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4.1.4 EXPECTATIVAS DOS PROFESSORES SOBRE OS IMPACTOS DO SEU TRABALHO EDUCATIVO NA RESSOCIALIZAÇÃO DOS ADOLESCENTES

Neste tópico foram agrupados os sentidos dos docentes sobre o papel da educação na ressocialização dos adolescentes, assim como as expectativas dos professores sobre os impactos de seu trabalho educativo nesse processo.

Os dados coletados, por meio das entrevistas e dos diários de campo, apontam que as professoras Ana, Patrícia e Maria demonstram acreditar na ressignificação de valores e na mudança de comportamento dos adolescentes infratores, acreditam no potencial do trabalho educativo e pedagógico que realizam, conforme o trecho destacado da entrevista da professora Maria:

[...] enquanto professora de ciências humanas o meu conteúdo em si, ele tem um potencial de desvelar um mundo muito grande e esse desvelamento do mundo quando em contato com a identificação do sujeito, quando ele percebe qual lugar ele ocupa naquela sociedade, tem um potencial de transformação muito grande. Então, eu acredito que seja um lugar de fala privilegiado das ciências humanas aqui dentro, por conta dessa questão do currículo do conteúdo que traz logo assim de cara problemáticas sociais, políticas e econômicas que refletem diretamente na formação no cotidiano nas práticas que os adolescentes e que os outros sujeitos do centro também têm. Então, é comum a gente ver na mesma maneira que existe na sociedade as contradições políticas, sociais, econômicas e culturais é comum enxergar essas contradições dentro do centro entre os funcionários e entre os adolescentes. (Professora Maria, entrevista realizada em 09/11/2018).

Nesse relato observa-se uma preocupação da docente com a adoção de uma visão crítica sobre a realidade, o que parece estar relacionado com sua área de formação, e também podemos fazer uma relação com os impactos das políticas neoliberais na educação, considerando que Hill (2003) defende que o Estado precisa controlar o processo educativo por duas razões: primeiro, para tentar assegurar que ele ocorra e, segundo, para tentar assegurar que os tipos de pedagogia opostos à produção da força de trabalho não existam e não possam existir. Em suas palavras:

(...) o Estado capitalista tentará destruir qualquer forma de pedagogia que tente educar os estudantes sobre seu verdadeiro predicamento a criação de uma consciência própria como futura força de trabalho e a sustentação desta consciência com uma visão crítica que procure solapar o pacífico funcionamento produção social da força de trabalho. Este medo implica no rígido controle, por exemplo, do currículo para a formação e capacitação do professor, do ensino, e da pesquisa em educação. (Hill, 2003, p. 27)

No contexto pesquisado esse controle do estado ocorre por meio do currículo, da formação docente e pelas normas e rigidez de um ambiente de segurança. Os docentes que atuam na unidade desenvolvem suas atividades educativas em diversos momentos, adaptando-se ao sistema de segurança e, por vezes, resistindo ou sucumbindo à lógica do controle.

No trecho da entrevista com a Professora Patrícia é destacada a crença na recuperação dos adolescentes infratores, que em um dado momento de suas vidas se envolveram com a criminalidade, porém, a participante sinaliza uma preocupação com as condições de vida dos adolescentes após a saída da unidade em como serão recebidos pela sociedade e como receberão oportunidades, como segue:

Eu acredito que a educação é a solução e esses meninos muitas vezes partem para esse caminho por falta de uma oportunidade e nesse espaço, nesse meio tempo que eles tem aqui, eu acho que ainda é pouco para eles, para serem aproveitados, que ainda tem muita coisa para ser feito alguma coisa posterior também. Ou seja, um curso profissionalizante, uma preparação melhor para esses meninos voltarem a sociedade e a sociedade também tem que acreditar neles, eu sei que é difícil acreditar, mas temos que dar um ponto de confiança, temos que dar um voto de confiança e a gente sabe que tem muitos meninos que é a falta de oportunidade que levou para esse caminho. (Professora Patrícia, entrevista realizada em 12/11/2018)

A Professora Ana destaca a esperança que deposita nos adolescentes e aborda a falta de políticas públicas voltadas aos egressos43 do sistema, assim como a falta de ações governamentais na vida desses jovens quando saem da Fundação CASA.

A gente vem com tanta esperança para estes alunos, acreditando que eles podem fazer isso, aquilo, que eles continuem estudando lá fora, que eles podem fazer cursos profissionalizantes. Alguns eles fazem eles fazem aqui, mas eu já escutei isso de menino que já saiu fora daqui, que foi teve sua liberdade, de que nós colocamos tanta esperança para eles e na hora que eles passam aquela porta de ferro nada aquilo era real. Então, tinha que ser feito um trabalho logicamente que não é por nós professores, de políticas públicas voltadas para os egressos. Se eu for falar em número, deve ter passado uns 15 mil alunos desde que entrei aqui e se for ver bem, acredito que apenas uma pequena minoria, sei lá uns 30 alunos saíram do envolvimento com criminalidade e, para mim, isso é falta dessas políticas públicas como: emprego, educação... quando eles saem daqui as portas se fecham”. (Professora Ana, entrevista realizada em 13/11/2018).

43 - Egressos são aqueles adolescentes que deixam a unidade de internação após o cumprimento da

Na fala da professora Ana destaca-se sua frustração quanto à realidade difícil dos adolescentes que saem da Fundação que, em geral, são excluídos e não tem nenhum suporte em sua reintegração à sociedade. Verifica-se também o baixo índice de adolescentes que passaram pela unidade de internação e deixaram o envolvimento com a criminalidade. A falta de políticas públicas aos egressos do sistema é ressaltada como uma das principais lacunas no atendimento socioeducativo, pois os adolescentes não recebem apoio ou um acompanhamento efetivo quando deixam a unidade, além do estigma social que carregam por terem cometido um ato infracional.

Os professores Carlos e a professora Ana relataram o exemplo de um egresso da unidade pesquisada que teve quatro passagens pela unidade, ou seja, que apresentou um alto grau de reincidência e envolvimento com a criminalidade e que, por meio de um programa realizado pela Advocacia Geral da União (AGU), provendo uma vaga de estágio ao egresso, ajudando-o a não reincidir novamente e que, de acordo com seus relatos, deixou o trafico de drogas e estava trabalhando na AGU há mais de um ano. O trecho da entrevista do Professor Carlos destacou essa ação:

Estamos com o caso do menino que saiu agora com trabalho arrumado enquanto estavam aqui, trabalhando como menor aprendiz dentro do Fórum da procuradoria-geral e o outro caso é o Gustavo que está aqui privado de Liberdade e ele sai todos os dias para trabalhar no fórum, vai e volta todo dia e faz esse trâmite para trabalhar dentro do fórum. Eu acho que a chance desses meninos voltaram a cometer um ato infracional é muito menor, porque às vezes, esses sei lá, pelo pouco que eles ganhem, por serem remunerados, vai evitar com que ele efetivamente faça algo muito pior mais para frente. Então, acho que é focar nesse esquema do projeto para que um menino sai daqui com um trabalho de menor aprendiz e isso faz muita diferença. (Professor Carlos, entrevista realizada em 21/11/2018).

Os docentes relataram o caso de um interno que recebeu a oportunidade do estágio na AGU e que sai todos os dias para a realização dessa atividade. Quanto a esse caso, uma anotação do diário de campo o professor relata que o aluno ficou muito feliz com a oportunidade e sempre faz planos futuros para sua vida profissional, conforme segue: (...) “eu quero fazer uma faculdade de direito, quero ser advogado e sair dessa vida”. (D.C nº 24 realizado em 08/03/2019).

No tocante a situações dessa natureza, Padovani e Ristum (2013, p.981) destacam em seu estudo a falta de políticas públicas voltadas para esse público, a saber:

O educando egresso não tem perspectiva de um acompanhamento direcionando melhorias para sua vida e da família, um suporte financeiro para a família, oferta de profissionalização que promova uma inserção no mercado de trabalho, a busca de outro ambiente para ele viver. O papel do egresso é deficiente. A falta de políticas públicas efetivas que atendam os adolescentes

após o cumprimento da medida socioeducativa de internação, não existindo um projeto preparado para eles.

Deste modo, o Estado e a sociedade civil, responsáveis pela elaboração de políticas públicas, devem assegurar os direitos, bem como a efetividade de ações que reconheçam a humanidade de cada um, através de programas voltados para a redução da desigualdade, para o trabalho, para a polícia, para a justiça e para ações na área de saúde e mídia (ASSIS; CONSTANTINO, 2005;TEJADAS, 2005).

As políticas voltadas para o egresso das Unidades da Fundação CASA são essenciais na política da não reincidência no envolvimento com a criminalidade. De acordo com Prado (2014), o jovem retorna à liberdade, mas tem mantidas as condições de vida que antecederam a contravenção penal. Nessa realidade podem estar presentes as possíveis causas dos índices de reincidência ao ato infracional. Assim, as políticas públicas devem estar voltadas não somente a questão profissional, mas devem abranger as esferas sociais, pois o trabalho com o jovem egresso requer um conjunto de ações articuladas, consubstanciadas em políticas sociais advindas de direitos conquistados historicamente, que ofereçam possibilidades construção de novos projetos de vida. Segundo Padovani e Ristum (2013), a ação pública precisa atuar através da formação de uma rede de instituições governamentais e não governamentais, no intuito de fomentar políticas públicas.

A seguir abordamos os sentidos atribuídos pelos professores a sua formação inicial e continuada no tocante à especificidade do trabalho que exercem com adolescentes privados de liberdade em cumprimento de medida socioeducativa de internação.

4.2 – SENTIDOS ATRIBUÍDOS PELOS PROFESSORES A FORMAÇÃO