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3.2.3 Vícios do voto

3.2.3.2 Exercício irregular do voto

De acordo com o artigo 115 da LSA103, o acionista deve exercer o direito de voto no interesse da companhia. Deve, portanto, o acionista nortear a sua vontade ou entendimento, ao expressar o voto, pelo que seria mais conveniente ao fortalecimento da pessoa jurídica da sociedade, como exploradora da atividade empresarial, não devendo privilegiar na hora do voto o seu interesse individual (2002, v. 2, p. 312).

De acordo com Fabio Ulhoa Coelho, o voto é considerado irregular em dois casos: quando abusivo ou conflitante. O voto abusivo verifica-se quando o acionista tem a intenção de causar, com a sua manifestação, danos à sociedade ou a outros acionistas. Se os acionistas minoritários rejeitaram as contas do controlador administrador ou as demonstrações financeiras, sem possuir razões técnicas para fundamentar seus votos caracteriza-se a abusividade. A responsabilização do acionista controlador por voto abusivo é apenas uma

103 Artigo 115 da LSA, in verbis: “O acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia;

considerar-se-á abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas. § 1o O acionista não poderá votar nas deliberações da assembléia geral

relativas ao laudo de avaliação de bens com que concorrer para a formação do capital social e à aprovação de suas contas como administrador, nem em quaisquer outras que puderem beneficiá-lo de modo particular, ou em que tiver interesse conflitante com o da companhia. § 2o Se todos os subscritores forem condôminos de bem com que concorreram para a formação do capital social, poderão aprovar o laudo, sem prejuízo da responsabilidade de que trata o § 6o do art. 8o. § 3o O acionista responde pelos danos causados pelo exercício abusivo do direito de

voto, ainda que seu voto não haja prevalecido. § 4o A deliberação tomada em decorrência do voto de acionista

que tem interesse conflitante com o da companhia é anulável; o acionista responderá pelos danos causados e será obrigado a transferir para a companhia as vantagens que tiver auferido.”

forma diversa de lhe imputar responsabilidade por abuso do poder de controle (2002, v. 2, p. 312).

Tavares Borba define o voto abusivo como segue:

O voto abusivo envolve sempre um elemento subjetivo – o dolo – caracterizando-se pela intenção deliberada do acionista de causar dano à companhia ou a outros acionistas ou de obter vantagem indevida para si próprio ou para terceiros, em detrimento da companhia ou outros acionistas (2003, p. 344).

Por outro lado, o voto conflitante é aquele em que o acionista tem interesse incompatível com o da sociedade. A LSA os discrimina, determinando a abstenção na apreciação de laudo de avaliação dos bens com que o acionista concorre para a formação do capital social, na votação das próprias contas como administradores e em qualquer matéria que o beneficie ou possa beneficiá-lo de modo particular104 (2002, v. 2, p. 313).

Tavares Borba interpreta o voto conflitante como aquele que coloca o acionista em situação de conflito de interesse com a sociedade, configurando uma colocação inteiramente objetiva. Em outras palavras, o acionista ao votar determinada matéria tem interesse pessoal diverso da companhia ficando, portanto, impedido de votar (2003, p. 344).

Ressalta-se que o acionista, ao votar em si mesmo para o cargo de administrador de sociedade, não incorrerá em conflito de interesse, pois a eleição representa uma forma de servir a sociedade e não um benefício particular. De maneira inversa, a deliberação sobre a

104 Apesar do acima disposto, a Apelação nº 263.694-1/9, julgada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em

outubro de 1996 decidiu que nada impede uma sociedade (inteiramente controlada por administradores) de votar na assembléia de outra companhia que delibera sobre as contas dos referidos administradores. De forma oposta a Apelação Cível nº 039.796-4/6-00 do mesmo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, julgada em junho de 1998, decidiu que o administrador da sociedade não poderia, representando outro acionista, votar a aprovação das próprias contas.

remuneração dos administradores é um exemplo de conflito e conseqüentemente de impedimento de voto para os acionistas que detêm cargos de administração (2003, p. 344).

Nelson Eizirik ensina que na hipótese de conflito de interesse, o entendimento dominante é no sentido de que a lei não está se reportando a um conflito meramente formal, mas a um conflito substancial que somente poderá ser aferido mediante o conteúdo das deliberações. Assim, a existência de conflito de interesse deve ser apreciada caso a caso (2005, p. 96).

Em qualquer das duas modalidades de exercício irregular do direito de voto, o acionista responde civilmente pelos prejuízos que ocasionar. A LSA consigna que o voto abusivo gera responsabilidade civil, ainda que não tenha prevalecido na deliberação assemblear, sendo certo que (e na visão de Fabio Ulhoa Coelho) a mesma circunstância também se poderia aplicar ao voto conflitante (2002, v. 2, p.314).

No que se refere à validade da deliberação da assembléia, deve-se enfatizar a diferença no tratamento da LSA para o voto conflitante e o voto abusivo. Este nunca é causa de invalidação de deliberação ou do resultado de votação. Ao contrário, o voto conflitante pode comprometer a validade da deliberação se foi essencial para a sua aprovação (2002, v. 2, p. 314).

Na mesma linha de Fabio Ulhoa Coelho, leciona Tavares Borba:

(...) se, afastado o voto conflitante, os votos remanescentes não se afigurarem suficientes para manter a prevalência da decisão, poderá esta ser anulada, mediante a iniciativa de qualquer interessado (...) (2003, p. 345).

A LSA não menciona a responsabilidade dos acionistas pelo voto ilegal. Se a assembléia geral aprovar a deliberação contrária à lei (e.g. ratificando atos de administração de inadimplemento de obrigações fiscais e trabalhistas), esse voto, pela própria definição da lei aplicável, não é abusivo ou conflitante. No entanto, deve-se considerar que o voto ilegal causa a responsabilização dos acionistas que o manifestaram em assembléia (COELHO, 2002, v. 2, p. 314).

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