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Excesso de demanda e produto potencial endógeno

CAPÍTULO 1: INFLAÇÃO E DEMANDA AGREGADA

1.3 Inflação de custos - a abordagem do conflito distributivo

1.3.4 Excesso de demanda e produto potencial endógeno

Como vimos nas seções anteriores, a abordagem do conflito distributivo se distancia enormemente dos modelos tradicionais de NAIRU (Non Accelerating Inflation Rate of Unemployment), que associam a inflação a um fenômeno de excesso de demanda e considera que choques positivos de oferta são aleatórios e sempre compensados futuramente por choques negativos, apresentando valor zero na média.

Outras críticas podem ser realizadas (como à inércia plena e ao caráter aleatório dos choques de custo com média zero), mas neste ponto queremos enfatizar na crítica à exogeneidade do produto potencial, determinado pelo lado da oferta, independentemente da trajetória do produto de curto prazo.

Na abordagem clássica do excedente, o produto potencial é também considerado como determinado pelo tamanho e produtividade do capital. Entretanto, rejeita-se a hipótese de que o que determina o ciclo não determina a tendência. As evidências

46 estatísticas em torno da existência de histerese forte ou plena do produto apontam para a constatação de que o produto de longo prazo é determinado forte ou plenamente pela tendência do produto atual. Esta tendência, por sua vez, é determinada pela demanda efetiva, entendida como a demanda daqueles podem pagar preços normais de produção que induzem as firmas a produzirem, dadas as condições técnicas e uma configuração distributiva determinada. Em outras palavras, o que determina o ciclo do produto também determina sua tendência, havendo, portanto, uma relação entre produto potencial e demanda efetiva.

Essa relação se explica pelo fato de que um crescimento do produto suficientemente persistente causa um aumento endógeno no nível do produto potencial em função do aumento induzido na oferta agregada. Esse processo pode ser explicado por modelos aceleradores do investimento induzido, como o modelo do supermultiplicador (Serrano, 1995, 2006a).

O modelo pressupõe, no longo prazo, que a propensão marginal a gastar (soma da propensão marginal a consumir com a propensão marginal a investir) é menor que um. A recíproca da propensão marginal a gastar fornece o tamanho do supermultiplicador, que expande o gasto autônomo, entendido como o gasto que não cria capacidade produtiva para o setor privado. A tendência de crescimento desses gastos é o que sustenta o crescimento da demanda efetiva, do produto corrente e do produto potencial.

A ideia é que se o nível do produto corrente é menor do que o nível do produto potencial (hiato de produto negativo), a propensão marginal a investir tende a diminuir com o tempo, respondendo à tendência decrescente da demanda. Já se o hiato de produto é positivo, a propensão marginal a investir tende a aumentar, respondendo à tendência crescente da demanda. Essas considerações refletem o fato de que se a demanda está caindo e o estoque de produtos está aumentando nas prateleiras, não há razão para o empreendedor fazer novas encomendas com seus fornecedores e ampliar a capacidade produtiva. Ao contrário, se os estoques estão diminuindo e há expectativa de demanda, visando manter market-share e sobreviver à concorrência, o empreendedor aumenta o ritmo de investimento para ajustar a capacidade produtiva à tendência crescente da demanda efetiva.

Tais mudanças na propensão a investir alteram a tendência de longo prazo do produto, isto é, ajustam o produto potencial à demanda efetiva no tempo. Conforme o produto potencial responde ao aumento dos investimentos induzidos, o hiato do produto tende a zero e a participação do investimento bruto tende ao nível requerido para sustentar

47 o crescimento da demanda e o produto potencial à taxa de crescimento dos gastos autônomos.

Isso significa que hiatos do produto positivos ou negativos tendem a se autocorrigir, mesmo sem intervenção de política econômica, pois pressões persistentes no nível de utilização da capacidade produtiva estimulam o ritmo do investimento bruto para ajustar a capacidade à tendência da demanda efetiva. Logo, considerando-se a inércia parcial e a histerese forte do produto, mesmo dentro de uma lógica de um modelo do tipo Curva de Phillips, um choque de demanda gera um aumento permanente sobre o nível de preços, mas gera um efeito temporário sobre a taxa de inflação: mesmo que o crescimento da demanda não cesse, o nível do produto potencial se ajusta ao maior nível da demanda, e depois que o hiato de produto vai se fechando e chega à zero, o excesso de demanda é eliminado e a taxa de inflação se estabiliza em seu novo patamar. Com essas duas hipóteses a inflação de excesso de demanda não se configura como um problema persistente.

Abandonada a tendência ao pleno emprego/plena utilização da capacidade instalada, ou seja, o equilíbrio de preços e quantidades no mercado de fatores de produção, a associação entre excesso de demanda agregada e inflação se esvazia. Em outras palavras, o abandono da hipótese de elevação da demanda que cria um nível excessivo superior ao de equilíbrio de capacidade produtiva potencial, ou sobre a taxa de desemprego natural da economia elimina o caráter automático representado pela Curva de Phillips. Abandonando-se também a ideia de escasAbandonando-sez, dificulta-Abandonando-se a relação entre inflação e limitações na oferta de insumos, talento empresarial ou, no fundo, existência de retornos decrescentes, presente na abordagem pós-keynesiana.

A interpretação compatível com a existência de um produto potencial que acompanha o próprio crescimento dos gastos autônomos, ou seja, responde de forma direta ao aumento da demanda agregada, e com o estabelecimento de custos de produção básicos como salários, juros e câmbio segundo interações entre características históricas, sócio-político e institucionais, é a de que a inflação seja resultado de reivindicações conflitantes quanto a participação relativa das classes sociais na renda agregada. A associação entre demanda agregada e inflação adviria, assim, da criação de um maior poder de barganha dos trabalhadores quando o desemprego está baixo e das pressões por desvalorização em função de uma tendência ao desequilíbrio externo que a demanda aquecida causa. E ainda, pela possibilidade de que a reação do Banco Central, visando controlar a inflação, abre

48 para o ajuste dos markups nominais, seja pelo custo financeiro do capital, seja pelo custo de oportunidade de se investir produtivamente.

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