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Excepções ao dever de obter o consentimento – Autorizações legais

No documento ENTIDADE REGULADORA DA SAÚDE (páginas 47-50)

B) O Direito a não saber

4.3 O Consentimento

4.3.12 Excepções ao dever de obter o consentimento – Autorizações legais

As intervenções ou tratamentos médico-cirúrgicos quando praticados sem ou contra a vontade do paciente configuram, como já repetidamente vimos um crime contra a liberdade. (artigo 156º do Código Penal).

A ordem jurídica contém um elenco de excepções a este instituto, que se julgam justificadas em nome de outros valores jurídico-constitucionais. Tecnicamente, estamos perante verdadeiras autorizações legais para a intervenção médica. As autorizações legais podem ainda justificar as acções médicas que, embora portadoras de uma finalidade mais ou menos directa de terapia ou diagnóstico, estão primordialmente pré-ordenadas à promoção de interesses jurídicos supra-individuais, no contexto da prevenção de epidemias, doenças contagiosas, vacinações

obrigatórias e casos análogos. O mesmo valendo para os tratamentos compulsivos

impostos a pessoas com determinados estatutos profissionais ou integradas em instituições como a prisão.

Podemos distinguir os tratamentos sanitários obrigatórios não coactivos dos tratamentos coactivos. São não coactivos os tratamentos sanitários obrigatórios nos quais a obrigação de se sujeitar ao tratamento é sancionada apenas indirectamente:

v.g., proibição de frequentar a escola, o local de trabalho, locais desportivos, ou a

perda de direito a algumas prestações ou outras vantagens. São coactivos os que

podem ser impostos mesmo contra a vontade do paciente.27

Apresentamos de seguida alguns exemplos de autorizações legais de tratamentos médicos:

A vacinação obrigatória28 constitui uma importante limitação ao princípio da

autonomia, justificado na medida em que tem em vista a salvaguarda de

prementes interesses de saúde do próprio e de saúde pública.29 O direito à

autodeterminação sobre o corpo e sobre a saúde não impede “o estabelecimento de deveres públicos dos cidadãos que se traduzam em intervenções no corpo das

pessoas.”30

• O Decreto-Lei n.º 547/76, de 10 de Julho, e a Portaria n.º 131/77, de 14 de Março,

regulam o regime jurídico da luta contra a doença de Hansen (lepra) em Portugal. O Ministério Público ou a autoridade sanitária podem requerer ao juiz do tribunal da comarca territorialmente competente o internamento compulsivo em estabelecimento hospitalar dos doentes que, por negligência ou por recusa, não

cumpram as prescrições terapêuticas ou as indicações consideradas indispensáveis para a defesa da saúde pública (art. 5º, n.º 3).31

27

Segundo Amedeo SANTOSUOSSO, Il Consenso Informato, Milano, Raffaello Cortina Editore, 1996, p. 32, são tratamentos não coactivos, em Itália: os impostos aos trabalhadores (em caso de certificação do estado de incapacidade); o teste de alcoolemia nas estradas, as vacinações. São tratamentos coactivos, os previstos para doenças mentais, doenças venéreas, doenças infecciosas e contagiosas.

28 Cfr. art. 33º, n.º4, al. d) do Decreto-Lei n.º 413/71, 27 de Setembro, a Portaria n.º 19058, de 3 de Março de 1962, que estabelece a obrigação de vacinação anti-tetânica a indivíduos que se dediquem ao exercício de determinadas profissões (tratamento de animais, trabalhos agrícolas, operações de limpeza) e o art. 5º, n.º 2, al. a) do Decreto-Lei n.º 336/93, de 29 de Setembro, atribuem competências às autoridades de saúde para exercer a “vigilância epidemiológica”, em cujo âmbito cabe a administração de vacinas. Segundo Carla AMADO GOMES, Defesa da Saúde Pública vs. Liberdade individual, Casos da vida de um médico de saúde pública, AAFDL, 1999, p. 31, efectuado um exercício de “concordância prática” entre o direito à inviolabilidade da integridade física e o interesse constitucional de evitar a contracção e a difusão da doença, e passado o teste de proporcionalidade (art. 18º CRP), parece que este regime pode ser aplicado. Em regra os deveres de vacinação vêm associados a sanções de carácter não coacivo (por ex: a vacinação como requisito da matrícula na escola, de acesso a um emprego, etc).

29

Jorge FIGUEIREDO DIAS/ Jorge SINDE MONTEIRO, Responsabilidade Médica em Portugal, Lisboa, 1984, p. 56.

30

Joaquim GOMES CANOTILHO / Vital MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3 ª edição revista, Coimbra, Coimbra Editora, 1993, p. 178.

Na jurisprudência do Conselho da Europa, foi decidido o caso Boffa e outros treze c. São-Marino (Decisão de 15 de Janeiro de 1998 à Queixa 26536/95), relativo à vacinação obrigatória de hepatite B. Julgou a Comissão que “uma campanha de vacinação... obriga os indivíduos a inclinar-se perante o interesse geral e a não colocar em perigo a saúde dos seus próximos...”.

31 Nos termos do art. 6º.º: “O internamento será limitado ao período estritamente necessário à resolução das situações específicas que o determinaram e deverá efectuar-se, sempre que possível, nas

• O Decreto-Lei n.º 265/79, de 1 de Agosto, com as alterações introduzidas pelo DL 49/80, de 22 de Março relativo à Reforma Prisional, consagra no artigo 127º o direito de intervir. Assim: “1. Só podem impor-se coercitivamente aos reclusos

exames médicos, tratamentos ou alimentação em caso de perigo para a sua vida ou grave perigo para a saúde” A lei portuguesa admite casos de alimentação forçada de reclusos em greve de fome. Mas só a partir do momento em que se

verifica um perigo para a vida ou grave perigo para a saúde. Tanto na doutrina nacional como estrangeira é particularmente controvertida a legitimidade constitucional deste regime, que priva o recluso de uma dimensão importante do

seu direito de autodeterminação.32

A Lei de Saúde Mental (Lei nº 36/98, de 24 de Julho) prevê todo um regime que

em grande parte se baseia na licitude de submeter os pacientes (do foro psiquiátrico) a tratamentos compulsivos. O internamento compulsivo só pode ser determinado quando for a única forma de garantir a submissão a tratamento do internado e finda logo que cessem os fundamentos que lhe deram causa (artigo 8º, nº 1), sendo que “sempre que possível o internamento é substituído por tratamento em regime ambulatório”. Estão assim presentes, por um lado, os princípios da proporcionalidade, da necessidade (artigo 8º, nº2 e 4) e, por outro, a preferência por medidas não institucionais de tratamento (artigo 8º, nº3).

Os testes no âmbito da Medicina do Trabalho são obrigatórios, nos termos do

artigo19.º do Código do Trabalho e do artigo 255.º, n.º1, al. b) da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, que regulamenta o Código do Trabalho.

enfermarias de dermatologia ou de doenças infecto-contagiosas dos hospitais gerais que apoiam as consultas.”

32

Para mais desenvolvimentos, cfr. Anabela RODRIGUES, Novo Olhar Sobre a Questão Penitenciária – Estatuto jurídico do recluso e socialização, jurisdicionalização, consensualismo e prisão, Coimbra, 2000, pp. 101-128.

4.4 Capacidade para Consentir

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