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II. REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E AS IMPLICAÇÕES PARA A INDÚSTRIA

III.2 Evolução dos Salários Industriais

III.2.1 Evolução do Salário Médio

Nesta seção e nas próximas, os dados apresentados referem-se a uma amostra aleatória simples de aproximadamente 5% do total das informações contidas na Relação Anual de Informações Sociais (RAIS). Foram consideradas somente as rendas positivas e foram retirados da amostra todos os indivíduos que possuíam, para qualquer tipo de variável, o atributo ignorado ou zero. Este procedimento foi adotado a fim de que todas as informações sejam compatíveis com a medida de desigualdade utilizada e com a análise de regressão, ambas calculadas a partir da amostra.

Feitas estas considerações de ordem metodológica, pode-se, então, passar a análise dos resultados da amostra. Neste caso, o primeiro passo consiste em estabelecer a conexão, do ponto de vista empírico, entre as mudanças na estrutura do emprego e a evolução dos salários reais.

O movimento de reestruturação do mercado formal de trabalho nos anos 90 acarretou alterações significativas tanto no nível como na composição do emprego na indústria de transformação.

A instabilidade macroeconômica e a reconfiguração do aparelho produtivo, decorrentes da abertura comercial e da valorização da taxa de câmbio real, implicaram uma acentuada queda dos empregos industriais. Na primeira metade da década, as altas taxas de inflação e de juros combinadas à incerteza quanto à posição competitiva das firmas produziram uma redução da demanda agregada e, consequentemente, do nível de atividade e de emprego. A partir de 1994, apesar da estabilidade de preços, os juros elevados e o acirramento da incerteza microeconômica deram continuidade ao movimento de perda de postos de trabalho.

No mesmo sentido, a introdução de novas formas de organização do processo de trabalho e a adoção da automação de base microeletrônica, tanto nas áreas de produção, como nas administrativas, acarretaram a perda de postos de trabalho, sobretudo nas ocupações de baixa remuneração, tais como operários não qualificados e trabalhadores de serviços gerais. Os cargos de mediação entre a gerência e a execução, como os de supervisão, também foram fortemente suprimidos. Adicionalmente, as novas exigências quanto às qualificações dos empregados promoveram um movimento de expulsão do mercado formal de trabalho daqueles com menor grau de instrução e mais jovens, cujos custos de formação profissional e treinamento são mais elevados.

A redução no volume e a modificação na composição do emprego também estiveram associados aos processos de terceirização de atividades, como limpeza, segurança e alimentação. Neste caso, o que se percebeu foi uma transferência das ocupações de baixa renda da indústria para o setor de serviços.

Como se pode observar no gráfico abaixo, estas alterações implicaram uma elevação sistemática dos salários médios reais ao longo do período analisado.92 Tal fato pôde ser observado mesmo nos anos de intensa inflação (até 1994), quando o mecanismo de indexação salarial não era capaz de recompor plenamente o poder de compra dos trabalhadores. Segundo Fligenspan e

92

É possível que uma comparação dos salários de 1989 com os de 1998 mostre que a tendência de longo prazo foi a queda dos rendimentos médios industriais. Os dados da Fundação SEADE (2001) para a Indústria Geral da Região Metropolitana de São Paulo apontam para este fenômeno. Com efeito, segundo esta fonte, o rendimento médio a preços de novembro de 2000 apresentou um decréscimo entre 1989 e 1998, passando de R$1.242,00 para R$ 1.106,00, respectivamente.

Schneider, este resultado também se verifica para o conjunto de mercado formal de trabalho, avaliado a partir dos dados da RAIS, de modo que “pode-se estar

assistindo a um efeito estatístico, no qual a remuneração média cresce devido à supressão de uma parte não desprezível de indivíduos de baixa qualificação e com baixos salários” (1998, p.230).

Assim, a despeito dos efeitos positivos da queda da inflação a partir de 1994, a evolução do salário real não esteve estritamente vinculada ao plano de estabilização econômica. Ademais, passado o efeito inicial da queda do nível de preços, o ritmo de crescimento dos salários arrefeceu a partir de 1996 e, ao final de 1998, o rendimento médio encontrava-se em um nível inferior ao do ano precedente.

GRÁFICO III.2

Evolução do Salário Médio da Indústria de Transformação a Preços Constantes de 1998 500 550 600 650 700 750 800 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998

Fonte: Amostra - RAIS vários anos

É importante notar que o movimento ascendente do salário real médio não é capaz de revelar as distintas trajetórias realizadas pelos rendimentos ao nível setorial, das firmas e das ocupações. Os setores e as firmas com melhores condições de rentabilidade, assim como aqueles nos quais a intervenção sindical faz convergir à estrutura de remunerações e benefícios no interior da hierarquia ocupacional, apresentam uma estrutura mais homogênea vis a vis aqueles em que

a rentabilidade do capital e a atuação dos sindicatos são relativamente débeis. Procura-se chamar a atenção para o fato de que a evolução das diversas taxas de salários encontra-se em ritmo e, por vezes, em sentido contrário ao da média da indústria. É esta dinâmica divergente de trajetórias que é capaz de conferir inteligibilidade ao fenômeno da dispersão relativa de rendimentos.

Como se evidenciou no primeiro capítulo, a diferenciação dos salários está associada a processos de segmentação no mercado de trabalho, cujos fatores determinantes são:

1) a institucionalidade que cerca o sistema de relações industriais;

2) a dinâmica da concorrência, entendida como um processo permanente de diferenciação de produção, produtividade e lucratividade dentro e entre indústrias; 3) a estrutura ocupacional, compreendida como o produto da interação entre trabalhadores e empresas na organização do processo de trabalho.

Dentre os três elementos acima citados, procurou-se estabelecer a articulação entre a trajetória da distribuição das remunerações e a evolução das variáveis relacionadas à dinâmica concorrencial e às alterações na organização dos postos de trabalho.

A fim de captar esta articulação, três aspectos do movimento dos salários na indústria de transformação são selecionados: a evolução dos salários médios no plano setorial; ao nível das firmas e de acordo com a hierarquia das ocupações. Os dois primeiros aspectos pretendem explicitar as repercussões das mudanças na estrutura industrial sobre os rendimentos. Neste sentido, estão relacionados aos distintos padrões de concorrência, produtividade e lucratividade. O último aspecto refere-se a forma pela qual se organiza o processo de trabalho e como interagem trabalhadores e firmas na determinação das condições de trabalho e de remuneração.