CAPÍTULO 1 – ANTECEDENTES TEÓRICOS E ESCOPO GERAL
1.6 META-ANÁLISES
1.6.2 Meta-análises em rede
1.6.2.1 Evolução dos métodos para meta-análises indiretas
O método de comparação de tratamento indireto ajustada (adjusted
indirect treatment comparison - ITC), também conhecido como anchored ITC, foi
inicialmente proposto por Bucher et al., (1997) como uma primeira solução para
avaliar tratamentos que não foram diretamente comparados na literatura
100. O
modelo foi desenvolvido unicamente com OR como medida de efeito, e foi
projetado especificamente para a comparação de três intervenções (A, B, C).
Nesse modelo, a partir de evidências diretas (ou seja, disponíveis na literatura)
das comparações A versus B e B versus C, é possível estimar indiretamente os
resultados da comparação A versus C, uma vez que B é o comparador comum
de A e C. Com isso, uma medida de efeito global – semelhante aquele das
meta-análises convencionais – é gerada para cada uma das comparações (A versus
B; B versus C; e A versus C), conforme demonstrado na FIGURA 1.6.
FIGURA 1.6 – META-ANÁLISE INDIRETA
Representação do modelo de Bucher para comparação de tratamento indireto ajustado (ITC). Evidências diretas são aquelas disponíveis na literatura como representado pela comparação A
versus B (verde) e pela comparação B versus C (rosa). Cada círculo (nó da rede) representa
uma intervenção e as linhas pretas preenchidas são as comparações diretas (ligações). As linhas pontilhadas representam a comparação indireta. Uma medida de efeito global é gerada para cada par de comparação (direto e indireto). A evidência indireta é gerada através de um comparador comum (neste caso a intervenção B, que permite a comparação indireta entre A
versus C). Por fim, uma meta-análise em rede combinando evidências diretas e indiretas é obtida.
No entanto, este modelo tem a limitação de ser aplicado somente a
dados gerados a partir de estudos com dois braços e envolvendo a comparação
indireta simples de três tratamentos. Ademais, a principal suposição é que o
efeito relativo do tratamento é o mesmo em todos os estudos incluídos na
comparação indireta
101,102.
Posteriormente, Lumley (2002)
103desenvolveu uma técnica de
comparação indireta de tratamentos com abordagem frequentista conhecida
como meta-análise de rede ou network meta-analysis (NMA). Esse método
permite comparar dois ou mais tratamentos em situações em que uma
comparação indireta pode ser obtida através de mais de um comparador comum.
Por exemplo, considerando um cenário em que há interesse em realizar uma
comparação indireta entre os tratamentos A e B. Se os estudos disponíveis
comparam separadamente A versus C; B versus C, A versus D e B versus D, é
possível incorporar em um mesmo modelo os resultados de C e D, uma vez que
são comparadores comuns a A ou B. Com esse método também é possível
determinar o nível de concordância entre os resultados obtidos quando
diferentes comparadores comuns são usados. Lumley indicou que, se a
comparação indireta entre dois tratamentos produz o mesmo resultado,
independentemente de qual comparador comum é usado (nesse caso C ou D,
por exemplo), há maior probabilidade de que a comparação indireta de
tratamento represente a verdadeira relação entre as intervenções. Por outro
lado, se houver discrepância nos resultados, existe alguma incoerência ou
“inconsistência” na rede (inconsistency). Nesse modelo, diferente daquele
proposto por Bucher, é possível explicar as evidências diretas e indiretas ao
mesmo tempo
102,104. Entretanto, o modelo de Lumley é restrito a situações em
que cada estudo incluído apresenta apenas dois grupos. Desse modo, as redes
formadas são, em geral, uma sequência de ITC, o que lhes confere uma forma
“aberta” (unclosed loops, open loops).
105.
Finalmente, a fim de fornecer um método ainda mais sofisticado para
abordar quantitativamente comparações diretas e indiretas de várias
intervenções, Lu e Ades (2004)
105aperfeiçoaram as técnicas de NMA em um
modelo denominado meta-análise comparativa de tratamentos mistos ou
múltiplos (multiple/mixed treatment comparison meta-analysis – MTC; MTM). No
de associação visual ao nome “rede”, todos esses modelos envolvendo alguma
comparação indireta são referidos em conjunto como “NMA”. Ver FIGURA 1.7.
Lu e Ades descreveram métodos estatísticos para condução da NMA com
modelo Bayesiano (Bayesian framework) com o objetivo de reforçar a inferência
sobre o efeito relativo de dois tratamentos, incluindo dados das comparações
diretas e indiretas desses tratamentos. Ainda, os autores criaram uma
classificação em posições ou ranqueamento (ranking order), calculando a
probabilidade que cada um dos tratamentos da rede tem em ser o melhor,
segundo melhor e assim por diante, para determinado desfecho
105,106. A
TABELA 1.3 apresenta algumas definições sobre meta-análises em rede.
FIGURA 1.7 – MODELOS DE META-ANÁLISES EM REDE, RECONHECIDOS COMO “NMA” Exemplos de geometrias de rede de comparação entre tratamentos e evolução dos conceitos estatísticos. Primeiro painel: Comparação de tratamento indireto ajustada proposta por Bucher (comparação indireta simples). Segundo painel: Meta-análise em rede proposta por Lumley (“open loops meta-analysis”). Terceiro painel: Meta-análise comparativa de tratamentos mistos ou múltiplos proposta por Lu e Ades como uma extensão da meta-análise em rede de Lumley. Em conjunto, todas essas técnicas são denominadas “meta-análise em rede” e abrangem
TABELA 1.3 – CONCEITOS GERAIS EM META-ANÁLISE EM REDE
Comparador comum Elemento da rede que permite a realização das estimativas indiretas. O comparador comum é uma intervenção ou tratamento na rede considerado a “âncora” a qual dois outros tratamentos são conectados. Se uma rede tem três tratamentos (A, B e C), sendo A ligado diretamente a B; e B diretamente a C, então o tratamento B é o comparador comum entre A e C.
Comparação direta de
tratamento Comparação entre duas intervenções ou tratamento através de dados de estudos que diretamente compararam essas intervenções. Podem ser por
exemplo ensaios clínicos randomizados do tipo head-to-head ou contra
placebo. Comparação indireta
de tratamento Comparações entre tratamentos que são estimadas (calculadas) a partir dos dados das comparações diretas disponíveis na literatura. Diagrama de rede ou
gráfico Representação gráfica da rede de comparações. Os nós representam as intervenções ou tratamentos em avaliação e as linhas conectadas são as evidências diretas da literatura que podem provir de um ou mais estudos primários.
Conexão fechada
(closed loop) Em redes nas quais as comparações apresentam tanto evidência direta como indireta, conexões fechadas em forma geométrica (p. ex. triângulo, quadrado) podem ser formadas (p. ex. se a comparação BC tem evidência direta de estudos BC e evidência indireta de AB e AC).
Conexão aberta (unclosed loop)
Conexão simples e somente direta entre tratamentos na rede com dados que provém de estudos primários de dois braços.
Ranqueamento
(rank order) Cálculo das probabilidades de cada um dos tratamentos da rede em ser o melhor, segundo melhor e assim por diante para um desfecho específico com base nos resultados da meta-análise em rede.
Inconsistência ou
incoerência Conflitos estatísticos na meta-análise em rede provindos de alguma fonte (p. ex. nível de similaridade dos dados primários, falta de informação consistente entre estudos, tipos de evidência utilizadas) que devem ser investigados para garantir a robustez do modelo.
FONTE: o autor (2017) 21.