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Exame do LCR nas Neoplasias do Sistema Nervoso Central

Carlos Senne e Sandro Matas

Neoplasias do sistema nervoso central (SNC) compreendem as de origem primária, metastáticas de tumores sólidos e as infiltrações de neoplasias hematológicas. Existem mais de 100 tipos de neoplasias primárias do sistema nervoso central e a maioria das neoplasias sistêmicas malignas pode invadir o sistema nervoso central por continuidade, por contiguidade e por via hematogênica. As neoplasias primárias do SNC são raras, perfazendo ao redor de 3,9% de todas as mortes por cânceres em adultos no Brasil no período compreendido entre 1998 a 2007. Já em crianças, neoplasia primária do SNC é a segunda maior, perdendo apenas para as leucemias. Os tipos mais comuns são:

• Astrocitomas – Graus I-IV • Meduloblastomas

• Ependimomas • Meningiomas

• Adenomas Pituitários

• Outros: craniofaringeomas, germinomas, linfoma primário do SNC, etc.

A apresentação clínica é variável com a localização do tumor, podendo haver manifestações na forma de déficits neurológicos focais, ou apenas manifestação clínica de hipertensão intracraniana com cefaleia, náuseas, vômitos e papiledema. Os exames de neuroimagem são indispensáveis no

diagnóstico de lesões expansivas do SNC e podem caracterizar a neoplasia primária em relação à captação de contraste, localização, presença de necroses e hemorragias intratumorais, avaliando o nível de hipertensão intracraniana e possível herniação encefálica. Em termos gerais, 70% das

neoplasias primárias do SNC em adultos são supratentoriais. Em contrapartida, em crianças, 70% são em fossa posterior. Dentro das neoplasias primárias devemos citar os linfomas primários do SNC que, em pacientes com AIDS, estão intimamente relacionados à infecção pelo Epstein barr vírus (EBV). Nestes pacientes existem inúmeras situações que promovem processo expansivo intracraniano que necessitam ser diferenciados, pois estão relacionados com condutas terapêuticas diversas. Mais de 30% dos pacientes com cânceres sistêmicos terão envolvimento do SNC. Das doenças que mais invadem o SNC temos, em sequência, câncer de mama, câncer de pulmão, câncer gástrico, melanomas e, em metástases raquimedulares, câncer de próstata e bexiga. Metástases

parenquimatosas são duas vezes mais frequentes que as infiltrações leptomeníngeas e as alterações clínicas, assim como nos tumores primários, ocorrem por déficits focais ou por hipertensão

intracraniana. As alterações no LCR são mínimas, restringindo-se a pressão inicial elevada à punção lombar e aumento da taxa de proteínas. Já a infiltração leptomeníngea, apesar de menos frequente, ocorre em 8% das neoplasias sólidas sistêmicas, 15% das neoplasias hematológicas, 7% a 66% das neoplasias primárias (variação dependente do tipo de neoplasia). O LCR nestes casos traz enormes contribuições:

Manometria – HIC mesmo na ausência de massa encefálica à CT ou RM de encéfalo.

Citologia – Pesquisa de Células Neoplásicas. Em até 30% dos casos não há célula neoplásica no esfregaço no primeiro exame citológico. A positividade aumenta em até 80% na segunda punção, sendo importante fazer coletas repetidas frente à forte suspeita de infiltração.

A citologia representa passo indispensável na investigação neoplásica. Observamos frequentemente: hipercitose de > 3 a 1.000 células/mm3 na contagem global. O preparo das lâminas deve ser realizado

em citocentrífuga, independente do número global de células, sendo duas lâminas com corante hematológico (Leishmann) e duas lâminas, sem coloração, para serem encaminhadas para

imunocitoquímica. A análise citomorfológica, operador dependente, é melhor avaliada na presença de dupla observação. Nesta análise procura-se características anaplásicas nas células que compreendem morfologia bizarra, células gigantes (desproporcionais), presença de inúmeros vacúolos e núcleos em uma mesma célula; fenômenos de canibalismo, agrupamentos em blocos teciduais, hipercromasia citoplasmática, alteração da correlação núcleocitoplasmática, desorganização nuclear com cromatina frouxa, presença de nucléolos, mitoses atípicas (Figura 6.2).

FIGURA 6.2 Tumor de mama, adenocarcinoma de mama com infiltração neoplásica do sistema nervoso central (83%).

Atualmente existem inúmeros marcadores tumorais solúveis que podem ser identificados em amostras de LCR (Tabela 6.2).

Tabela 6.2

Marcadores tumorais detectáveis em amostras de LCR e respectivas neoplasias

Marcador Neoplásico Neoplasias correlacionadas CEA Adenocarcinoma

PSA Adenocarcinoma de próstata

ENE Tumor de pequenas células, craniofaringeoma, M eduloblastoma b M icroglobulinas Leucemias e Linfoma não Hodgkin

b HCG Digerminomas do SNC, metástase de coriocarcinoma Alfafetoproteína Digerminomas do SNC, neoplasia gastrointestinal CA 19–9 Câncer pancreático e do sistema biliar

Proteína ácida fibrilar glial (GFAP) Gliomas

S-100 Gliomas, meduloblastoma, melanoma

ESA.

Algumas neoplasias frequentes:

Tumores primários

Ependimoma – 8% das neoplasias encefálicos na infância. Pela própria localização e por sua característica, este tumor frequentemente esfolia para o LCR, sendo observado em citológicos preparados com corantes hematológicos. Algumas vezes sua identificação morfológica pode ser confundida com células do plexo coroide ou mesmo com células ependimárias normais. Sua

diferenciação se faz pelas características anaplásicas, grandes variações de tamanho, muitas vezes não guardando relação com suas características histopatológicas. Por vezes, as células descamam em blocos lembrando tecido epitelial, porém com presença de mitoses típicas e atípicas, alteração núcleo- citoplasmática, hipercromasia de citoplasma, presença de nucléolo.

Meduloblastoma – Tumor embrionário caracteristicamente de fossa posterior e em crianças, tem como comportamento maligno a implantação metastática nas leptomeninges. Perfaz 25% das

neoplasias encefálicas infantis e, mesmo quando a cirurgia consegue extirpação completa do tumor, há necessidade de investigação de implante metastático meníngeo, através de exames de neuroimagem e pesquisa de células neoplásicas no sedimento do LCR. As células possuem características próprias, sendo arredondadas, com formas variadas, núcleos com cromatina frouxa, presença de nucléolos e citoplasma basofílico. Raramente encontram-se inclusões ou vacúolos citoplasmáticos. Muitas vezes as células aparecem em grupamentos, blocos teciduais e assumindo morfologia trapezoidal. O núcleo chama atenção, pois frequentemente ocupa toda a célula.

Glioblastoma multiforme – Tumor astrocítico maligno, classificado como tumor neuroepitelial, é dos tumores primários um dos mais facilmente identificados no preparado citológico nos casos de

metástase meníngea. As células quando presentes no preparado citológico apresentam grande

polimorfismo tanto citoplasmático como nuclear, sendo difícil caracterizar um padrão de comportamento morfológico. Mesmo assim podemos observar grande alteração núcleo-citoplasmática, hipercromasia de núcleo e citoplasma, formas nucleares bizarras, presença de mitoses atípicas e bizarras, tendência a aparecer em grupamentos celulares compactos, meganucléolos e nucléolos múltiplos. Algumas vezes a membrana citoplasmática malformada apresenta projeções lembrando um frangeamento anormal. É comum a infiltração neoplásica ser acompanhada de células inflamatórias, assim como macrófagos com hemossiderina. Tal processo inflamatório decorre de necrose e hemorragia que frequentemente ocorre neste tipo de tumor.

Tumores metastáticos – Os tumores sólidos que invadem o SNC podem-se manifestar de duas formas predominantes, a infiltrativa de meninge e as metástases parenquimatosas. Nesta última forma de apresentação, o LCR pode ser normal ou, dependendo do volume da metástase, apresentar elevação proteica como único sinal. Obviamente, sempre que há suspeita de processo expansivo intracraniano a punção lombar deve ser sempre precedida de exame de imagem para assegurarmos que a punção não apresente risco de hérnia cerebral (transtentorial, transforaminal e de linha média), o que pode determinar sérias consequências, inclusive óbito do paciente.

Câncer de pulmão – Do mesmo modo como ocorre na neoplasia de mama, a infiltração meníngea pode ser representada apenas por hipercitose inespecífica, associada a aumento do teor proteico do LCR. Dependendo da linhagem tumoral, as células encontradas no esfregaço podem apresentar características peculiares. Em adenocarcinomas as células podem aparecer agrupadas, formando ácinos, algumas vezes há grandes vacúolos citoplasmáticos e outras características do tumor de mama. Em carcinoma espinocelular, a infiltração pode apresentar células agrupadas lembrando tecido epitelial. Porém, em todas as apresentações citológicas, há acentuadas características neoplásicas.

Tumor de mama – Em cerca de 20% dos casos de infiltração meníngea há hipercitose inespecífica, muitas vezes composta por polimorfonucleares e células linfomonocitárias. Quando há suspeita inequívoca desta infiltração, através de exame de imagens, amostras repetidas deverão ser coletadas para análise cuidadosa, pois há aumento da positividade quando grandes amostras de LCR são analisadas. Em geral, quando presentes, as células não geram dúvidas quanto ao diagnóstico, pois apresentam formas bizarras, grande volume, figuras de mitose atípica, células bi- ou tri-nucleadas, presença de grandes vacúolos, hipercromasia e malformações do citoplasma. É comum encontrar acentuada hipoglicorraquia nas infiltrações, sendo um bom indicador, apesar de inespecífico (Figura 6.2)

Linfomas não Hodgkin – Atualmente todo paciente que apresenta linfoma não Hodgkin é

submetido à punção liquórica para pesquisa de infiltração. Tal conduta se fundamenta na alta frequência de infiltração assintomática e na baixa penetração dos quimioterápicos na barreira hematoencefálica e hematoliquórica. Após esta análise, diferentes protocolos de quimioterapias serão seguidos

dependentes da presença ou não de infiltração. A análise morfológica mostra células que lembram a origem hemocitopoiética, porém com grande pleomorfismo celular caracterizado por células

multinucleadas, hipercromasia de citoplasma, núcleo com cromatina frouxa e presença de macronucléolos.

Leucemias – As leucemias linfocíticas agudas por linfócitos T são as que mais infiltram o espaço subaracnóideo. Esta infiltração vem tornando-se menos frequente em decorrência dos modernos protocolos de tratamento quimioterápico com drogas modernas e mais eficazes, porém alguns protocolos mantêm a quimioterapia intratecal preventiva. Em geral, a infiltração do sistema nervoso central, denominada de meningopatia leucêmica, manifesta-se por cefaleia constante, náuseas, vômitos e, ocasionalmente, por comprometimento de nervos cranianos. As alterações do LCR ocorrem

principalmente na análise diferencial, em que podemos encontrar desde poucos elementos blásticos, com número total de células dentro dos valores normais, até verdadeiras meningites com mais de 1.000 células blastomatosas por mm3. Alterações bioquímicas são discretas, com elevação da taxa de proteínas e diminuição da taxa de glicose. A análise de marcadores tumorais por citometria de fluxo é um importante recurso auxiliar no diagnóstico da infiltração.

As leucemias mieloides têm baixa taxa de infiltração no espaço subaracnóideo, sendo identificadas pela presença de blastos na análise citológica diferencial, cuja morfologia é muito característica, e também por citometria de fluxo. Os pacientes mais suscetíveis de apresentar infiltração são os que apresentam contagem de leucócitos superior a 50.000/mm3 associado à plaquetopenia acentuada. Nestes casos, as punções lombares diagnósticas devem ser realizadas sob sedação e por médicos experientes para evitar, tanto quanto possível, punções traumáticas as quais possibilitariam implante de blastos no espaço subaracnóideo raquiano, provindos do sangue periférico, aumentando a chance de desenvolver neuroleucemias (Figura 6.3).

FIGURA 6.3 Leucemia mieloide aguda com infiltração do ESA.

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C A P Í T U L O 7

Eletroencefalografia

Ana Chrystina de Souza Crippa, Cláudia Junqueira Domingos e Luciano de Paola

Hans Berger (1873-1941), neuropsiquiatra alemão, foi o primeiro a registrar a atividade elétrica cerebral em humanos. Entre 1902 e 1910, ele estudou a atividade elétrica em animais de várias

espécies, sobretudo cães, com resultados decepcionantes. Em 1920, Berger tentou registrar oscilações de potencial elétrico do sistema nervoso central (SNC) humano usando um dos primeiros aparelhos eletrônicos construídos pela Siemens. O primeiro indivíduo escolhido para isso foi um jovem de 17 anos com tumor cerebral submetido à cirurgia. Durante o ano de 1924 Berger registrou os eletro-

oscilogramas desse paciente por meio de eletrodos aplicados sobre o córtex, pela abertura óssea na caixa craniana resultante de dois procedimentos cirúrgicos. O dia 6 de julho de 1924 ficou marcado na história como o início da eletroencefalografia (EEG) em humanos.

O primeiro registro no papel foi em 1929 e durou entre 1 e 3 minutos. Entre 1929 e 1930, Berger relatou padrões normativos para as frequências “alfa” e “beta” e sua variabilidade a partir de

determinadas situações ambientais, com base na análise de 1.133 registros obtidos de 76 indivíduos (Collura, 1993; Goldensohn, 1997; Niedermeyer, 1999).

Os focos de atividade lenta, correlacionados com lesão estrutural, foram mérito de Grey Walter, na Inglaterra. Gibbs, Jasper e Lennox, na década de 1940, começaram a explorar a EEG do ponto de vista clínico, já que Berger estava preocupado em definir os ritmos normais e, muitas vezes, interpretava os paroxismos como se fossem artefatos. Os primeiros paroxismos epileptiformes registrados foram os complexos ponta-onda de 3 Hz descritos por Erna e Frederick Gibbs, e, mais tarde, os padrões interictais em pacientes com epilepsia do lobo temporal. Esta foi uma década de definição da maior utilidade da EEG, a sua indicação na epilepsia. Wilder Penfield, da Universidade McGill, em Montreal, a partir de 1950, estudou de forma mais sistemática o registro EEG e introduziu a eletrocorticografia e o mapeamento da função do córtex humano. O interesse na EEG aumentou consideravelmente a partir de 1980, devido à preocupação em analisar as zonas de início ictal em candidatos a cirurgia de epilepsia.

O processamento digital dos sinais de EEG permitiu inúmeras melhorias, entre elas um número maior de canais, a análise quantitativa da atividade cerebral e maior flexibilidade no registro e na revisão dos exames. O futuro da EEG para aplicações clínicas reside na integração dos métodos de imagem, como a ressonância magnética (RM), com métodos funcionais como a eletroencefalografia e a magnetoencefalografia, que é capaz de registrar mudanças extremamente pequenas nos campos magnéticos. Composto de uma bobina elétrica imersa em hélio líquido, chamada SQUID

(superconducting quantum interference device), permite a obtenção de um registro sobreposto à imagem anatômica gerada pela RM, resultando em definição anatomofuncional e ampliando, ainda mais, o campo de indicações da EEG (Ferreira, 2010).