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CAPÍTULO III Uma nova leitura da Pastor aeternus

3.2. Para uma nova da Pastor aeternus

3.2.2. Hipóteses para uma nova interpretação

3.2.2.2. O exercício do poder em caso de exceção

A proclamação do primado de jurisdição do Romano Pontífice, com as características que se lhe atribuem, revestiu-se do caráter do magistério mais solene da Igreja Católica e deve permanecer, para sempre, como referência aos fiéis na compreensão do múnus primacial. Porém, o modo do exercício do primado pontifício definido pelo Vaticano I, mesmo permanecendo sempre um modo válido, não é certamente, como prova a história, o único modo de exercício do mesmo primado, o qual pode e deve assumir novas formas conforme exigirem as mudanças sociais e eclesiais.

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Apesar das explicações apresentadas, não deixa de ser preocupante a renúncia por parte do Papa Bento XVI ao título de Patriarca do Ocidente. A respeito do tema: CONGAR, Yves. O Papa, Patriarca do Ocidente, in CONGAR, Y. Igreja e Papado, São Paulo: Edições Loyola, 1997, pp. 11-32; GARUTI, Adriano.

Patriarca d’Occidente? Storia e attualità, Bologna: Edizioni Studio Domenicano, 2007.

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Como já foi dito, conforme a Pastor aeternus, o elemento característico do exercício do primado é o completo poder de discricional do Romano Pontífice que, mesmo limitado pela constituição divina da Igreja e pelos princípios da moral, não é limitado por qualquer vínculo jurídico.

Tal afirmação não pode, porém, ser desvinculada da intenção dos Padres do Vaticano I, que pretendiam que fosse reconhecida ao Romano Pontífice uma autoridade capaz de tirar a Igreja de um impasse na qual ela poderia submergir, situação na qual não seria possível contar com a unanimidade moral do episcopado. Os Padres, como já foi dito, moviam-se prioritariamente por razões de natureza estratégica, e não por razões teológicas392. Antônio Acerbi, recorrendo a conceitos de natureza política (ainda que apenas do ponto de vista formal393), afirma que o modo de proceder expresso no Vaticano I refere-se ao que se conhece como “estado de exceção”.

O Vaticano I exclui que o papa deve sempre governar juntamente com os bispos; mas não é necessário que a sua discricionariedade seja o critério normal de governo. Isto é, não se pode pensar que quanto mais intensa for a afirmação da autoridade papal isso constitua por si mesmo, e em qualquer caso, o bem da Igreja. Este último ponto, porém, é verdade para o caso de exceção, ou seja, naquela circunstância em que, por causa de uma divisão do episcopado e dos fiéis não superável de outra maneira, a unidade, ideal ou prática, da Igreja se encontrasse em grave perigo. Nesse caso, de cuja existência somente o papa é o juiz último, ele, por força de seu direito de primado, pode invocar a prerrogativa de tomar livremente e sozinho as decisões que, em consciência, julgar que deva tomar, sem o concurso de ninguém. Isso não significa, de fato, sem o conselho e a ajuda dos irmãos, mas quer dizer que suas decisões são conclusivas por força de sua autoridade e não do consenso de outros, por causa da garantia divina da

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Cf. Pottmeyer, op.cit. p. 94. 393

“[...] para mostrar que a existência de um poder soberano não coincide conceitualmente com o caráter

absoluto do regime político, mas pode situar-se também dentro de um sistema de governo baseado no equilíbrio de poderes” (ACERBI, Antonio. Per uma nuova forma del ministero petrino, in ACERBI, Antonio

correspondência entre a sua palavra e a verdade evangélica. No caso de exceção, portanto, o papa exerce sua autoridade plena e suprema de acordo com a modalidade prevista na Pastor aeternus, isto é, independentemente do concurso dos bispos. Ele, no entanto, conserva e exerce a mesma autoridade fora do caso de exceção. Ou melhor, ele a exerce para evitar, no que lhe cabe, que se crie o estado de exceção. De fato, o objetivo do primado é a preservação da unidade do episcopado e dos fiéis, como ensina o prólogo da Pastor aeternus. Entretanto, se em caso de crise dentro do episcopado isso exige a total independência da ação do papa, no caso da guia normal da Igreja isso também pode ser conseguido com o estatuto da autoridade suprema que conjuge a ação do papa com a dos bispos. Em outras palavras, o poder do Romano Pontífice pode ser exercido também de forma não absoluta, juridicamente regulamentada, segundo as normas que prevêem a participação dos bispos. Com efeito, ‘supremo’ significa que um poder não tem superiores, e ‘pleno’ que ele não é parcial, de modo a se conter dentro de certos limites, fixados por um poder concorrente (no caso, o dos bispos), mas pode ser aplicado em todos os níveis e para qualquer pessoa. Isso não quer dizer que não é possível estabelecer as condições jurídicas de seu exercício, em razão de sua relação com um corpo que também é dotado de jurisdição plena e suprema, de modo a dar espaço para a participação deste último com base no seu próprio direito”394.

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Conclusão.

O presente trabalho demonstrou que o primado do bispo da igreja de Roma, mesmo sendo teologicamente vinculante para a toda Igreja, resulta de uma evolução na qual concorreram muitos fatores, e pode assumir diferentes formas sem comprometer sua natureza fundamental. Diversas circunstâncias fizeram com que o modelo da monarquia absoluta aparecesse como sua expressão mais adequada e o Concílio Vaticano I definiu suas prerrogativas de um modo que se aproxima bastante desse modelo.

O novo milênio traz exigências novas, uma compreensão diferente e a possibilidade de superar o escândalo que o responsável último pela unidade eclesial seja uma das principais causa de divisão entre as Igrejas cristãs (como ofício, evidentemente, não como pessoa). O modelo de monarquia absoluta empregado na compreensão do primado pode ser substituído por outros modelos, sem que seja ferida a identidade dogmática do múnus primacial.

Nesta tarefa a Teologia tem, certamente, papel relevante, mas não exclusivo. Reflexões teológicas (e até mesmo definições dogmáticas) que não se consolidam em estruturas eclesiais, acabam tendo pouca relevância. Por isso a canonística é chamada a definir estruturas eclesiais que sejam conformes o progresso da ciência teológica e a consciência de fé do Povo de Deus. A situação de ausência de normas canônicas referentes

ao primado, característica da compreensão absolutista do mesmo, precisa ser substituída por uma situação de legalidade. Que o primado tenha limites, todos admitem; resta agora defini-los canonicamente.

Na história da Igreja o primado pontifício já foi motivo de vergonha e de glória, de problemas e soluções; a positivação de normas fundamentais que devem reger seu ofício, desde que não sufoque a liberdade do Espírito, pode ser um canal da graça, colaborando para que o bom exercício do múnus não dependa apenas das qualidades daquele que recebeu essa missão.

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ANEXO 1

ANEXO 2

ANEXO 3

ANEXO 4