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3 REFORMA UNIVERSITÁRIA DE 2005 E A DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO

3.3 Expansão da educação superior: lógica privatista da massificação

A formulação e execução das políticas utilizadas para expansão e democratização da educação superior no Brasil seguem traçado e desenhos distintos, mas operam sob a mesma lógica. O PROUNI procurou fomentar o setor privado à base de renúncias fiscais privilegiando o crescimento de matrículas em instituições particulares, com questionáveis valores qualitativos em relação à formação acadêmica.

As instituições particulares de educação superior são poucos produtivas em conhecimento científico. Como também a grande maioria não congrega ações de extensão universitária em comunidades externas ao ambiente acadêmico, na maior parte das vezes a preocupação central dá-se em manter as taxas de matrículas se valendo da promoção do ensino direcionado aos desígnios operacionais aspirados pelo mercado de trabalho, sem quaisquer considerações humanitárias na formação acadêmica.

Entretanto, para promover a democratização do ensino superior pela via da massificação preconizada pelos agentes internacionais, a grande aposta do governo federal foi a combinação

da expansão das IFES, ainda que aquém da necessidade, e no segmento do ensino privado. Tanto é que o PROUNI se destaca como principal vitrine da Reforma Universitária iniciada em 2005, e seu legado é tão proeminente que, em termos numéricos, é possível projetar o crescimento do setor privado na educação superior em variáveis de crescimento: a) quanto ao número de instituições, b) quanto ao número de cursos, e c) quanto ao número de matrículas.

Em relação ao número de instituições, os dados do Censo da Educação Superior mostram que a expansão foi constante. Entre os anos de 2004 a 2017 instituições privadas em funcionamento passaram de 1.789 a 2.152 unidades, ou seja, um salto de 363 novos estabelecimentos (INEP, 2005, 2008). Parece pouco significativo se dimensionamos o recorte de tempo mencionado, contudo, vale destacar que uma evolução mais acentuada é atenuada por causa de aquisições e fusões de uma grande gama de empreendimentos por conjuntos empresariais específicos, o que indica a formação de monopólio nesse setor.

Esse fator é demonstrado quando se observa no mesmo período a evolução no quantitativo de cursos e matrículas, que é, em média, desproporcional. No decorrer dos 13 anos observados, o número de cursos de graduação passou de 12.382 para 24.955, dentre as modalidades de ensino presencial e a distância. Ressalta-se uma constante progressão de 12.573 cursos no decorrer do tempo determinado, demonstrando um aumentativo de mais de 100% (INEP, 2005, 2018).

Em relação ao número de matrículas, o crescimento foi ainda mais exponencial. Em 2004 totalizaram-se 2.985.405 alunos efetivamente matriculados, enquanto que em 2017 esse quantitativo passou a ser de 6.241.307, uma diferença de 3.255.902. Ou seja, no caso em questão, os dados analisados indicam uma evolução de mais de 109% quanto a esse quesito (INEP, 2005, 2008).

Portanto, conforme os documentos indicam acima, as inúmeras benesses fiscais que o governo federal utilizou para promover a expansão da educação superior no setor privado foram decisivas e bastante eficientes pelo resultado expressivo apresentado quanto aos aspectos quantitativos mesurados. Reuni e Fies possibilitaram o acesso de milhões de brasileiros ao ensino superior, restando perguntar, entretanto, sobre a qualidade do tipo de ensino promovido. Em relação ao setor público, no que concerne às IFES os percentuais de evolução foram bem mais comedidos. Muito embora a educação superior pública tenha se demostrado original e historicamente mais bem-sucedida em relação à produção do conhecimento científico e tecnológico, os espaços de apoio para seu crescimento no país ainda encontram bastante desafios, ainda que a Reforma de 2005 também tenha beneficiado esse setor.

Sobre o número de instituições, em diferentes regiões do país novas universidades e institutos federais foram criados. Observa-se que não houve uma evolução tão acentuada quanto aquela sentida no setor privado. Entre 2004 a 2017 o número de instituições de ensino superior públicas federais saltou de 87 para 109, dentre institutos e universidades, o que representa crescimento de pouco mais de 25% no decorrer do período informado (INEP, 2006, 2018).

O quantitativo de cursos de graduação não acompanhou a proporção de crescimento equivalente ao de instituições privadas. No período de 2004 a 2017 foram abertos 3.904 novos cursos de graduação, ou seja, o quantitativo de 2.449 passou para 6.353 em pouco mais de uma década, perfazendo o total acrescido de 159% (INEP, 2005, 2018).Vale dizer que na história brasileira a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 foi o primeiro movimento de expansão das instituições federais de ensino superior de significativo vulto.

Esse fator se deu principalmente em 2008 por causa das metas estipuladas nos planos de restruturação das IFES exigidas pelo REUNI. Conforme comentado anteriormente, foram exigidos de cada instituição planejamentos específicos e detalhados para atingimento das metas e diretrizes aspiradas pelo programa, como forma de liberação do recurso reservados, o que já no primeiro ano de execução foi alcançado com êxito pelas instituições. Dessa forma, veem-se como naturais essas discrepâncias, mesmo que nos números do setor privado as proporções percentuais sejam mais significativas em termos absolutos.

A mesma circunstância é percebida em relação ao quantitativo de matrículas, que passou de 574.584 para 1.306.351, correspondendo a uma diferença de 731.767 sentida no decurso de tempo informado. Em termo percentuais é possível apontar uma evolução de mais de 127%, o que confirma também a influência da persecução que o Reuni determinara para essa variável em específico (INEP, 2005, 2018).

Aqui vale ressaltar também o caráter qualitativo que conduziu o crescimento do setor público. Diferente do processo de expansão das instituições do setor privado, que não exigiu nenhuma forma de diretriz que primasse por renovações pedagógicas ou realinhamento de planos estruturais de ensino, nas IFES o REUNI determinou uma série de dimensões qualitativas, que se desdobravam em aspectos com os quais se estabeleciam os valores de sua política pedagógica.

Dentre tais valores se destaca a dimensão do compromisso social das instituições participantes com os aspectos de democratização do acesso e assistência estudantil. O objetivo era aumentar o quantitativo de ingressantes na educação superior e, ao mesmo tempo, promover ações para combater a evasão e a retenção escolar. Os instrumentos utilizados para materializar

tais medidas foram a lei de cotas e o PNAES, políticas que, embora pensadas como complementares, seguiram desenhos políticos distintos de implementação.

Os efeitos práticos para a instituições de ensino superior foram, em um primeiro momento, a mudança no perfil do estudante de graduação pela Lei de Cotas, que passou a ser composto em sua maioria por pessoas originárias da escola pública e de classes populares. Inevitavelmente essa caraterística ocasionou transformações marcantes nas funções típicas universitárias, demandando das IFES a instituição de políticas internas assistenciais cada vez mais incisivas, visando combater a evasão escolar.

Em um segundo momento, para manter as políticas assistenciais em funcionamento, em especial por causa do progressivo custo em decorrência do crescente número de ingressantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica, as IFES tornaram-se bastante dependentes das dotações orçamentárias pelo MEC via PNAES. Esse fato reflete consequentemente na fragmentação da autonomia universitária, que se vê ameaçada pelo modelo precário de política que rege a função de compromisso social da educação superior preconizada pelo Reuni.

A Reforma Universitária de 2005 não somente privilegiou o setor privado, promovendo uma massificação educacional com frágeis critérios de qualidade e não debatendo com a sociedade os impactos desse bem como direito público. Ela também influiu na autonomia das universidades federais, direcionando seu gerenciamento e lhe impondo encargos qualitativos, que, em regra, eximem a responsabilidade do Estado e transferem inúmeros desafios das agendas sociais ao compromisso social das instituições federais de ensino superior.