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A Expansão da Via Magia: parceria com a arte e com a clínica multidisciplinar.

CAPÍTULO 3 OS SABERES DO COORDENADOR PEDAGÓGICO E A TRANSFORMAÇÃO NA ESCOLA

3.2 A Expansão da Via Magia: parceria com a arte e com a clínica multidisciplinar.

Agora começava também uma época de participar em encontros, conferências e seminários, em escolas, universidades, na Sede Psicanálise e em programas de TV, para falar de sua experiência educativa para pais, professores, estudantes, psicanalistas, público geral, o que também incentivou delimitar-se mais os pressupostos interdisciplinares que embasavam o trabalho da escola.

Em 1992, o grupo de Teatro da Via Magia, que sempre escolhera uma linha dramática de pesquisa de linguagem, juntando-se com outros artistas brasileiros e latino-americanos que produziam de forma independente seus próprios trabalhos, fundaram a Rede Latino Americana de Produtores Independentes de Arte Contemporânea, o que significou uma maior diversificação da atuação profissional de alguns educadores da escola.

Em 1993, uma nova expansão ocorreu. Uniu-se ao grupo de educadores da escola, ao grupo de teatro e a sede da Rede Latino-Americana, um grupo de psicólogos, médicos, psicanalistas e uma terapeuta corporal, formando-se o espaço da “Casa do Meio”, uma espécie de clínica multidisciplinar que se instaurou numa casa que ficava de fato entre as duas casas da escola (a da educação infantil e a do ensino fundamental). O nome Casa do Meio era evidentemente polissêmico, pois incluía-se nele referências diferentes, desde sua posição geográfica dentro da Via Magia até a realização de um sonho de paz, de união na diferença, ao reunir diferentes profissionais de áreas clínicas distintas, inclusive com diferentes abordagens (psicanálise, análise junguiana, terapia gestaltista, psicologia humanista) e construir um espaço de trabalho terapêutico cooperativo, que pudesse também associar-se ao trabalho da escola.

Não foi possível seguir com tal amplitude de diversidade e a Casa do Meio prosseguiu com algumas propostas mais aparentadas entre si. Ao mesmo tempo, a

87 representação da Rede Latino-Americana e posteriormente o do Mercado Cultural11 foram tomando os espaços da casa e finalmente a Casa do Meio tornou-se a sede destes projetos, assim como cinco salas (grupo de 5 anos, grupo de Alfabetização, sala de Inglês/Informática, sala de reuniões e da supervisão/coordenação) foram ocupadas também pela escola.

Em 1994, três dos coordenadores, já envolvidos e/ou concluindo curso de formação psicopedagógica no CETIS (Centro de Terapias Integradas de Salvador), puderam começar a atender crianças com questões de aprendizagem de forma individualizada ou em pequenos grupos na Casa do Meio. Formou-se assim uma clientela mista, de crianças da escola da Via Magia e de outras escolas também, na Casa do Meio, onde se atendiam adultos também, individualmente e em grupos. Toda a busca de um caminho metodológico amplo e sistêmico para o estudo no ensino fundamental (onde de fato surgem os chamados distúrbios de aprendizagem) encontrava-se com o interesse dos coordenadores, que haviam optado também por trabalhar clinicamente com dificuldades de aprendizagem, tratando de dissolver ou deslocar sintomas associados ao trabalho escolar, apresentado por determinadas crianças desadaptadas ao sistema de ensino sistemático que este implica.

Os coordenadores pedagógicos, agora também psicopedagogos clínicos, juntamente com a escola da Via Magia, tinham total interesse em aprender a incluir as crianças com necessidades especiais. É verdade que em certo momento do ano 93, a equipe perguntara-se como aceitar crianças que tinham um comprometimento maior em seu desenvolvimento, já que uma escola comum não pode oferecer determinados recursos que só um trabalho mais individualizado, até clínico, tem condições de fazê-lo. Foi aí que se organizou um primeiro grau especial (sem séries diferenciadas) com apenas cinco crianças, experiência que durou apenas dois anos.

11 Segundo Ana Carla Fonseca (“O caleidoscópio da cultura”); Mercado Cultural é um projeto da Via

Magia que reúne, desde 99, agentes culturais, produtores, intelectuais e artistas em torno da idéia de exibir, promover e distribuir arte independente, inovadora e de alta qualidade, sem acesso aos circuitos da grande indústria. Atua em três frentes complementares: reflexão (conferências e debates sobre as realidades sociais e as perspectivas culturais no mundo), exposição (música, teatro, dança e artes visuais) e negócios (a feira de arte, oportunidades e negócios culturais, com dezenas de stands de artistas, empresas e instituições).

88 Na verdade, como nesta escola sempre estiveram incluídas a arte e a psicologia, o contato com a natureza e um espaço para a corporeidade, tendo também sempre uma reserva de tempo para as reflexões que dizem respeito ao sentido das relações humanas e da vida... foi possível desde o começo, receber as crianças que vinham indicadas por outras escolas ou clínicas, com um histórico de desadaptação, problemas de aprendizagem, questões de socialização, disfunções psicomotoras e de fala.

Mas, surgiam cada vez mais crianças com questões na escolarização e isso preocupava a equipe. Como seguir daí, produzindo algo significativo, considerando sintomas de crianças e professores, que se sentem angustiados diante das demandas de professores e coordenadores? Não eram colocadas as dificuldades escolares, na grande maioria do ambientes educativos próximos, como um sintoma, um substituto da verdade do sujeito, que não pode ser dita.

Como acreditam vários educadores hoje em dia, há uma tendência de rotular as crianças como disléxicas ou portadoras de outros distúrbios (tem-se conceituado e nomeado vários novos transtornos de aprendizagem) que teriam origem orgânica e precisariam ser assim corrigidos através de medicamentos ou treinamentos.

Evidentemente, começavam a ficar mais claros para o grupo, os limites da intervenção pedagógica, mesmo que num trabalho mais aberto, que se nomearia de psicopedagogia institucional. A busca de não atribuir os problemas às crianças e não deixar de assumir a responsabilidade da escola, levava todos a uma pesquisa incessante e a um investimento cada vez maior na formação dos professores.

O que ocorreu de bem interessante aí, parece-nos, foi a troca entre saberes considerados próprios da clínica psicopedagógica e outros considerados próprios da escola, pois as coordenadoras envolveram-se em toda e qualquer inovação tecnológica a favor da produção de conhecimento da criança, adaptando experiências de sala de aula à clínica e vice-versa.

Outro ponto interessante da prática clínica dos coordenadores foi a implementação do convívio direto com as crianças, que também passou a ser uma meta do exercício de coordenação na escola. Em 1993, estabeleceu-se que era fundamental

89 que as coordenadoras pudessem não só ouvir o professor e acompanhar o trabalho através dele, como também poder observar diretamente a produção das crianças. Em 1994, estabeleceu-se como objetivo geral do ano, algo mais amplo neste sentido, ou seja, que as coordenadoras acompanhariam mais diretamente a produção das crianças (textos, desenhos, avaliações, sondagens) e também que elas visitariam os grupos durante as atividades, quando poderiam observar a organização psico-motora das crianças, suas dificuldades com desafios das diferentes áreas de conhecimento (Escrita/Leitura, Matemática...). A equipe da coordenação estava sendo desafiada a colocar-se de forma mais próxima e ativa no acompanhamento dos trabalhos do cotidiano, já que se havia produzido muito em termos de idéias/materiais e haviam surgido novos desafios com relação ao Ensino Fundamental e com as crianças com necessidades especiais.

A escola precisou também incrementar o contato das suas coordenadoras com psicopedagogos da cidade, assim como com outros profissionais como fonoaudiólogas, psicanalistas, terapeutas ocupacionais e psicomotricistas, que atendiam suas crianças.

3.3 Os saberes da psicanálise, da epistemologia genética e do sócio