeira versão é de simples identificação, pois as empresas com instalações físicas podem ser facilmente detetadas. Por oposição, a verificação de um agente dependente pode tornar-se mais complexa. Complexidade que se expande quando se

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constata que na economia atual muitas são as empresas que terão agentes – restando averiguar se estes agentes são dependentes ou independentes, (OCDE, 2018a).

Como consequência da globalização económica muitas empresas introduziram esquemas de planeamento fiscal que lhes permitiram evitar o estatuto de EE em jurisdições nas quais obtêm rendimentos. Neste seguimento, a OCDE (2013b) elaborou o plano de Ação 7 – evitar a fuga ao estatuto de EE – na qual definiu como objetivos

[d]esenvolver mudanças na definição de EE para evitar a evasão artificial do estatuto de EE em relação à BEPS, inclusive por meio do uso de arranjos de comissionamento e das isenções de atividades específicas. O trabalho nessas questões também abordará os problemas relacionados à atribuição de lucros,19 (OCDE, 2013b, p. 19).

Com o intuito de conquistar os objetivos no Plano de Ação do BEPS, a OCDE lançou em 2015 o Final Repport: Preventing the Artificial Avoidance of Permanente Establisment, no qual concretizou as intenções demonstradas aquando da estruturação da Ação 7 do BEPS. Ora, o conceito de EE espelhado nos tratados tributários é essencial para a determinação da sujeição a imposto de uma empresa não residente. Neste sentido muitas são as empresas que utilizam o planeamento e a evasão fiscal como meio de evitar a presença física em determinada jurisdição. Neste sentido, a OCDE (2015c) recomendou alterações ao conceito de EE incluído nos tratados fiscais, que culminou em modificações ao artigo 5º da CM OCDE (OCDE, 2017). Note-se que esta convenção teve diversas alterações sendo que algumas delas tiveram origem no BEPS, (Pires, 2018).

Para que seja possível determinar a existência de um EE deve ser atendido o artigo 5º da CM OCDE, dado que, à semelhança de Courinha (2015), também Pires (2018, p. 74) estabelece que pode-se desagregar o «[…] o conceito de EE por natureza» a que corresponderão os artigo 5º, nº1, 2 e 4 da CM OCDE e ainda o conceito de EE poderá ser identificado «[…]por fixação» que corresponderá art. 5º, nº 3 e 5 da CM OCDE, (Pires, 2018, p. 82).

As principais lacunas existentes no conceito de EE foram identificadas como a possibilidade de prevenção artificial do estatuto de EE por meio de arranjos de comissionamento e a prevenção artificial de EE por meio de isenção de atividade específicas, (OCED, 2015c).

19 Tradução livre no autor. No original: « Develop changes to the definition of PE to prevent the artificial

avoidance of PE status in relation to BEPS, including through the use of commissionaire arrangements and the specific activity exemptions. Work on these issues will also address related profit attribution issues. »

45 i. Acordos entre agentes

De acordo com a abordagem realizada pela OCDE (2015c, p. 9), entende-se por arranjos de comissionamento

[u]m arranjo pelo qual uma pessoa venda produtos em um Estado em seu próprio nome, mas em também em nome de uma empresa estrangeira que é proprietária desses produtos. Através de tal acordo, uma empresa estrangeira é capaz de vender os seus produtos em um Estado sem tecnicamente ter um estabelecimento estável ao qual tais vendas possam ser atribuídas para fins fiscais.20

Deste modo as empresas que utilizam esta estratégia não serão tributadas no Estado onde as tais vendas se concretizam. Quanto à pessoa que conclui as vendas, esta não poderá ser tributada pelos lucros gerados pela empresa, então, será sim tributada pela remuneração que receber pelos seus serviços prestados, o que na maioria dos casos corresponde a uma comissão, longe de espelhar a realidades económica, (OCDE, 2015c).

Em suma, uma empresa não residente que utiliza a estratégia de arranjo de comissionamento não possui um EE nesse mesmo Estado, logo nestas circunstâncias é capaz de evitar a aplicação do artigo 5º número 5 da CM OCDE, (OCDE, 2015c), uma vez que os contratos celebrados pela pessoa que age não são vinculativos para a empresa estrangeira, (OCDE, 2017 e OCDE, 2018a).

Note-se ainda que esta pessoa que presta os serviços é conceituado como, agente dependente ou independente, sendo que um agente dependente assume a natureza de EE de uma determinada empresa sempre «[…] que detenha poderes para vincular no exercícios de atividades comerciais principais, e exerça tais poderes com habitualidade (art.5/5 CM OCDE)», (Courinha, 2015, p. 146-147). Por oposição uma agente tomará a natureza de independente, e consequentemente não se assumirá com EE, quando «[…] à luz do Modelo OCDE, exercer tais atividades de modo independente (jurídica e economicamente), e agir no exercício normal da sua atividade», (Courinha, 2015, p. 146-147).

20 Tradução livre no autor. No original: « A commissionnaire arrangement may be loosely defined as an

arrangement through which a person sells products in a State in its own name but on behalf of a foreign enterprise that is the owner of these products. Through such an arrangement, a foreign enterprise is able to sell its products in a State without technically having a permanent establishment to which such sales may be attributed for tax purposes and without, therefore, being taxable in that State on the profits derived from such sales. Since the person that concludes the sales does not own the products that it sells, that person cannot be taxed on the profits derived from such sales».

46 ii. Isenção de atividade específicas

Sob o estudo do artigo 5º número 4 da CM OCDE constata-se que este completa uma lista de exceções que definem quais os EE que não são considerados como tais. Esta circunstância ocorre apenas quando o local de negócios é utilizado para as atividades aí enumeradas, (OCDE, 2017).

As situações descritas aquando da data da criação do artigo foram consideradas como exceções ao conceito de EE, uma vez que as mesmas apresentavam um carácter preparatório e auxiliar à atividade principal, porém, desde então surgiram mudanças intensivas na forma como os negócios são geridos, o que em muitos casos levou a que as atividades anteriormente consideradas de caracter preparatório e auxiliar sejam hoje o core do negócio.

Com a evolução da economia digital surgiram novos modelos de negócios e muitos dos modelos tradicionais sofreram alterações, pelo que as exceções contidas neste artigo devem acompanhar igualmente essa evolução. Deste modo a OCDE (2015c) demonstrou a importância da alteração das disposições previstas no artigo 5º da CM OCDE, de modo a combater a duas problemáticas aqui identificadas. Adicionalmente Pires (2011, p. 257) referiu que a economia digital, principalmente o comércio eletrónico, causou drásticos impactos ao nível da conexão através do EE, sendo que esses problemas foram «[…] marcados pela desarticulação entre a realidade tangível/ física/ real/ do universo electrónico» Não obstante, a OCDE (2015c, p.28) afirmou ainda que determinados Estados consideram que as preocupações do BEPS com o artigo 5º número 4 CM OCDE ocorrem principalmente devido à «[…] fragmentação das atividades entre partes intimamente relacionadas e que essas preocupações serão tratadas de forma apropriada por inclusão de rega anti fragmentação». Assim sendo, para este grupo de países a alteração ao artigo 5º número 4 CM OCDE é desnecessária. Logo perante este cenário a OCDE (2015c) confirmou que estes países podem contemplar uma versão diferente do artigo 5º número 4, apenas se incluírem no mesmo a regra da anti fragmentação, (OCDE, 2017).

Posteriormente, através da interpretação do relatório Tax Challenges Arising from Digitalisation – Interim Report 2018, conclui-se que nem todos os países têm as mesmas convicções quanto à necessidade de alteração das regras fiscais internacionais que possam surgir como consequência dos desafios fiscais cometidas pela economia digital.

Segundo a OCDE (2018c) pode agrupar-se os principais argumentos dos países em três grupos, dos quais dois (o primeiro e segundo) consideraram que existe uma necessidade de

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alterar as regras de alocação de lucros e nexo existentes e, por contraste o terceiro considerou que nenhuma ação será necessária para além das questões já abordadas pelo BEPS.

Não obstante o primeiro e segundo grupo serem concordantes quanto à necessidade de alterações normativas internacionais, o primeiro grupo de países confirma a sua posição afirmando que a confiança nos dados e na participação do usuário pode levar ao desalinhamento entre o local em que os lucros são tributados e o local em que o valor é criado, logo o desafio está confinado a determinados modelos de negócios. Enquanto o segundo grupo reconhece que a transformação digital da economia, e de modo mais geral, as tendências associadas à globalização apresentam desafios à continuação da eficiência da tributação dos grupos e das regas do nexo, afirmando ainda que os desafios não são exclusivos ou específicos de modelos de negócios altamente digitalizados, (OCDE, 2015a). Ao invés, o terceiro grupo suportou a sua posição discordante quanto à modificação das regras internacionais invocando que apoiam o sistema tributária internacional, não existindo necessidade de alteração das regras de alocação de direitos tributários e nem das regas do nexo, visto que o BEPS já teve em consideração, no seu plano, as grandes apreciações de dupla não tributação, (OCDE, 2015a).