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3.1 A indução de investimentos em tecnologias ambientalmente corretas através

3.1.1 Evolução do princípio da vedação ao retrocesso

A análise do princípio da vedação ao retrocesso justifica-se em razão da necessidade de se estabelecer um fundamento jurídico, baseado na interpretação mais favorável ao meio ambiente, para a escolha de tecnologias voltadas à sustentabilidade, máxime no que se refere à valorização energética dos resíduos, de forma a garantir uma gestão ambientalmente correta e para reduzir as matrizes que geram mais impactos ambientais. Por isso, é necessário fixar, objetivamente, as bases do referido princípio no intitulo de melhor adequá-lo ao objetivo aqui proposto.

Então, na acepção do seu termo geral, o princípio da proibição do retrocesso (ou efeito cliquet, no direito francês) significa não suprimir direitos já reconhecidos na ordem jurídica, pois isto implicaria um atraso, considerando as conquistas históricas que a humanidade adquiriu ao logo do seu contexto evolutivo.

A aplicabilidade prática de tal princípio se manifesta favorável ao auxílio na implementação dos direitos fundamentais, conforme assevera Patryck de Araújo Ayala:

O princípio aponta para uma proibição da reversão no desenvolvimento dos direitos fundamentais, e para uma garantia de não retorno a graus de proteção que já tenham sido ultrapassados. Por outro lado, também vincularia como efeito uma proibição de reversibilidade dos estágios de desenvolvimento e de proteção de várias realidades existenciais os quais foram proporcionados, por iniciativa do Estado, a uma determinada sociedade, residindo neste aspecto o principal problema sobre sua admissão204.

O princípio da vedação ao retrocesso teve sua gênese fincada nos direitos sociais, que foram adquiridos ao logo do processo de emancipação social, em que se

204AYALA, Patryck de Araújo. Mínimo existencial ecológico e proibição de retrocesso em matéria

ambiental: considerações sobre a inconstitucionalidade do Código do Meio Ambiente de Santa Catarina.

exigiu melhores condições de vida ao Estado e lutou-se para restringir o seu poder perante os administrados.

Esse pleito social de melhores condições de vida, chamou ao debate o valor supremo da dignidade da pessoa humana, pois, diante da situação em que as pessoas viviam, qual seja, de extremo autoritarismo e exploração, passou a ser um fundamento do novo Estado, agora com sujeição à lei e à democracia. O conteúdo material dos direitos fundamentais está fortemente ligado à dignidade da pessoa humana, conforme se depreende da doutrina a seguir:

A proibição de retrocesso não se impõe enquanto um princípio geral que veda a revisão de escolhas sobre a concretização dos direitos fundamentais, mas se impõe estritamente sobre a garantia de revisão e de retorno na concretização de um mínimo, cujo conteúdo está materialmente associado à dignidade humana, e é somente este mínimo que se encontraria sob a reserva de revisão pelas decisões estatais205.

As garantias fundamentais à vida com dignidade do homem, após constar expressamente na lei, necessitaram de instrumentos capazes de impedir o retrocesso, por isso que a vedação ao retrocesso é importante na concretização dos direitos fundamentais (parte-se do pressuposto que o direito ao meio ambiente equilibrado é um direito fundamental206), uma vez que impede o Estado privar o indivíduo de certos

direitos que lhe são inerentes enquanto pessoa; além de haver uma proibição da proteção insuficiente dessas garantias.

No âmbito do direito internacional, o princípio do não-retorno dos níveis de proteção também ressalta a necessidade de se proteger os direitos já alcançados pela humanidade. A mitigação à regra só poderia vir se medidas reparatórias ocorressem, de acordo com os ensinamentos de Patryck de Araújo Ayala:

Por meio da consideração criativa da interação entre as fontes para o fim de se compreender o conflito proposto, e por meio da admissão de uma ordem pública aberta à construção por meio da influência de experiências normativas distintas e plurais, foi possível justificar-se a afirmação de um importante princípio, cuja realidade tem grande aproximação com o Direito internacional dos direitos humanos: o princípio de não-retrocesso nos níveis de proteção, ou de proibição de retrocesso. A partir de sua afirmação, a definição de padrões da proteção, em níveis que tenham sido admitidos como essenciais ao desenvolvimento de realidades dignas de vida por uma

205AYALA, Patryck de Araújo. Mínimo existencial ecológico e proibição de retrocesso em matéria

ambiental: considerações sobre a inconstitucionalidade do Código do Meio Ambiente de Santa Catarina.

Revista de Direito Ambiental, São Paulo, n.60, v.15, out./dez., 2010, p.341-342.

206“O direito à vida em um ambiente são e ecologicamente equilibrado, como direito humano e como

direito fundamental está orientado, desde uma perspectiva fraterna, na cooperação e na responsabilidade da comunidade internacional e nacional, assim como lança bases para uma futura e provável nova ordem

econômica (esperemos).” (MOLINARO, Carlos Alberto. Direito ambiental: proibição de retrocesso.

determinada comunidade, não poderia ser objeto de desconstituição, mitigação ou degradação, senão por meio de alternativas compensatórias207.

Referido princípio foi usado pelo Tribunal Constitucional de Portugal208, em

1984, como instrumento de controle das ações do Estado contrárias aos direitos sociais. Em relação ao Brasil, a vedação ao retrocesso não se encontra expressamente prevista na Constituição Federal de 1988, entretanto, conforme notas de Ingo Wolfgang Sarlet209,

como tem por finalidade a garantia da segurança jurídica, é possível aplicá-la, ainda que de forma remota, através do artigo 5º, caput, da Lei Fundamental, que assevera a inviolabilidade à segurança e, mais precisamente no inciso XXXVI, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

A partir desse contexto, torna-se evidente a proibição da possibilidade da lei retroagir e, através de uma interpretação extensiva, é conveniente entender também acerca da impossibilidade de retroceder, caso contrário poder-se-ia considerar um atentado aos direitos adquiridos historicamente pela sociedade. Isto é, haveria um retrocesso e uma agressão ao valor da segurança jurídica baseada no Estado Social.

Acrescente-se que os artigos 6º e 7º, da Constituição Federal, que preveem os direitos sociais, favorecem uma interpretação progressiva, posto que os adequa às mutações sociais.

José Joaquim Gomes Canotilho afirma a conotação da proibição do retrocesso como proibição de contra-revolução ou da revolução reacionária, justamente para fortificar a ideia de que não poderá haver reação contrária aos direitos sociais adquiridos. Atesta ainda que determinado grau de conquista social constitui uma garantia institucional e um direito subjetivo, portanto, decorrência do respeito ao núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade humana. Haveria, assim, um limite jurídico ao legislador e, ao mesmo tempo, a obrigação de uma política congruente aos direitos sociais, sob pena de se revestir em inconstitucionalidade sob o

207AYALA, Patryck de Araújo. O princípio da proibição de retrocesso ambiental na jurisprudência do

Superior Tribunal de Justiça - O caso City Lapa. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, n.62, v.16, abr./jun., 2011, p.411.

208PORTUGAL. Tribunal Constitucional. Acórdão n.° 509/2002. Processo n.° 768/2002. Requerente:

Presidente da República. Requerido: Assembleia da República. Relator: Conselheiro Luis Nunes de Almeida. Lisboa, 19 de dezembro de 2002. Disponível em <http://www.tribunalconstitucional.pt>. Acesso em: 20 abr. 2015.

209SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos

fundamento da ofensa ao aspecto nuclear do mínimo de existência condigno ao respeito pela dignidade da pessoa humana210.

Essa limitação imposta ao legislador, no que se refere à impossibilidade de exercer seu mister, promulgando uma lei contrária aos direitos sociais, não pode ser vista como um engessamento à atividade típica do Poder Legislativo, mas uma garantia mínima de que o grau evolutivo do arcabouço de proteção do indivíduo contra o Estado não poderá ser dissolvido por ações travestidas de interesses ditatoriais.

Ingo Wolfgang Sarlet ressalta que a segurança jurídica contra atos do Poder Público é expressão inarredável do Estado Democrático de Direito211. O limite

estabelecido ao Poder Constituinte Reformador constitui uma relevante manifestação em favor da manutenção de determinados conteúdos rígidos da Constituição212.

Após verificadas as bases do princípio da vedação ao retrocesso, convém analisar a dimensão evolucionista que diz respeito à aplicação do princípio da vedação ao retrocesso na seara ambiental. Nesse diapasão, passa-se a esse estudo, conforme linhas a seguir.